segunda-feira, 20 de abril de 2015

Empáfia soberana

por Leandro Marçal*

“Se for fazer de má vontade, nem faça”.

Dona Enivea, minha mãe, costumava me dizer esta frase quando me pedia algum favor. Como boa são paulina que é, tenho certeza que ela diria algo semelhante ao elenco tricolor, caso estivesse em uma preleção: “Se for pra entrar em campo de má vontade, nem subam para o gramado”.

Eu, normalmente, realizava a tarefa doméstica pedida sem vontade. Coisa de filho. Da mesma forma com que o catado do Morumbi joga – ao qual me recuso até mesmo de citar nomes, tamanha falta de dignidade e respeito à camisa neste ano.

Se um marciano caísse em nosso planeta, agora, sem o mínimo conhecimento de como as coisas funcionam por aqui, e assistisse a um jogo do bando que veste a camisa do São Paulo, pensaria que ser jogador de futebol profissional em clube de Primeira Divisão fosse um tormento.

Pato e PH Ganso: símbolos de um time 
sem alma (Rubens Chiri/saopaulofc.net)
Imaginaria que jogar futebol é um suplício, um castigo aplicado como punição a quem cometeu algum crime grave, tamanha a má vontade com que o time entra em campo.

Táticas, pranchetas, comentários de especialistas, calendário apertado... Nada justifica ou explica a nítida falta de vontade de um bom elenco.

Muricy, Sabella, Luxemburgo, Abel, Jesus Cristo. Nenhum técnico resolve sozinho o problema da falta de dignidade e excesso de apatia.

Enquanto corintianos choravam em campo após a eliminação no "paulistinha", a cada tropeço patético o que parece é que nada saiu do planejado e vamos superar isso a hora que quisermos.

Por 15 mil mensais, garanto que eu e mais 10 amigos entraríamos em campo com o dobro de vontade, vestindo a camisa gigante desse clube, que economizaria uma bela grana por um desempenho técnico pouco pior do que o atual.

De vergonha em vergonha, a torcida enche o saco. E nós já sabemos que esse tipo de filme não costuma ter um final feliz...

*Leandro Marçal é um jornalista de 24 anos, torce pelo tricolor paulista
 e por um mundo menos hipócrita e com mais bom humor, embora esteja
um tanto zangado com o seu Tricolor.
E, apesar do nome de sambista, é incapaz de tocar um reco-reco.
Ainda assim, é o Rei da Noite de São Vicente.

terça-feira, 14 de abril de 2015

Vambora, Jovem Pan

Dispensa legenda (Foto: Alvaro Aiose Junior)
Na semana passada fui à Jovem Pan. O presidente da Portuguesa de Desportos, Jorge Manuel Marques Gonçalves, iria participar do programa Esporte em Discussão. Casa cheia! Flávio Prado, Wanderley Nogueira, Luís Carlos Quartarollo, Nilson César, Claudio Carsughi

O programa seguiu como sempre. Não é um bom exemplo de organização, como também não era o Mesa Redonda nos tempos áureos, com Milton Peruzzi, José Italiano e Peirão de Castro, e notei que, nos momentos mais exaltados da deliciosa discussão, a voz do mestre Carsughi mal se fazia ouvir. No entanto, quando falava, ninguém interrompia.

Ao fim do programa, cumprimentei todos os contendores com o respeito e a admiração de quem cresceu ao som do rádio AM e resolveu ser jornalista também por isso. Quando apertei a mão do italiano de Arezzo, porém, a emoção foi outra, que se aproximou mais da reverência ao mestre do que simples admiração.

Quando nos preparávamos para irmos embora, parei para ver Carsughi pegar o elevador. Algo trivial, não fosse por um detalhe: quando fiz um curso de jornalismo esportivo no mesmo prédio, há coisa de uns cinco ou seis anos, vi a mesma cena. Quando fui dar uma Palestra no mesmo edifício Sir Winston Churchill, onde também fica a sede da Aceesp, no ano passado, lá estava o velho jornalista, outra vez, na Pan, sua casa há quase 60 anos.

Ontem, como todo mundo, fui pego de surpresa pela sua demissão. Como assim? Como demitem o Carsughi? De pronto, me lembrei da saída do Fernando Solera da Gazeta e do Gertel, histórico repórter da Rádio Bandeirantes. Bandeiras apeadas abruptamente.
Estamos perdendo o norte, a referência, e sem referências não somos nada.

domingo, 12 de abril de 2015

Questão de sobrevivência

No final de semana dos jogos das quartas-de-final do Campeonato Paulista, a Globo resolveu mudar sua grade de programação para acomodar o jogo do Corinthians. Com isso, o futebol passou do domingo, dia tradicional de transmissões ludopédicas na TV Plim-Plim, para o sábado, já que o jogo do dia que abre a semana era o do Santos. A atitude dos executivos da posseira do futebol brasileiro mostra que, haja o que houver, apenas o clube do Itaquerão lhes inspira interesse.

Montagem encontrada na internet
Este blogue, é bom deixar claro, não é contra uma empresa lucrar, tampouco tem uma queda rasa pelo romantismo no futebol. Isto é capitalismo e até a China "comunista" sabe disso. A questão é outra: a TV não é entidade filantrópica, mas é uma concessão pública. Tudo bem que neste prostíbulo que chamamos de Brasil, não quer dizer muita coisa, já que, por lei, as concessões de teledifusão não poderiam ser entregues a políticos ou grupos ligados a eles, e sabemos que não é bem assim que a banda toca. Ainda assim, é uma concessão e deve (ou deveria) seguir regras.

Ora, o futebol é um patrimônio cultural e imaterial do país, e, embora quase ninguém leve isso em consideração, o seu dono é o próprio Brasil. Como acontece com toda concessão, seja de rodovias ou recursos naturais, quem quer ganhar dinheiro com ele tem que dar uma contrapartida. OU alguém acha que a Petrobrás investe em cultura só porque acha bonito?

Qualquer emissora que detém os direitos de transmitir o futebol deveria dar espaço a todos os times na sua grade de programação. Obviamente, quem garante um maior retorno deve ter um espaço maior e não há pecado algum nisso. O que não pode é um clube ter 30 jogos na TV aberta, ou em canais pagos, mas com sinal aberto para seus assinantes, e outros só passarem no pay-per-view. Do jeito que está, aumenta a disparidade entre os times, e quem perde é o próprio esporte.

Senão, vejamos: mais torcedores - maior audiência - mais espaço na TV - melhores contratos de patrocínio - melhores jogadores - títulos - mais torcedores - maior audiência - mais espaço na TV - melhores contratos de patrocínio - melhores jogadores - títulos - mais torcedores... E temos uma bola de neve que esmaga equipes não agraciadas com tais benesses. 

Assim, o fim das atividades de União São João e XV de Jaú não são casos isolados. Claro que a má gestão é responsável por uma parcela significativa para explicar o ocaso destes distintivos, mas não é a única causa. A Alemanha, que acabou de ser campeã aqui, no nosso quintal, passou por um tratamento de choque que revirou completamente o futebol no país. Em todo o país. E em todos os níveis. Com o objetivo de reestruturar o esporte a partir do fortalecimento do campeonato nacional, e, consequentemente, dos clubes, medidas importantes foram tomadas, como, por exemplo, permitir que estes distintivos andem com as próprias pernas, sob o comprometimento de investir nas categorias de base.
Equipe de Araras, que foi o primeiro clube-empresa do país e revelou
Roberto Carlos para o futebol, encerrou suas atividades
Desta forma, todas as equipes passaram a ter, uns mais, outros menos, espaço na mídia e direito a uma cota de TV decente. Times mais atraentes, como Bayern e Dortmund, ganham mais, é óbvio, mas até nanicos como Paderborn e St. Pauli têm jogos na grade de TV, que é vendida para todo o mundo. Transmissões via PPV não contam, pois, para os departamentos de marketing, têm o mesmo efeito de colocar um outdoor dentro da casa do seu torcedor, que já conhece o produto e os seus parceiros. Além do mais, ninguém vai desembolsar um puto para  ver jogo de um time para o qual não torce. E voilà! 7 a 1 não foi acidente!

Pior derrota do Brasil em Copas não foi acidente (Foto: Jefferson Bernardes/VIPCOMM)
Mudar o status quo não vai, definitivamente, fazer Criciúma ou Ponte Preta, ou Portuguesa, serem campeões brasileiros, mas vai viabilizar a existência (sem prostituir sua camisa) de emblemas médios ou pequenos. Não é filantropia; é a sobrevivência do próprio futebol brasileiro.