sexta-feira, 27 de junho de 2014

A Copa de Cristiano Ronaldo

Por Humberto Pereira da Silva*
O melhor do mundo ferido: longe das suas condições ideais, Cristiano 
Ronaldo não pode fazer a Copa que dele se esperava. (Ivan Pacheco/Veja.com)

Cristiano Ronaldo veio para essa Copa sob grande expectativa. Não sem razão, pois suas últimas temporadas pelo Real Madrid e o modo como carregou Portugal na classificação épica contra a Suécia fazem dele um dos jogadores mais letais e completos do futebol atual. Sua eleição como melhor do mundo pela FIFA no ano passado apenas reverbera o que o craque português fez em campo.

Mas entre as bizarrices a que muitos se prestam numa competição como a Copa do Mundo, sob domínio da mídia em níveis que cada vez mais escapam ao bom senso, está o clichê de que jogadores eleitos pela FIFA no ano anterior à Copa fracassam na competição. Assim, antes do início do torneio, essa cantilena já era cantada.

O prêmio FIFA de melhor do mundo foi criado em 1991. Roberto Baggio, eleito em 1993, fracassou em 1994; o mesmo ocorreu com Ronaldo em 1998; e assim, na sequência, fracassaram Figo em 2002, Ronaldinho Gaúcho em 2006 e Messi em 2010. Nessa Copa de 2014, Portugal não passou da primeira fase. Cristiano Ronaldo, então, manteve a “maldição” de que o melhor do mundo pela FIFA fracassa.

Isso funciona apenas como bizarrice, fanfarronice midiática. Para um jogador do nível de Cristiano Ronaldo, que além de fora-de-série é dono de temperamento que instiga sentimentos extremos de adoração e desprezo, a propalada “maldição” é combustível para a insensatez. Seu fracasso foi a senha de que muitos precisavam para destilar trôpegas pilhérias e gozos de patuleia.

Vejamos: o mantra da “maldição” do melhor do mundo pela FIFA antes de uma Copa é uma falácia. Se se aplica a Baggio em 1994, que perdeu o pênalti decisivo e assim acabou vice-campeão do mundo, não se aplica a Ronaldo em 1998. Se Ronaldo, como Baggio, também acabou como vice, ao contrário dele não perdeu pênalti e, ainda, mesmo que seja controverso, foi eleito melhor da Copa pela FIFA.

Soaria estranho falar em fracasso de Ronaldo em 1998, ou a glória individual diz respeito à conquista do título mundial? Ou seja, a tal “maldição” se refere ao jogador, tomado individualmente, ou ao título que sua seleção perdeu. Pelé era o melhor do mundo em 1962, no Chile, mas ficou de fora da Copa no segundo jogo, por contusão. Com o Brasil campeão mundial Pelé teria fracassado?

O mantra da “maldição”, sejamos sensatos, ganhou corpo após o desempenho de Ronaldinho Gaúcho em 2006 e Messi em 2010. Esperava-se muito deles nessas Copas. Brasil e Argentina tinham grandes seleções e em Ronaldinho e Messi a expectativa de que fossem protagonistas na conquista do título mundial.

Certo, mas agora se alguém esperava que Figo fosse campeão mundial em 2002 e Cristiano Ronaldo em 2014 isso só pode ser entendido como ignorância ou maledicência de quem, ainda que conheça futebol, fica com a voz da galera e abre mão do bom senso. Portugal jamais entrou numa Copa do Mundo com o peso de fazer valer favoritismo.

Assim, falar em “maldição” no caso dele, e também de Figo, só tem sentido para quem faz coro à imbecilização geral que grassa nos comentários mais estapafúrdios a que muitos se prestam, inclusive com pose soi-disant intelectual. Mas, de qualquer forma, alguém mais sereno perguntaria: do melhor do mundo não se esperava mais que ficar na primeira fase da Copa?

Melhor do mundo em 2001, Figo chegou à Copa com
problemas físicos (Clive Brinskill/Getty Images)

Consideremos os problemas da Seleção Portuguesa. Classificou-se para a Copa na repescagem, num jogo dramático em Estocolmo contra a Suécia, teve de conviver com a expulsão de Pepe no primeiro jogo contra a Alemanha e com uma incrível sucessão de contusões. Isso, é óbvio, desestabilizaria uma grande seleção, quanto mais Portugal, que não formou um time para disputar o título.

Mas Cristiano Ronaldo, individualmente, não poderia ter feito mais do que fez? Não, pois ele não veio para o mundial em suas melhores condições físicas, e isso é vastamente conhecido de quem acompanha o futebol europeu. Quem acompanha o futebol sabe o esforço que ele fez para jogar essa Copa.

Nos lances de sorte e azar, calhou de ele não reunir condições físicas para apresentar seu melhor futebol. Assim, numa equipe que não é exatamente uma potência, agregada a problemas surgidos na competição, não é possível imaginar que ele levaria Portugal além da primeira fase. Ou, se levasse, não iria longe.

Qualquer crítica, ou gozação no espírito voz da galera, que se faça à participação de Cristiano Ronaldo nessa Copa, tendo em vista as circunstâncias em que estava, para mim, é molecagem, calhordice de muitos que tomam o futebol para descarregar frustrações pessoais.

*Humberto Pereira da Silva, 50 anos, é professor 
universitário de Filosofia e Sociologia e crítico de
cultura de diversos órgãos de imprensa.

segunda-feira, 23 de junho de 2014

Dizem que é só futebol

Passadas algumas boas horas após o fim do jogo entre Portugal e Estados Unidos, finalmente consigo escrever sobre a partida. A Copa do Mundo é um grande barato e é capaz de devolver, ao menos por um mês, o tesão por futebol que me foi tirado no fim do ano passado. Jogo da seleção pela qual seu coração bate, então, é mais do que futebol.

O meu bate no ritmo de A Portuguesa, o Hino Nacional de Portugal. Sempre que toca, o sangue corre mais rápido e acontece uma espécie de transe do qual sinto orgulho de participar. É o ápice. É mais que futebol, repito. É o orgulho pela bandeira, pela origem, pelo sangue.

Depois eu percebi que, do contrário do que eu imaginei, Paulo Bento escalou André Almeida improvisado no lugar de Fabio Coentrão. "Um erro", pensei cá comigo. "Deveria jogar o Miguel Veloso por ali e o William Carvalho no meio". Quando a bola rolou, a Selecção das Quinas partiu como um rolo compressor para cima dos yankees e abriu o marcador logo aos cinco minutos, com Nani. Bem, minha voz acabou naquele instante.

Mesmo com a vantagem no marcador, o time das Quinas controlava completamente o jogo e dava a impressão de que, no mínimo, descontaria nos americanos a surra que apanhou dos alemães. Mas Jürgen Klinsmann percebeu a lacuna que existia entre o terrível Bruno Alves e o improvisado (e torto) André Almeida. E fez com que seu time atacasse sem parar por ali.

A essa altura, a empolgação inicial já havia virado apreensão. A cada passe errado do Bruno Alves; a cada bola mal dominada pelo Nani; a cada tropeço em si mesmo do medonho Éder. E a cada finalização perigosa deles.  E foram muitos lances assim.

Antes de acabar a primeira etapa, Portugal conseguiu impor-se novamente e poderia ter saído com a vantagem de duas bolas a zero para o intervalo se o chute de Nani não encontrasse o poste esquerdo e o rebote não caísse nos pés de Ederzito. 

Veio o segundo tempo e Paulo Bento arrumou metade do problema quando sacou Almeida e voltou com o trinco William Carvalho, passando Miguel Veloso para a lateral. Mas continuou dando bola para os americanos concentrarem seu jogo por aquele setor. A solução, simples, seria abrir o melhor do mundo por ali e acabar com a festa, mas ele seguiu centralizado. Tudo bem que o próprio Cristiano teve a chance de matar o jogo em um contra-ataque mortal, mas foi afoito e resolveu chutar de qualquer jeito (ou sem qualquer jeito), para fora.

Aí veio o empate, na sobra de um canto mal rebatido. O resultado, a essa altura, já era péssimo, mas não punha termo às chances lusas. Só que os Estados Unidos, outra vez pela direita do ataque, viraram o jogo e instauraram o terror no time português.

Assim que eles passaram à frente, algumas pessoas levantaram-se e foram embora. Eu amaldiçoava, em sepulcral silêncio, cada uma delas. Não sei se por educação ou por falta de forças mesmo, o fato é que eu não falava uma só palavra.

Aí subiu a placa de acréscimos com um belíssimo cinco vermelho. Foi o suficiente para que minhas esperanças se renovassem. E o cruzamento perfeito de Cristiano Ronaldo. E a cabeçada fulminante de Varela. E o meu grito de gol. Enlouquecido. Explosivo. E a luz me faltou. 

A pressão, que caiu, contrasta com a fé de que o impossível é palpável. Um milagre, somente um milagre, apura a Selecção de Portugal  para a sequência da prova. Mas acreditamos e é a nossa fé que nos mantêm vivos. Para quem ainda espera pelo retorno do rei Sebastião, isso não é nada.  

Salvador: o gol de Varela mantém Portugal vivo (Martin Mejia/AP)

domingo, 22 de junho de 2014

O declínio do futebol “africano”?

Por Humberto Pereira da Silva*

Primeiro, o futebol praticado por seleções africanas. Nessa Copa, cinco representam o continente: Argélia, Camarões, Gana, Costa do Marfim e Nigéria. A primeira rodada não foi nada favorável a essas seleções. Já a segunda, mudou de figura. O continente corre o risco de ter até três seleções nas oitavas de final.

O futebol praticado do continente africano, com ocasionais participações em copas do mundo de África do Sul, Tunísia e Egito, é dominado por essas seleções. Mas quando se fala em futebol “africano”, inadvertidamente se toma o todo pela parte, como se a Nigéria, por exemplo, fosse o continente, não o contido.

Mas, então, por que declínio? E o que isso tem a ver com a relação entre o todo e a parte?Até a Copa de 1990, o futebol praticado fora da Europa e América do Sul, exceção a México, praticamente era ignorado, mera figuração. Justamente em 1990, na Itália, Camarões vendeu caro a eliminação nas quartas de final para a Inglaterra: perdeu de 3x2 na prorrogação.

Acreditou-se numa evolução do futebol praticado no continente. A Nigéria despontou em seguida, mas não foi mais longe que Camarões. E assim, em 2010, na primeira Copa disputada na África, Gana repetiu a situação de Camarões e foi eliminada nas quartas de final pelo Uruguai, nos pênaltis, num jogo para lá de dramático.

Ocorre que, passados vinte e quatro anos da Copa de 90, apesar de poder ter três seleções nas oitavas de final dessa Copa de 2014, poucos apostam que, agora, uma seleção “africana” finalmente chegará a uma semifinal. A evolução que muitos esperavam não ocorreu. Mesmo as que passem para a próxima fase, caso alguma se classifique, jogarão sob suspeita.

De fato, o futebol praticado por seleções africanas não vingou. Para isso, algumas... suspeitas. A primeira, e talvez mais notória, é aquela que decorre de se tomar o todo pela parte. Futebol “africano”? Ora, futebol camaronês, ou nigeriano, assim ficaria mais fácil.

Mas, o que é Camarões ou Nigéria num continente em que não há unidade de nação? Num continente cujas fronteiras dos países foram traçadas com régua pelas potências colonialistas europeias no século XIX?

Não há então, no mesmo sentido em que pensamos Itália e Alemanha, Camarões, Nigéria ou Gana e sim um punhado de jogadores talentosos que saíram desses países, foram para a Europa, onde se consagraram, e depois retornaram, se reuniram com outros que nasceram nas mesmas fronteiras para disputar uma Copa do Mundo.

Não há, portanto, declínio do futebol “africano”, simplesmente porque, apesar da crença numa evolução, nunca houve uma seleção, uma escola de futebol praticada num país africano. Questões de natureza extra-campo impedem que se forme uma escola, que o futebol praticado por seleções da África vá além do encontro de um punhado jogadores talentosos ao lado de semi-amadores.

É o que se vê em Gana, Costa do Marfim ou Nigéria. Talentos individuais dessas seleções, em razão de circunstâncias e situações improváveis numa Copa do Mundo, podem levar uma delas a uma semifinal; sendo mais otimista, a uma final. Mas isso não significa evolução ou declínio, pois não há no continente africano o sentido de nação que se forjou na Europa.

O futebol praticado por jogadores de qualquer país da África, para o imaginário ocidental, permanecerá sendo futebol “africano”. Mas um país, uma seleção desse continente que eventualmente chegue a uma semifinal de Copa do Mundo, pode deixar de existir de uma hora para outra.

Em 1974, na Copa da Alemanha, o Brasil venceu o Zaire por 3x0. O que era o Zaire, hoje é a República Democrática do Congo.

PS – No Oriente Médio não se pode falar em nação no mesmo sentido que na Europa. Mas também o futebol praticado no Oriente Médio não gerou expectativa de evolução como o praticado na África.

*Humberto Pereira da Silva, 50 anos, é professor 
universítário de Filosofia e Sociologia e crítico de
cultura de diversos órgãos de imprensa.

sábado, 21 de junho de 2014

Apaixonante e injusto

O CRAQUE DECIDE Messi comemora seu gol, o da classificação
argentina às 
oitavas-de-final da Copa do Mundo (Jon Soper/AP)
O futebol é apaixonante. E injusto. O Irã fez um jogo perfeito contra a Argentina no Mineirão. Jogou marcando o tempo todo e explorou os contra-ataques com muito perigo, tanto que, até o minuto de número 90, o grande nome da partida era o goleiro Romero. Não foi porque Messi fez jus ao status de lenda e garantiu a vitória e a classificação de los nuetros hermanos na única chance de gol que teve. Craques são assim.

Resultado à parte, chama a atenção como a Argentina não tem time, no sentido mais restrito do substantivo. Os laterais, Rojo e Zabaletta, são razoáveis e mais nada; Federico Fernandez não compromete e Garay teve uma temporada espetacular e é o melhor jogador da linha defensiva albiceleste, o que garante um miolo de zaga minimamente consistente.

Diz-se muito por aí que, do meio para a frente, a Argentina tem um time excelente. Não, não tem. Pode ter grandes jogadores, mas simplesmente não se encaixam como time. Alejandro Sabella armou a equipe com os badalados Messi, Di Maria, Higuaín e Aguero na frente. Seria um ataque poderoso, se não fosse por um detalhe: a bola não chega, e nenhum deles é armador.

Na cabeça de área, a Argentina tem os volantes Gago e Mascherano. Di Maria abre na esquerda e Messi joga mais próximo à área, onde ficam, se atrapalhando, os inoperantes (nesse sistema, diga-se) Aguero e Higuaín. Rojo seria o desafogo para ajudar o atacante do Real Madrid, mas ele, ofensivamente, é mais perigoso nas cobranças de escanteio, pelo alto, do que propriamente no apoio ao ataque pelo flanco esquerdo.

Sem pés pensantes para armar o jogo ou distribuir a bola, o time fica acéfalo e dependente de uma eventual jogada individual, sobretudo do genial Messi, que, no Barcelona, é o jogador a ser acionado pelos meias do time. Na Argentina, porém, tem que bater escanteio e correr para o cabeceio.

Pelo Irã, Carlos Queiroz fez o que tinha que ser feito: encheu o time de jogadores da intermediária para traz e abusou dos contragolpes, principalmente com o rápido e perigoso Ashkan Dejagah, que joga no Fulham. Foi dessa forma, diminuindo os espaços e saindo com velocidade, que teve as chances mais claras de gol. 

Para o time da terra dos aiatolás, o resultado é o que menos importa. Mesmo perdendo por 1 a 0, o Irã fez uma partida histórica e, para as suas pretensões, espetacular. Quanto à Argentina, fica o alerta: não se faz um time com nomes, mas com coesão e equilíbrio entre os setores.      

quarta-feira, 18 de junho de 2014

¡Gracias, Furia!

A desolação de um gigante (David Ramos/Getty Images/Veja)
Chegou ao fim o domínio do futebol espanhol. Os ibéricos caíram frente ao bom time do Chile e, após ter estreado na Copa do Mundo apanhando da Holanda por 5 a 1, disseram adeus com uma rodada de antecedência e o jogo contra a Austrália não passará de mero compromisso protocolar.

A Copa das Confederações foi o último suspiro do mágico futebol praticado por La Furia. No inédito bicampeonato europeu de seleções, o time de Vicente Del Bosque chegou trôpego àquela decisão, mas atropelou a Itália na final com um inquestionável 4 a 0.

Durante as Eliminatórias a classificação veio sem maiores problemas, embora sem muito brilho, em um grupo no qual tinha como principal adversário a inconstante França, e mais um monte de seleções inexpressivas.

O sonho de quebrar a escrita do bicampeonato mundial seguido (o último foi o Brasil, em 1958 e 1962) ruiu de forma inacreditável. Na estreia, contra os holandeses, o time espanhol fazia uma partida tranquila até levar o gol de empate. Depois que tomou o segundo tento, entrou em parafuso e, em momento algum, pareceu ter forças para empatar.

O jogo seguinte era contra o perigoso Chile de Jorge Sampaoli. Uma Espanha com mudanças, com Xavi e Piqué no banco, mas sem identidade, que não era nem sombra do time que mostrou ao mundo um jeito novo de jogar bola. Casillas e Xavi, dois dos maiores expoentes dessa geração, terminaram como símbolos do seu final. Enquanto o goleiro, que completava a marca de 17 partidas disputadas em Copas do Mundo, no seu terceiro mundial, e assim superava o também mítico Andoni Zubizarreta, falhava clamorosamente no segundo gol chileno, o já lendário meia sequer saiu do banco de reservas.

Como eu escrevi neste mesmo blog (leia aqui) após a já citada derrota da estreia, este time não merecia um final tão triste. Em todo caso, em vez de aproveitar para tirar um sarro ou bancar o vidente do passado, considero mais digno agradecer pelos quase dez anos de um futebol mágico, que poderei dizer aos meus netos que vi. ¡Gracias, Furia!     


Esta é a imagem que fica: um time que entrou para a história (Reuters)

terça-feira, 17 de junho de 2014

Deitado em berço esplêndido

NEYMAR CAÍDO Pouco inspirado, Brasil não
conseguiu furar marcação da Tri (Guito Moreto) 
Durou dois jogos a aura de time pronto para disputar a Copa do Mundo que pairava sobre o Brasil. Se na estreia frente ao bom time da Croácia, sob as bênçãos da arbitragem, o resultado serviu para encher de brumas os defeitos apresentados pela equipe de Felipão, o jogo contra o também apenas bom México serviu para escancará-los.

Foram as mesmas falhas na marcação das duas laterais. O mesmo buraco na frente da área por causa da necessidade de cobrir as avenidas abertas com a descida de Marcelo e Daniel Alves. O mesmo sufoco em cima dos zagueiros. Se La Tri não criou chances claras, teve diversas possibilidades de finalizar de fora da área, sempre com perigo.  

A campanha da Copa das Confederações serviu para dar moral a um time desacreditado, que se arrastou por dois anos nas mãos de Mano Menezes. Mesmo com Scolari, a Seleção demorou para ganhar corpo, o que aconteceu, de fato, durante o torneio teste para a Copa do Mundo. Naquele instante, vitórias incontestáveis contra Itália, Uruguai e o bicho-papão Espanha trouxeram para a Família Scolari o apoio que faltava, da mídia e da torcida.

O problema é que, desde então, a equipe não evoluiu. As duas laterais são convites para o adversário entrar em casa e tomar conta da sala. Isso sobrecarrega os volantes, que não conseguem dar a proteção necessária ao miolo de zaga. Se diante dos croatas David Luiz foi o destaque, contra os mexicanos o papel coube ao capitão Thiago Silva, que é um extra-série. Outra vez o destaque da equipa canarinha foi um zagueiro, o que é sintomático.

O Brasil não se impôs em momento algum do jogo. Pelo contrário. Marcando a saída de bola brasileira, o México, em alguns instantes, esteve melhor que o time de amarelo, como na sequência de chutes perigosos de longa distância. Claro que o Brasil foi mais perigoso, tanto que o goleiro Ochoa foi um dos destaques da partida, mas a diferença potencial das equipes não foi vista no relvado do Castelão. 

O time é fraco? Não. Longe disso. Até outro dia, pouco se contestava a qualidade da equipe. Além do mais, a comissão técnica tem experiência na prova e traz no currículo os dois últimos títulos mundiais conquistados pelo país do futebol. O problema é que é mal preparado. Nunca-antes-na-história-deste-país, uma Seleção teve um tempo tão parco para se preparar para a disputa do mundial. Foram apenas 18 dias antes do debute.

O ambiente na Granja Comary, nestas pouco mais de duas semanas, é sabido por todos. Foi uma farra, quase igual àquela vivida em Weggis, antes da Copa de 2006, quando Parreira era o treinador, ou "gestor de talentos", como ele mesmo proclamou-se. Foi um entra-e-sai de globais para ninguém botar (mais) defeito.

Ainda na semana que sucedeu a estreia, pouco foi trabalhado técnica e taticamente. E o resultado foi esse futebolzinho mequetrefe, pobre, pouco inspirado, apresentado em Fortaleza. Ainda faltam seis dias para o jogo contra Camarões e, para corrigir, ou pelos menos amenizar as carências da equipe, terão que trabalhar muito. Só que, dessa vez, de verdade.

O jornalista José Trajano, da ESPN, disse que era preocupante estar tudo certinho. É lugar comum, mas os campeões são forjados na dificuldade, e a Copa das Confederações não é critério. É bom abrir o olho. O banco de suplentes não é rico em opções. Paulinho e Fred, outra vez, foram figuras nulas em campo e Neymar e Oscar não estiveram bem, diferentemente da estreia. o que potencializou os erros vistos no debute. Só o resultado não se repetiu. Nem o árbitro.   

Buffon, Casillas e Júlio Cesar

* por Humberto Pereira da Silva

Sobre a atuação de Casillas contra a Holanda, na derrota humilhante da Espanha, ficou fácil apontar o vilão: o próprio Iker Casillas. Mas José Mourinho, que o colou no banco quando foi técnico do Real Madrid e optou por Diego Lopes, saiu em sua defesa: a posição de goleiro é muito específica, aquela que efetivamente conta com a confiança do treinador.  

Em recente eleição da FIFA, como se sabe sempre muito questionada pelo vulgo, Buffon e Casillas, nessa ordem, são os melhores goleiros dos últimos 25 anos. Buffon participa de sua quinta Copa do Mundo, Casillas da quarta. Ambos, de fato, foram presenças de destaque incontestes nas conquistas da Itália, em 2006, e Espanha, em 2010. A presença deles nessa Copa, no entanto, faz que se pense na defesa feita por Mourinho.

Dizer que goleiro é posição específica é truísmo: ele pega bola com as mãos, Pedro Bó, os outros dez jogadores em campo não podem por a mão na bola...; mas Mourinho disse mais que isso, o que não é nada óbvio para o vulgo: joga quem tem a confiança do treinador.

Na Copa de 2010, para a ufanista mídia tupiniquim, Júlio César estaria entre os três. Para os maiores exagerados, seria inclusive melhor que Buffon e Casillas. Como eles, o goleiro brasileiro também está nessa Copa e, como titular, vai para seu terceiro mundial. Mas depois da derrota para a Holanda em 2010, para a mídia, Júlio Cesar perdeu o status de um dos melhores do mundo: chega a 2014 sob a desconfiança de muitos.

Certo, mas não de Felipão, que o garantiu como titular antes de qualquer outro jogador de linha. Grande parte da mídia e torcida não entendem que goleiro é uma posição específica porque é aquele que joga com a confiança do treinador. Acredita que específica é a condição exclusiva de pegar a bola com as mãos...; fazer defesas circenses...

Daí não entenderem por que Júlio Cesar é titular pela segunda Copa do Mundo consecutiva. Se for exagerado colocá-lo no mesmo nível de Buffon e Casillas quatro anos atrás, não é exagerado afirmar que, na Seleção, nenhum goleiro, com Mano Menezes ou Felipão, conseguiu impor-se e ter a confiança necessária para jogar uma Copa do Mundo como titular.

Buffon não jogou como titular na estreia da Itália contra a Inglaterra; foi substituído por Sirigu; não faltou quem visse em lances isolados insegurança nele. Casillas teve uma atuação desastrosa contra a Holanda, mas del Bosque correria o risco de trocá-lo por Pepe Reina, com a contusão de De Gea, seu primeiro reserva? Júlio Cesar, apesar da desconfiança da mídia e da torcida, não comprometeu na estreia contra a Croácia.

Mas vejamos, em termos práticos, o que significa isso que mídia e torcida não entendem como sendo confiança, mas que treinadores diferentes como Mourinho e Del Bosque entendem bem. Um atacante pode perder quantidade infinda de gols, mas será herói se marcar o gol decisivo. Um goleiro pode fazer defesas espetaculares, mas estas serão esquecidas se falhar num lance decisivo.

Simples, então; confiança depende da segurança demonstrada quando o goleiro não pode falhar. Júlio Cesar falhou em 2010, mas não surgiu nenhum goleiro que, na Seleção, e muitos foram testados, fizesse por merecer seu lugar; se fizesse, depois de 2010 ele jamais teria uma nova chance. Agora é contar com ele, que, para lembrar desmemoriados, chegou a ser visto como melhor que os melhores do último quarto de século.

Felipão tem essa percepção. A mesma de Cesare Prandelli e Vicente del Bosque; a mesma de José Mourinho no Real – aqui só para fustigar jornalistas imberbes que preferiam Casillas a Diego Lopes.


Trocar de goleiro é uma decisão difícil, os treinadores sabem bem, mas não o vulgo. Buffon, Casillas e Júlio César já viveram momentos melhores, mas o treinador que ousar substituí-los no clamor da ora, sob a pressão da mídia ou do vulgo, jogará roleta russa; implicitamente, estaria jogando a toalha.

*Humberto Pereira da Silva, 50 anos, é professor 
universítário de Filosofia e Sociologia e crítico de
cultura de diversos órgãos de imprensa.

De se assustar

Na abertura do Grupo G da Copa do Mundo, apenas a Alemanha estreou nesta tarde, em Salvador. Foi um massacre e, honestamente, 4 a 0 saiu barato, muito barato. Para Portugal faltou tudo: faltou bola, faltou reposição, faltou sorte, faltou condicionamento físico, faltou autocontrole ao zagueiro Pepe. E sobrou Alemanha. Sobrou Hummels, Boateng e Khedira. E transbordou Thomas Müller.

A expulsão do zagueiro Pepe desmoronou um time que encontraria, mesmo tendo 11 contra 11, o pior adversário possível para debutar na Copa. Cristiano, a meio pau, quase não apareceu. João Moutinho, o motor, o dínamo do time, sequer foi percebido, sequer tocou na bola. Inoperância do gancho luso? Não. Ele foi engolido pela meia-cancha alemã.

O gol logo aos 10 minutos facilitou as coisas para os germânicos, que, formando uma linha com quatro zagueiros na defesa, incluindo os laterais, obrigava Portugal a buscar jogo pelo meio. Com Miguel Veloso e Raul Meireles errando quase tudo, Moutinho, assim, não recebia a bola, e, quando era acionado, dois ou três alemães já estavam a desarmá-lo. Com a equipa muito espaçada, Ronaldo e Nani foram anulados com assustadora facilidade.

Aí veio o lance capital do jogo. Pepe deixou (deliberadamente ou não, não se sabe, mas deixou) a mão no rosto de Müller e depois, com o enorme camisa 13 caído, deu-lhe uma cabeçada bem leve, mas o suficiente para ver a cartolina encarnada. Aí a vaca deitou de vez.

Momento-chave: expulsão de Pepe fez ruir equipe lusa (Dimitar Dilkoff/AFP)

Reduzido a dez homens, e com falhas individuais na defesa (leia-se Rui Patrício e Bruno Alves), Portugal foi presa fácil para os tricampeões do mundo, que só não dilataram mais o marcador porque tiraram o pé. Ainda assim, criaram hipóteses para aumentar o escore.

Como desgraça pouca é bobagem, Fábio Coentrão e Hugo Almeida saíram machucados e viraram dúvida até para o restante da Copa do Mundo, e Cristiano Ronaldo, pelo visto, ainda não está a cem por cento, embora as finalizações no fim do jogo mostram que o medo de uma nova lesão, ou o agravamento da outra, inexiste.

Faltam ainda duas partidas para a Selecção das Quinas, contra Estados Unidos e Gana, e o adversário mais forte do grupo já foi. O jogo contra os norte-americanos é daqui a seis dias, na sauna que atende pelo nome de Arena Amazônia, em Manaus. mas talvez não dê tempo para recuperar uma equipa destroçada física e moralmente. 

domingo, 15 de junho de 2014

A Copa dos analfabetos letrados

*por Fabio Venturini

Desde 1978 a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura não mais identifica a alfabetização apenas como a capacidade de decodificar escritos e conseguir redigir um pequeno trecho com sentido. Para a Unesco, o ser alfabetizado é aquele com capacidade de interferir no seu meio, usando conhecimentos de leitura, escrita, matemática e outras ciências. Aqui pelo Brasil ainda se usa a ideia de “analfabetismo funcional”, muito forte no senso comum, mascarando na verdade se tratar de pessoas politicamente inoperantes mas que sabem ler e escrever.

Mas o que isso tem a ver com futebol? Talvez somente o leitor alfabetizado possa responder.

O analfabetismo está distribuído em todas as classes. Com o “Seu Tião”, servente de pedreiro, por exemplo, devido a N condições sócio-culturais, costuma gerar a sensação de inferioridade que coloca qualquer senhor pobre e sua família no devido lugar social ao qual fazem jus, ou seja, merecidamente subordinado a uma gente mais estudada. Gente cheirosa, branquinha, que não anda de ônibus, metrô e CPTM e tem dinheiro conquistado com muita luta, mesmo que não consigam (ou não queiram) descrever detalhadamente como foi essa luta e quem foram os lutadores.

Lá do lado de cima da tabela, os mais cheirosos, muito graças a essências aquosas, classificam o “Seu Tião” como um ignorante que não sabe de nada da vida porque é analfabeto. Não sabe ler, escrever e não é bem informado pelas revistas de maior credibilidade. Que fique lá na favela procurando uma ONG para internar sua prole, ou dê conta de educar bem os filhos que fez mesmo sabendo que é pobre, se possível batendo nas crianças como a polícia bate em manifestante, para que não virem bandidos.

Disciplina na zona de rebaixamento é tudo! Porque nas zonas de classificação para Libertadores ou para a Sul-Americana os times ricos e médios desfrutam de proteção equivalente ao seu tamanho ou influência para evitar rebaixamentos, ganham ajudinhas em pênaltis inexistentes, inversões de mando, adiamento de partidas para ajustar elenco enquanto o campeonato corre para os demais. São grandes e médios, merecedores centenários de privilégios que a maioria rebaixável e das séries B, C, D e campeonatos estaduais dos rincões jamais poderão merecer, pois não lutaram para isso.

E no final das contas, aquele bando de pobres de fora das principais capitais são torcedores dos grandões, vibram com suas artimanhas, suas armações, seus acertos, às subtrações da nossa pátria-mãe tão distraída em tenebrosas transações. Os grandes podem. Eles são bonitos, vencedores, de sucesso e aparecem na TV com frequência. Também são donos da TV.

Até que um dia a Copa do Mundo dá a oportunidade de fazer o que essa gente limpa mais adora: felação em gente cheirosa que não fala português e deixa migalhas milionárias caírem no seu chão.

Brigam para ver quem vai se endividar mais com estádios inúteis. Como expulsar o “Seu Tião” do estádio do seu time, justamente agora que ficará perto de casa, para um público que pode pagar pelo menos R$ 100. Ou pior: pedir para prefeitura e governo estadual expulsarem toda a família de Sebastião da Silva do bairro em que vivem há décadas porque lá eles atrapalham a beleza da arena novinha, novinha.

- Saia daí e vá para Itaquá!

E no primeiro jogo do estádio do povo, os trens que levam para o evento maior de lambeção de ricos cosmopolitas abrigados nas leis suíças, toda vizinhança do Seu Tião, aquela mesma que todos os dias se espreme com 11 pessoas por metro quadrado, é impedida de chegar perto do seu transporte cotidiano para os branquinhos cheirosos chegarem confortavelmente à “Arena”.

No caminho, todas aquelas pessoas escolarizadas e bem informadas ensaiam gritos de torcida. Diferentemente do Seu Tião e amigos, que gritavam “Meu Time eô” nos velhos ônibus que caminhavam para os jogos de domingo no sentido Leste-Oeste, os bacharéis e cultos com MBA gritavam “Ei, presidente(a) que não gosto, vai tomar no cu”. Afinal, sabem fazer política mesmo no trem a caminho de um jogo de futebol.

Mesmo sem discursar, presidente foi ofendida na
abertura da Copa (Nilton Fukuda/Estadão Conteúdo)

Reclamam de tudo: transporte, saúde, educação, gastos públicos. Ignoram ter sido a primeira vez que andaram de coletivos, estarem naquele momento conhecendo o bairro pobre com frequentes enchentes e violência, terem estudado em colégios particulares caros do outro lado da cidade (proibido para “gente diferenciada”), não abrirem mão de atendimento numa clínica caríssima que preto só entra para fazer a faxina.

Que, apesar de reclamarem dos impostos que suas empresas pagam como se fossem sábios politizados, são privilegiados às custas de benefícios infindáveis que suas atividades recebem do governo chefiado pela presidente(a) que odeiam, a mesma condição que permite tremer de medo de deixar os filhos saírem na rua de casa sem segurança e os mandarem para se divertir na Disney, onde vão aprender a viver um sonho mais limpinho e se isolarem do mundo real, cruel e injusto.

Depois de falar mal sobre a coreografia de abertura do evento, atribuíram sua fraqueza à presidente(a) que não gostam, não aos organizadores, com ampla participação do governo estadual limpinho que tanto amam. Por que não uma escola de samba, com negras pobres mostrando a bunda para gringo? Depois posso reclamar que não sou puta, mas que essas pobres mostram um país de putas para os estrangeiros. Se destruir o gramado, o preto que nasceu pobre e hoje é rico tem obrigação de desempenhar o melhor futebol do mundo porque é bem pago para isso. Eu pago, eu tenho direito!

Seguindo o protocolo, anuncia-se a presença da chefe de Estado do país-sede. O grito anteriormente ensaiado no trem é entoado pelos cheirosos que usam os perfumes mais caros: “Ei, presidente(a) que não gosto, vai tomar no cu!” Emissoras de TV, jornais e revistas semanais, em campanha eleitoral, chegam ao orgasmo editorial.

Como mero detalhe há uma partida memorável. Um negro ex-pobre faz um gol contra e já surgem reclamações nas redes sociais: “tinha que ser preto mesmo”. O melhor jogador do time da casa, um negro ex-pobre, faz dois gols e vira o jogo. Muda-se o tema: “a presidente(a) que não gosto foi vaiada pelo povo!” Mais orgasmos editoriais e em murais.

INTOLERÂNCIA Médico cubano é vaiado ao chegar ao Brasil 
para trabalhar (Jarbas Oliveira/Folhapress)

Para terminar em grande estilo, um jovem universitário que trabalhava no evento foi abordado por membros dessa gente cheirosa que odeia preto que faz gol contra: “Como saio desse local esquecido por Deus?”

Um país de analfabetos letrados nos colégios mais renomados de suas cidades, graduados nas melhores (e piores) universidades, quiçá com mestrado e doutorado.

Nos dias a seguir, em Salvador e no Rio de Janeiro não há arquibancada para negros. Em Cuiabá e Manaus há mais brancos do que indígenas.

Meu respeito ao senhor, Seu Tião. Ao senhor.

Obs: Todas as informações são baseadas em fatos reais. Agradecimento especial a Moacir Trombelli e Filipe Jeronymo.

*Fabio Venturini é jornalista

sábado, 14 de junho de 2014

Queda do império

Nunca na história das Copas do Mundo um campeão levou uma cacetada tão grande na defesa do título como a que a Espanha levou hoje, da Holanda, na chuvosa Salvador. Desde que apanhou de seis do Brasil, no jogo que ficou marcado pela marchinha "Touradas em Madri", de Braguinha, sendo entoada por mais de 150 mil vozes, a Fúria não tinha as redes balançadas tantas vezes em Mundiais.

A hecatombe que pode ter posto termo, definitivamente, à supremacia espanhola, que durava desde a Eurocopa de 2008, pode se vista por dois prismas opostos. Deu tudo certo para a Holanda e tudo errado para a Espanha? Talvez. Pode ser simplesmente o fim de um dos ciclos mais vitoriosos da história? Pode ser que sim.

Até a marcação do golaço de empate do Van Persie, a Espanha era dona absoluta da partida. Havia feito 1 a 0 no gol de pênalti (inexistente) marcado por Xabi Alonso e amassava os holandeses contra seu campo, embora não criasse tantas chances de gol, como é natural no estilo de jogo "são dois times e o que tem a bola é a Espanha". 

Pouco antes do empate, Iniesta deixou David Silva na cara do goleiro e com Diego Costa, livre, na frente da moldura vazia. O médio resolveu tentar encobrir o goleiro holandês, que, caindo, conseguiu se esticar todo e evitar a dilatação do placar e a muito provável vitória espanhola. 

O segundo tempo veio e a fúria holandesa apareceu. Tudo bem que houve falta em Casillas no terceiro gol, em lance mais claro que o também faltoso sobre o brasileiro Julio Cesar, no jogo de ontem, mas o fato é que a Espanha não existiu na segunda etapa. Com Robben endiabrado, 5 a 1 foi um placar modesto.

São raras as vezes em que uma geração acolhe tantos jogadores brilhantes no mesmo país. E ciclos chegam ao fim. Não é coincidência que times cujo jogo tenha como base a posse de bola quase doentia, tenham ruído como castelos de areia. A própria Espanha, na Copa das Confederações, o Barcelona de Guardiola diante do Bayern de Jupp Heynckes, e mesmo o Bayern, este ano, já sob a direção de Guardiola, contra o Real Madrid. Em comum, como nesta tarde soteropolitana, os vencedores sufocaram a saída de bola e, quando a roubavam, chegavam em poucos passes na frente do gol. O terceiro gol da Holanda foi assim. Apertaram, tomaram a bola e precisaram de quatro passes para a bola chegar aos pés de Robben. Verticalmente.

Ainda faltam duas partidas e é pouco provável que Chile e Austrália tenham o poder de marcação da Oranje. Seja como for, La Furia tem lugar reservado no panteão dos grandes esquadrões da história. Tomara que avance, pois um time tão vitorioso não merece um fim tão melancólico.      

sexta-feira, 13 de junho de 2014

A estreia do Brasil na Copa

*por Humberto Pereira da Silva

Começou bem: um bom 3x1 sobre a Croácia. A considerar o resultado, menos dificuldades do muitos esperavam. O histórico de estreias do Brasil tem sido de resultados magros, vitórias apertadas. Basta lembrar a mesma Croácia em 2006. Mais do que uma boa vitória, atuações convincentes de jogadores de que também se espera muito: Neymar, Oscar e, na defesa, Tiago Silva e David Luiz.

Mas o curioso no jogo foram as dificuldades criadas pela Croácia. Começou ganhando e até o final pressionou a ponto de ameaçar o empate. Então, também contrariando a norma das estreias em geral, um bom futebol apresentado pelas duas seleções.

Sobre esse ponto, aliás, um dado que merece atenção. As Copas recentes se ressentem de partidas fechadas, com poucos gols, em que esquemas táticos e preocupação de não tomar gol se impunham. Difícil dizer que uma única partida diga muita coisa. Mas uma única partida, a primeira, sinaliza.

A sinalização talvez seja melhor visualizada pela atual Copa dos Campeões da Europa. Ou seja, não é um acontecimento fortuito do jogo de ontem, mas a percepção de que nos últimos anos o futebol confronta equipes que se expõem a vencer bem ou perder de modo inapelável. Lembro aqui como o Real Madrid venceu o Bayern em Munique e em seguida o Atlético na final da competição europeia; e igualmente como o mesmo Real perdeu para o Borussia Dortmund no ano passado.

Esse é o dado a ser visto com atenção, pois ele permite não só especular sobre o resultado de Brasil x Croácia, mas principalmente esperar por situações parecidas. Quer dizer, guardada a fragilidade de algumas seleções, não é que todo jogo em Copa do Mundo é difícil e hoje ninguém é bobo, como diz o clichê, mas sim que esse primeiro jogo antecipa uma Copa em que muitas partidas estarão expostas a diversas circunstâncias e alternâncias.

Dizendo de modo direto: se o futebol europeu servir de padrão, o que esse jogo pareceu revelar, não será surpresa para mim o indício de partidas com boa quantidade de gols. Isso não tem sido a norma, pelo que me lembro, desde a Copa de 90 – sob esse aspecto a mais fraca de todas as Copas.

Bem entendido, aqui não faço uma aposta, apenas expresso como vi a estreia do Brasil, como vi o andar da partida num ritmo muito similar a jogos da Copa dos Campeões. Para a torcida, que espera ver muitos gols, claro que é uma expectativa animadora. Mas também aqui, vale dizer, o sinal de que as seleções se exporão a circunstâncias diversas e riscos de alternâncias acachapantes.

A Croácia criou situações, pressionou no final e perdeu. Em certo sentido pode-se até dizer que não merecia a desvantagem de 3x1; mas o Brasil realmente jogou bem; melhor, nas oportunidades criadas fez por merecer o resultado. Ou seja, é isso vale para muitos cronistas esportivos que gostam de ver pelo em ovo: uma má partida e, a seguir a sinalização dada hoje, o enorme risco de uma derrota clamorosa. 

Essa Copa, parece, não dará chances às más apresentações. Creio ser esse o sinal mais notável deixado nesse jogo de estreia.

PS – erro de arbitragem decisivo para a seleção anfitriã logo na estreia também não é um bom sinal; mas isso é outro assunto.

*Humberto Pereira da Silva, 50 anos, é professor 
universítário de Filosofia e Sociologia e crítico de
cultura de diversos órgãos de imprensa.

O gigante David Luiz

No momento da execução do Hino Nacional, tive a sensação de que já sabia quem seria o melhor jogador em campo na estreia do Brasil na Copa do Mundo, contra o bom time da Croácia. A postura do zagueiro David Luiz antecipava alguém que jogaria pilhado, com sangue nos olhos.

Líder em campo, David Luiz tira Hulk de confusão (Flavio Florido/UOL)
Tudo bem que Neymar marcou duas vezes e Oscar teve participação decisiva em dois dos três gols (o outro deve ser creditado somente à nefasta atuação do árbitro japonês no lance do "pênalti" sobre o Fred) do Brasil, mas a vitória do escrete nacional, em grande parte, veio graças ao cabeludo zagueiro que nasceu em Diadema.

A Croácia era, de longe, o adversário mais complicado do Brasil nesta primeira fase. Por dois motivos: a estreia é sempre um jogo tenso, em que o fator emocional pode condicionar o rendimento na partida, e também porque o time croata é muito bom, mesmo desfalcado do principal atacante, Mandzukic, suspenso, e de outros cinco jogadores que não jogarão a Copa por estarem lesionados.

Mesmo com problemas, os enxadrezados dos Balcãs causaram diversos problemas ao Brasil, muito em função da fragilidade defensiva brasileira, embora dois dos principais zagueiros do mundo vistam amarelo. As laterais tupiniquins eram duas avenidas, dois convites ao time do técnico Niko Kovac. Marcelo e Daniel Alves não sabem marcar, o que, invariavelmente, sobrecarrega os volantes, quaisquer que sejam eles. Além de desgastar os trincos, que tinham que cobrir a deficiência defensiva dos laterais, acaba fazendo com que a bomba estoure em cima dos beques.

Sem contar que, dessa forma, o time fica descompactado, o que impede uma troca de passes rápida, que é uma das maneiras mais eficazes de furar defesas bem postadas como a dos croatas. 

Está aí a dimensão da atuação do zagueiro que defenderá o PSG após a Copa. Numa partida vital como foi a realizada no Itaquerão, o enorme futebol apresentado por ele, se não contagiou os companheiros em campo, deu mais tranquilidade para que a bola não queimasse nos pés brasucas. 

Acontece, pois, que nem sempre o camisa quatro terá tardes como a de hoje. E nem sempre a arbitragem irá completar quando faltar futebol, como hoje.  

Saiu barato o cartão amarelo dado a Neymar após a cotovelada em 
Modric (Jefferson Bernardes/VIPCOMM)

sábado, 7 de junho de 2014

A primeira Copa de Neymar Jr.

*por Humberto Pereira da Silva


Para a história, para o bem ou para o mal (Correio do Estado)

Quando Dunga anunciou a convocação para a Copa de 2010, duas ausências foram amplamente discutidas: Paulo Henrique Ganso e Neymar. Quando Felipão anunciou os convocados para a Copa de 2014, havia duas certezas: Neymar estaria na lista, mas Ganso não. Com vinte e dois anos, o jogador do Barça disputará sua primeira Copa. Mais que isso, nesses quatro anos ele se tornou o jogador de futebol mais badalado do país. Ganso, tudo indica, mais alguns anos e mal será lembrado.

Antes da Copa do Mundo de 2006, Ronaldinho Gaúcho havia sido eleito pela FIFA, pela segunda vez consecutiva, melhor jogador do mundo. Era não só o melhor jogador do Brasil, mas em torno dele havia uma desmedida idolatria: o craque Tostão, na época colunista esportivo do jornal Folha de S. Paulo, chegou a dizer que Ronaldinho era inferior a Pelé, mas superior a Maradona. Na Copa, Ronaldinho sucumbiu à pressão e fracassou. Jamais se recuperou do fiasco, e hoje vive um final de carreira melancólico, para quem se esperava ficasse abaixo apenas do Rei.

Neymar não vem para essa Copa com o peso que carregava Ronaldinho em 2006. Os holofotes do mundo hoje apontam para Cristiano Ronaldo e Lionel Messi. Vale dizer, em nível mundial, o craque brasileiro hoje não tem o status de estrela de primeira grandeza, e sim de promessa. Mas no Brasil a grande mídia não tem exatamente essa compreensão e o trata como se ele houvesse adquirido, sem a eleição da FIFA, a condição de estrela de primeira grandeza. Para a mídia brasileira, ele está em posição similar a de Ronaldinho em 2006.

Claro, numa Copa disputada no Brasil, e uma possível conquista, Neymar dificilmente perderia a eleição de melhor do ano pela FIFA. Não só confirmaria a expectativa em torno dele, mas daria resposta num ponto crucial na carreira de um grande jogador: a capacidade de suportar pressão e, para além de malabarismo, provar a condição de craque que merece, de fato, figurar entre os maiores da história. Bem entendido, ninguém duvida que ele não seja protagonista numa eventual conquista.

Ninguém duvida também que ele será o principal responsável por uma eventual perda de título. A esse respeito, no Brasil a história é cruel. Jairzinho, o furacão da Copa de 70, foi execrado pela derrota em 74. Isso para ficar num exemplo de memória. E para ressaltar que Neymar, em sua primeira Copa..., tem diante de si uma cobrança enorme. Sem meio termo, ou se coloca entre os maiores ou fica exposto a, em 2018, ser lembrado como um Ganso hoje.

Não se trata de discutir suas qualidades. Não creio que Ronaldinho Gaúcho depois de 2006 tenha desaprendido, ou que não passasse de produto de mídia. Da mesma maneira, não acredito que Neymar seja apenas uma construção da mídia. Trata-se de ver o que ele simbolicamente representa, na comparação com Ronaldinho em seu auge, na expectativa criada.

Neymar jogará essa Copa para ganhar e sair como herói, se inserir no rol dos maiores. Do contrário, dificilmente passará de um jogador entre tantos, um Jairzinho, um Ronaldinho Gaúcho qualquer... Mas, perguntaria alguém um tanto irritado: Cristiano Ronaldo, melhor do mundo pela FIFA ano passado, não jogaria sob pressão maior, ora pois?

Portugal não disputa Copa do Mundo com responsabilidade de conquista; no melhor cenário, chega às semifinais. E aqui eu ironizo Tostão: se Portugal chegar entre os quatro, Cristiano Ronaldo restará para a história abaixo de Pelé, mas acima de Eusébio. Ninguém duvida que se isso ocorrer ele será o protagonista.

*Humberto Pereira da Silva, 50 anos, é professor 
universítário de Filosofia e Sociologia e crítico de
cultura de diversos órgãos de imprensa.