sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Os doutos donos da lei

Os doutos donos da lei se reuniram na manhã quente da Rua da Ajuda para decidir o fado do futebol brasileiro. Engravatados, os doutos donos da lei tinham o calor suavizado pelos equipamentos de ar-condicionado da sala do tribunal.

Assim, os doutos donos da lei colocaram-se acima do bem e do mal. Inatingíveis, desfilaram um rosário de termos complicados para quem, diferentemente deles, não é sábio, não tem o condão da lei sob o braço ou os pés.

Não os pés que chutam a bola. Estes calçam chuteiras coloridas (ou não), não sapatos de cromo alemão impecavelmente engraxados e, quiçá, nunca estiveram dentro de um kichute, cujo cadarço era amarrado nas canelas. Os pés em questão pisaram na bola.

Parte de um grupo de ungidos não pela Providência Divina, mas pelas benesses de um sistema feudal, os doutos donos da lei foram mais importantes que os 14 gols de um centroavante ou o tento marcado pelo goleiro, já nos acréscimos de um jogo praticamente perdido.

Os doutos donos da lei não julgaram, mas promoveram uma execução sumária. Sob o argumento roto de preservar as leis do jogo, modificaram o resultado aferido dentro de campo. O mesmo rigor não foi adotado com o fluminense (com caixa baixa mesmo) em 2010 ou com o Cruzeiro neste ano que finda em três dias.

Consideraram não haver prejuízo para a competição. Para outros, porém, foi aplicado o rigor da lei: Dura Lex, Sed Lex, disseram os doutos donos da lei. Só que o Dura Lex, Sed Lex não é Ad Aeternum. Depende da cara do freguês.



O comportamento dos doutos donos da lei foi assustador. Pareciam predadores em uma savana, babando diante da presa, à espera pelo momento de refestelarem-se. E assim foi feito o banquete.

O que os doutos donos da lei fizeram não foi manter a lisura da competição. Foi cobrir com lama o pior campeonato brasileiro de todos os tempos.

sábado, 21 de dezembro de 2013

O dia do fico

Quando o STJD puniu a Portuguesa com a perda de quatro pontos por causa da suposta irregularidade na escalação do meia Héverton na última rodada do Brasileirão, eu perdi o tesão pelo futebol. Não por causa da punição, mas da forma.

Ficou a sensação de que, por mais que façamos, não será o suficiente para atender as demandas desse futebol/business, que muitos chamam de moderno. Não que eu considere importante a adequação lusa nesta mesquinharia na qual o futebol se transformou, mas o fato é que nossa simples presença incomoda.

Desde a noite da encenação que teve lugar na Rua da Ajuda, Rio de Janeiro, não assisti a absolutamente nada que fosse relacionado ao futebol. Liga dos Campeões, Mundial de Clubes ou qualquer coisa que ao menos lembre o esporte que Charles Miller trouxe ao Brasil.

Não me via mais naquilo. Não fazia sentido algum sair todos os dias para trabalhar, com raras folgas, para que, por causa da ação nefasta de um procurador qualquer, fosse deitado ao solo tudo o que fizemos durante um ano. 

Por conta disso, resolvi que largaria tudo, voltaria a estudar, faria meu mestrado e seria professor. Afinal de contas, o que eu perdi foi a fé no futebol, não no jornalismo, e como professor eu poderia ao menos passar aos meus alunos os meus valores. No futebol de hoje, caro leitor, há pouco espaço para a lisura e a decência.

Eis que neste sábado resolvi dar mais uma chance para mim mesmo e fui ao protesto organizado pela torcida da Portuguesa na Paulista. Vi tanta gente, com tantas camisas diferentes; vi o maestro João Carlos Martins, o Roberto Leal e, principalmente, gente como o Dr. Michel Muniz, lá da Lusa, e o Carlos Ferreira, que fizeram parte do grupo neste ano. 

Vi o amor e a gana dos torcedores da Portuguesa. Eles, diferentemente de mim, não haviam desistido. Em vez disso, resolveram lutar e mostrar para quem quer que seja que não será um tribunal, um procurador ou seja lá o que for que nos alijará do direito de defender nossa grandeza, essa grandeza forjada na luta, na lágrima, no sangue e no suor. Essa grandeza de verdade, que não é bancada por nenhuma emissora de TV ou estatal. 

Ora muito bem! Não será isso que me fará desistir de lutar pelo que acredito, qualquer que seja o resultado do recurso que será julgado no pleno do STJD na próxima sexta-feira. Ganhamos o direito de permanecer na elite dentro de campo e somente nele é que aceitamos discutir nosso fado. É nisso que eu acredito e é por isso que eu seguirei lutando.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

A Lei de Gérson

Montagem feita pelos amigos do site Doentes Por Futebol
Vi torcedores do Tricolor do Rio comemorando na frente do STJD (fica na Rua da Ajuda, é bom que não se perca pelo nome) o resultado do julgamento de hoje como se fosse um título. Um deles, à Fox Sports, usava gravata e mostrava, orgulhoso, o dedo indicador, em alusão à primeira divisão que seu time acabara de ganhar de presente pela terceira vez. Outro, em primeiro plano, dizia que não tinha vergonha do que acontecera minutos antes do tribunal.

Riam feito hienas que acabaram de encontrar um cadáver fresquinho, pronto para ser consumido. São os mesmos que, há alguns dias, foram às ruas protestar por causa do aumento da condução, da corrupção e outras querelas diárias tão comuns neste país.

São os mesmos que bradam feito loucos quando um pênalti legítimo é marcado contra si, mas regozijam-se a cada lance ou armação ou tapetão a favor do seu time. Eis o limite entre o júbilo e a revolta. São os mesmos que, com este comportamento deplorável, fiam as maracutaias existentes em todos os níveis sociais. O "levar um por fora", o "quanto é que eu levo nisso", é inerente a esse tipo de gente.

Para não mostrar a cara dos imbecis que foram fazer troça na frente
do tribunal, publicamos uma foto de um lixão. Dá no mesmo.
Os abraços de felicidade, as lágrimas de alegria que foram derramadas pelos maus torcedores do Tricolor (três cores, uma para cada tapete) são o mais fiel retrato que há da sociedade nos dias que correm. Esta é uma geração praticamente perdida, que pouco ou nada tem para levar consigo como valor. Moral? Virtude? Perdoe-me a expressão, mas FODA-SE! Para ficar no jargão eternizado pelo craque (tricolor, diga-se) Gérson, o negócio é levar vantagem em tudo, certo?

No lugar deles, eu teria vergonha de vestir a camisa do meu time. Mas aí é questão de berço.

sábado, 7 de dezembro de 2013

Conjecturas

A partir do dia 12 de junho do ano que vem, a bola irá rolar sob os olhares de mais de 6 bilhões de pares de olhos espalhados pelo mundo. Para tanto, bolas menores definiram hoje, na Costa do Sauípe, a sorte (ou falta de) das 32 seleções que farão a festa do mundo da bola.

Já que todo mundo arrisca um palpite aqui, outro acolá, este blog não se furtará disso. No entanto, dessa vez, não é só a qualidade das representações nacionais que deve ser levada em consideração para o preenchimento dos bolões por aí afora: como este é um país de dimensões continentais, a distância percorrida e a expectativa da temperatura na hora do jogo farão sim a diferença. Ademais, por se tratar de um torneio de tiro curto, a própria tabela pode determinar o fado das seleções.

Para não ficar bagunçado, vamos por grupos, a começar pelo do Brasil, o A: tecnicamente, o escrete canarinho deve sobrar. Resta aqui uma vaga para ser tirada no tapa por Croácia, México e Camarões. Destes, Croácia e México trocaram de treinador durante as eliminatórias (ambos passaram pela repescagem) e os africanos ainda dependem de um Eto'o que já virou o fio, embora seja perigoso. Além disso, o ambiente interno é o pior possível. Não acredito que os Leões Indomáveis tenham vida longa. 

Engana-se quem pensa que, por conta do nível dos adversários, a vida brasileira será mansa. Os donos da casa viajarão mais de 4 mil quilômetros, passando por São Paulo, pelo calor cearense e pelo clima seco de Brasília. Sem contar que, nas oitavas, seu adversário sairá do Grupo B, onde estão os dois finalistas da última Copa.

Espanha e Holanda, favoritas do grupo, têm o Chile querendo ser a surpresa da chave e a Austrália. O país dos coalas e cangurus deve voltar feliz pro outro lado do mundo se fizer um ponto que seja. Os chilenos se classificaram sem maiores problemas e têm no ótimo técnico Jorge Sampaoli o maior trunfo. Em campo, porém, Vargas e Alexis Sanchez parecem não fazer frente aos espanhóis (já no panteão dos grandes times da história) e holandeses. Para aqueles que ainda tentam diminuir o favoritismo espanhol por causa da tunda que tomou do Brasil na Copa da Confederações, um aviso: o torneio teste para a Copa nunca apontou um campeão que fizesse uma copa decente logo depois. 

O Grupo C é um dos mais insossos. A Colômbia, dos excelentes Cuadrado, James Rodriguez, Jackson Martinez e, sobretudo, o mega-goleador Falcão Garcia, tem a companhia de Costa do Marfim, finalmente numa chave acessível, Grécia e Japão. Pela lógica, Colômbia e Costa do Marfim devem passar, mas é bom ficar de olho no Navio Pirata grego, que tem um time experiente, embora envelhecido, mas capaz de se fechar durante os 90 minutos e jogar por uma única bola. Quanto ao Japão, que até tem um time bom, não se espera muito.

Se a chave C não deve ter muitas emoções, o mesmo não se aplica ao Grupo D, que tem "só" três campeões mundiais: Itália, Uruguai e Inglaterra. Apesar do papelão da última copa, quando foi eliminada na primeira fase, nunca se pode fazer pouco da Squadra Azzurra. Pirlo e Buffon insistem em contrariar o tempo e seguem comandando a equipe de Cesare Prandelli. Mesmo não sendo uma geração primorosa, a camisa pesa. A Celeste, semifinalista na África do Sul, mantém a base daquele mundial, mas agora conta com os golos de um Cavani mais experiente e letal. Já a Inglaterra tem um time jovem e talentoso, mas cru. Pode pesar a favor dos uruguaios o confronto entre ingleses e italianos, em Manaus, já na primeira rodada, que deve fazer com que um dos europeus já chegue à segunda ronda precisando do resultado para se manter vivo. Ah, o outro time da chave é a Costa Rica. Próximo!

Grupo E: o grupo da morte de tédio. A França, que passou pelo purgatório de uma repescagem quase perdida, caiu no grupo mais baba da Copa, que tem como cabeça-de-série a Suíça, e os mequetrefes Equador e Honduras. Como se diz "teta" em francês?

A vida francesa deve seguir tranquila ainda nas oitavas, pois seu adversário sairá do Grupo F, que tem a favoritíssima Argentina, de Messi, Aguero, Di Maria e mais uma penca de bons jogadores, o bom time da debutante em Copas Bósnia-Herzegovina e os figurantes Irã e Nigéria. Nuestros hermanitos devem nadar de braçada até chegar aos quartos-de-final. Lionel pode não ter tido uma das temporadas mais fáceis, com lesões no lugar dos títulos, mas deve chegar à Copa nos cascos, física e tecnicamente. Ou seja, esta pode ser a Copa de Messi. O time dos bálcãs, que bateu na trave nas últimas competições (foi eliminado na repescagem da Copa de 2010 e da Euro 2012 por Portugal) vem da escola iugoslava, de toque de bola, e pode ser que avance.

Falando em Portugal, a Selecção das Quinas está no dificílimo Grupo G, ao lado de Alemanha, Gana e Estados Unidos. Os alemães são favoritos na chave, mas podem estar desfalcados de dois de seus principais jogadores no meio-campo, Schweinsteiger e Khedira, mas têm uma geração talentosíssima, repleta de jovens de nível como Götze e Reus. Os jogos no calor de Salvador, Natal, Fortaleza e Brasília podem favorecer o rápido time ganês, sem contar no duelo entre os europeus logo na estreia. No entanto, não se despreza uma seleção que conta com o melhor jogador do mundo em 2013. 

Portugal sobreviveu à terceira repescagem seguida. Precisou superar a Suécia para refazer o caminho das Índias mas de 500 anos depois, o que permite entender que, sob pressão, o time de Paulo Bento funciona. Em um grupo no qual o primeiro jogo é contra a Alemanha, trata-se de uma boa notícia. No entanto, as poucas opções de banco podem prejudicar o time da Pátria-Mãe, mas este deve passar, mesmo em segundo lugar.  Se o Puto Maravilha mantiver o nível das atuações deste ano, os patrícios não temem ninguém.

Caso avance mesmo em segundo, Portugal deve ter problemas já nas oitavas, quando pode ter pela frente o excelente time da Bélgica, cabeça do Grupo H. Sensação das últimas eliminatórias europeias, os belgas têm os ótimos Courtois, Kompany, Hazard, Lukaku e Witsel. Eles não vêm ao Brasil a passeio, diga-se. O segundo lugar do grupo deve ficar com a Rússia, que mandou Portugal para a repescagem. Coréia do Sul e Argélia brigarão para ver quem não fica na lanterna do grupo e, possivelmente, da Copa.

É óbvio que um tropeço, uma atuação mal conseguida, um erro de arbitragem ou mesmo uma jornada ruim, podem deitar por terra todas as explanações. Mas conjecturas não passam disso: conjecturas.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Oportunismo fenomenal

Em entrevista concedida na véspera do sorteio dos grupos da Copa de 2014, Ronaldo, cada vez menos Fenômeno, falou que o mundo deveria se habituar com o "jeitinho brasileiro" para justificar o modo "só nosso" de fazer a Copa. O tal do jeitinho é o pai da corrupção, e a mãe é a passividade de pessoas como ele, que tem voz e vez, mas prefere falar somente o que convém.

Também falou sobre o Bom Senso F.C., alertando para o fato de o futebol feminino e os ex-atletas não terem entrado na pauta do movimento. São causas nobres, as apontados pelo ex-jogador. 


Fenômeno? (Sérgio Moraes/Reuters)
O curioso é que, quando esteve em evidência, Ronaldo nunca tocou no assunto, nunca levantou bandeira alguma. Aliás, como a maioria, olhou somente para o seu próprio umbigo (cada vez mais difícil de ser visto) durante a sua vitoriosa e exemplar carreira.

As últimas pérolas podem fazer parte de um lamentável rosário que já tem momentos infelizes, como quando o futuro ex-ídolo nacional declarou que uma Copa do Mundo é feita com estádios, não com hospitais.

Antes espelho para muitos, Ronaldo, o para-raio do COL, mostra estar bem domesticado pela dupla CBF/FIFA. Uma pena.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Goodbye, bafana

por Vinicius Carrilho*

Um dos maiores seres humanos que já passaram pela Terra se foi. Aos 95 anos, Nelson Mandela deixou o mundo. Diante de sua grandeza, qualquer texto escrito passa a ser pequeno ou insuficiente. Logo, nos resta apenas aprender um pouco com um compilado de frases ditas por ele, durante toda sua vida, transformadas em texto:

“Não se esqueça de que os santos são pecadores que continuam tentando. Você não é amado porque você é bom, você é bom porque é amado. Aprendi que a coragem não é a ausência do medo, mas o triunfo sobre ele. O homem corajoso não é aquele que não sente medo, mas o que conquista esse medo. Uma boa cabeça e um bom coração formam sempre uma combinação formidável.

Devemos promover a coragem onde há medo, promover o acordo onde existe conflito, e inspirar esperança onde há desespero. Nosso grande medo não é o de que sejamos incapazes. Nosso maior medo é que sejamos poderosos além da medida. É nossa luz, não nossa escuridão, que mais nos amedronta. Nos perguntamos: "Quem sou eu para ser brilhante, atraente, talentoso e incrível?" Na verdade, quem é você para não ser tudo isso? Bancar o pequeno não ajuda o mundo. Não há nada de brilhante em encolher-se para que as outras pessoas não se sintam inseguras em torno de você. E à medida que deixamos nossa própria luz brilhar, inconscientemente damos às outras pessoas permissão para fazer o mesmo.

Sonho com o dia em que todos levantar-se-ão e compreenderão que foram feitos para viverem como irmãos. Se você falar com um homem numa linguagem que ele compreende, isso entra na cabeça dele. Se você falar com ele em sua própria linguagem, você atinge seu coração. Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar. A educação é a arma mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo.”

A humanidade pode não ter aprendido boa parte disso, mas agradece sua sabedoria, Nelson Mandela.

*Vinícius Carrilho é osasquense, maloqueiro, sofredor e gostaria
de ganhar a vida contando piadas, mas o Corinthians tem feito
isso por ele e, depois de ontem, talvez nem se lembre que tem 22 anos.