sábado, 3 de maio de 2014

Sem holofotes

REPUTAÇÕES ASSASSINADAS Paula Milhin, Icushiro
 e Maria Aparecida Shimada
Icushiro Shimada era um dos donos da Escola Base. Para quem não sabe (deveria saber) ou não se lembra (deveria se lembrar), em março de 1994, ele foi massacrado pela irresponsabilidade de boa parte da imprensa paulista quando foi acusado, ao lado de sua mulher e outros dois casais, de abusar sexualmente de duas crianças, que eram alunas da sua escola. 

A imprensa comprou a história de duas mães desequilibradas e de um delegado desvairado e vaidoso. Em menos de 15 dias, ele perdeu tudo: patrimônio, reputação, paz. Dois meses depois o caso foi arquivado por falta de provas, mas o seu orgulho nunca foi recuperado. 
O muro da casa de um dos casais acusados
O caso da Escola Base foi um dos pilares do meu Trabalho de Conclusão de Curso na faculdade. O outro foi o caso da menina Eloá, um cárcere privado a princípio banal, mas que acabou se tornando o maior cárcere privado da história do país, com mais de cem horas, em muito graças à exposição proporcionada pela imprensa.

Nos primeiros dias, exceto o jornal Diário de São Paulo, todos, eu disse TODOS, os veículos da grande imprensa promoveram uma condenação sumária aos envolvidos, que eram inocentes. A escola foi depredada e saqueada, a casa de um dos casais foi pichada. Houve uma execução moral.

O delegado, que decretou as prisões mesmo sem provas concretas, foi afastado do caso e ninguém se lembra que seu nome é Edélcio Lemos, nem sabe onde ele trabalha e o que faz. Valmir Salaro, repórter da Globo e o primeiro a falar do tal caso dos donos de escolinha que violentavam crianças, seguiu a vida normalmente.

VAIDADE QUE MATA Delegado Edélcio Lemos
As mães que fizeram a denúncia não pagaram pelo dano causado e os veículos de imprensa foram condenados a pagar uma indenização ínfima ante o estrago que fizeram.   

ABUSO DA IMPRENSA Manchete do jornal Notícias Populares
Treze anos depois,a esposa de Icushiro, Maria Aparecida, morreu de câncer. Passados 20 anos, ele ainda esperava receber algumas indenizações por parte da imprensa e do Estado, mas não teve tempo de receber tudo. No último dia 16, Shimada morreu em casa após sofrer um enfarte. Em silêncio. Sem holofotes. Sem paz. Sem nada.

quinta-feira, 1 de maio de 2014

As águias colossais

Disse Alberto Caeiro, o mais ilustre heterônimo do poeta Fernando Pessoa, no imortal Mar Português, que para passar o Cabo Bojador era preciso passar além da dor. Nesta noite o Benfica superou não só a dor, como também um adversário poderoso, com uma das camisas mais pesadas do mundo, a Juventus, em seu estádio lotado. 

As Águias foram enormes. Terminaram o jogo com nove por causa da expulsão de Enzo Perez, na metade da segunda parte, e a contusão de Garay, antes dos oito intermináveis minutos de acréscimos, mas que valeram pelos mais de 230 mil sócios e 14 milhões de corações encarnados espalhados pelo mundo. 

Jorge Jesus, a quem tanto critiquei em outras épocas, armou uma defesa quase intransponível, com os colossais Maxi Pereira, Luisão e Garay anulando praticamente todas as ações ofensivas de La Vecchia Signora, que, apesar do enorme volume de jogo, não criou mais que três chances reais para vazar um seguríssimo Oblak, quase todas no primeiro tempo.

Vendo o domínio absurdo do time da casa, Jesus avançou as suas linhas e passou a segurar a bola no campo de ataque, sobretudo com Rodrigo e Ruben Amorim, que foram gigantes na entrega. Mesmo após o cartão vermelho mostrado ao argentino, os donos da casa, com Pirlo e Tevez em noite sofrível, não tiveram argumentos para garantir um dos lugares na decisão do dia 14 de maio, em sua própria casa.

Assim, o Benfica terá a oportunidade de fazer o contraponto à desastrosa temporada passada, quando perdeu todas as decisões que disputou nos minutos finais das partidas. Com o título nacional já garantido, o time de Jorge Jesus está nas decisões das outras três provas às quais toma parte, e com grandes chances de fechar uma época perfeita.

Feito o relato da partida, peço licença para terminar este texto com palavras que saem do meu coração encarnado:

Fomos a Turim pra podermos ir a Turim. Fomos grandes porque somos grandes. Somos o maior clube do mundo, que não vive de estatais, xeques e mafiosos endinheirados ou emissoras de TV. Somos grandes porque vivemos de nós, por nós e para nós.

A festa feita após o fim do jogo. Benfica na final de Turim 

E as lágrimas ainda teimam em cair



Neste Primeiro de Maio de 2014 faz 20 anos que as manhãs de domingo perderam a graça. Naquele Dia do Trabalho de 1994, a Williams de Ayrton Senna da Silva encontrou o muro da Tamburello, no GP de Ímola, San Marino, e colocou fim à trajetória do mais brilhante e visceral piloto que o automobilismo mundial já viu. 

Ayrton Senna foi mais que um esportista. Ele foi o Brasil que deu certo. Era competitivo sem ser desleal. Não aceitava jogo de equipe, mesmo que isso custasse o campeonato, como em 1992, quando passou a temporada brigando com seu companheiro de equipe - e maior rival - Alain Prost, e o título ficou com Nigel Mansell.


Quando morreu, Senna estava na primeira colocação, na sétima volta, sendo pressionado pela Benetton de Schumacher, que conquistaria, naquele ano, o primeiro dos seus sete títulos mundiais. Bicampeão em 90 e 91, nos anos seguintes ele assistiu à supremacia das Williams, com Mansell e o próprio Prost sendo campeões.

No ano seguinte, finalmente foi para a escuderia inglesa, mas justamente naquele ano a Williams tinha um carro ruim, praticamente indomável. Para piorar, a Benetton de Schumacher voava. Não que o maior de todos os tempos sentiria a pressão para vencer um novato, mas é fato que a equipe se apressou para entregar um carro menos ruim, mas acabou precipitando o acidente que vitimou o tricampeão.


É impressionante como, mesmo passados 20 anos, a agonia ao ver as imagens do GP de San Marino é a mesma daquele Primeiro de Maio de 1994. Ainda há o desejo involuntário de frear o carro antes de chegar à Tamburello, de pedir em pensamento para que não fique tão aberto na tomada para fazer a curva à esquerda que nunca foi feita. E as lágrimas ainda teimam em cair.


Imagens: Kaith Sutton