quarta-feira, 30 de março de 2016

Pífio

Um jogo horrível. Horrendo. Medonho. Tenebroso. Patético. Pífio. Bisonho. O Brasil fez contra o Paraguai, seguramente, umas das suas piores partidas desde que Charles Miller achou que o football rolaria por aqui. Dunga escalou mal, mexeu mal e teve sorte, muita sorte.

Sem David Luiz (com a graça de Deus) e Neymar, Gil entrou na zaga e Ricardo Oliveira, um atacante fixo que quase ninguém mais usa, ao menos entre os principais times do mundo, rendeu o empoladinho craque do Barcelona, que, pelo que não vem jogando e pelo que representa, fez tanta falta quanto ar-condicionado em bicicleta.

O Brasil foi, setor por setor, um goleiro que fez três ou quatro defesas gigantes, dois zagueiros estabanados, dois laterais defensivamente nulos (o que não é novidade), dois volantes incrivelmente burros, dois meias tentando fazer algo, mas que não sabiam se afunilavam ou se abriam e eram incapazes de municiar um atacante isolado. 

Sim, os dois meias tinham que se virar sozinhos porque os volantes foram tímidos demais e os laterais mal se atreviam a descer. Os volantes não marcavam, não armavam, não cobriam, falhavam lance atrás de lance, o mesmo que os dois laterais, que, exceto pelo gol salvador nos estertores, não fizeram nada digno de nota, a não ser cada um falhar em um dos gols paraguaios.

O Paraguai engoliu o Brasil durante 75 dos pouco mais de 90 minutos de jogo. Só parou quando o fôlego acabou. Ainda assim, os dois gols brasileiros aconteceram em lances fortuitos. O bondoso Villar deu o primeiro gol após rebater um bom chute de Hulk, que entrou na posição errada, mas criou algum perigo após esta correção.

As alterações feitas por Dunga não surtiriam efeito prático algum, exceto pela possibilidade de bater de fora, caso Ramon Diaz não tivesse colocado até o General Solano López dentro da sua área e puxado todo o time de amarelo contra si. No último lance, quase Villar deu de presente uma vitória que não serviria sequer para mascarar a trágica exibição brasileira.  

segunda-feira, 28 de março de 2016

Procura-se um líder

No Bem, Amigos desta segunda-feira, Arnaldo Cezar Coelho, Galvão, Casão e PC Vasconcelos. Discutem, entre outros assuntos referentes à seleção da CBF, a falta de um líder no elenco. Alguém que possa chegar ao elenco e chamar de seu; capaz de colocar a bola sob o braço quando o caldo entornar; que não faça birrinha.
CAPITÃES EM CAMPO Duas personalidades diferentes,
 nenhum capitão de fato (Getty Images)
Neymar é o capitão desde que Dunga voltou ao cargo de "técnico" da "seleção". A braçadeira era de Thiago Silva, capitão por onde passou, seja naquele time lá do Rio, no Milan ou no PSG. A perdeu por destempero e, aí pode ter ido pro brejo até o seu lugar na equipe, por ter chorado à imprensa as pitangas de não ser mais capitão.
Dunga ostentou a tarja em pelo menos duas Copas do Mundo. Em 1994, o dono da braçadeira era Raí, um líder técnico, ao passo que Dunga era uma espécie de capitão informal. Era o cara que colocava a bola debaixo do braço, que chamava a atenção. Aí o meia do PSG saiu do time e o gaúcho de Erechim herdou um cargo que já era seu.
Na conversa no programa do SporTV, levantaram a hipótese de o Brasil não ter um líder em campo, de que Neymar seria um líder técnico, que não exerce a influência necessária a ponto de ser "O cara" da equipe.
Discordo em partes. O candidato a melhor do mundo não é líder de nada, técnica ou comportamentalmente, o que não é, necessariamente, algo para ser criticado. Quando o negócio aperta, não é para Neymar que olham, pois ele não tem este perfil. O problema é que ele quer encarnar o, como diz a boleragem (que também é como diz a boleragem), "chefe da resenha".
Falta alguém baixar seu estranho topete, mostrar que ele precisa se preocupar em jogar bola, que é o que ele sabe fazer muito bem, por sinal. Conhecedor (ao menos disso) da função, o comandante da equipe nacional deveria fazê-lo, mas não faz, como um refém do talento do intocável camisa 10. No Barcelona é assim, ele é só mais um. Messi, Busquets, Iniesta e Suarez, só para ficar em quatro nomes, têm mais peso sobre o elenco do que ele. 
DESTEMPERO Nos dez últimos jogos, quatro gols, cinco
cartões amarelos e um vermelho (EFE/Kiko Huesca)
Com a camisa amarela, a impressão que dá é que ele, Neymar, é o filho de pais divorciados que compartilham a sua guarda: com a mãe Barcelona, ele se comporta; vai passar o final de semana com o pai, o Brasil, e vira o príncipe da casa, o intocável, o que pode tudo. Ou ao menos o que podia, pois seu rendimento em campo já não permite que ele faça o que quer.

terça-feira, 15 de março de 2016

O campinho, a perua azul e a camisa amarela

por Fabio Venturini*

Lá na Cohab Teotônio Vilela as crianças tinham poucos brinquedos. Alguns carrinhos de plástico, mas no geral tínhamos que fazer nossas brincadeiras. A principal para os meninos era obviamente o futebol. O bairro era relativamente novo (estou falando de algo em torno de 1983 e 1984) e no meio dos prédios havia bastante espaço, vários terrenos disponíveis para montarmos dois times, dois gols de pedras ou chinelos e rolar a bola.

Ao final da tarde as mães nos chamavam para casa. A penumbra facilitava a violência adulta. O terror era aumentado pela possibilidade de sermos levados pela perua do Juizado de Menores. Era uma espécie de polícia para recolher meninos vadios que ficavam na rua sem ter o que fazer. Uma lição para os pais que tinham que resgatar suas crias. Quando dava 18h, a chegada da Kombi azul com um giroflex no teto era suficiente para ver dezenas de meninos correndo desesperadamente pelas escadas dos prédios. Desconfio que em algum momento pelos idos de 1985 a viatura surgia apenas para divertir os agentes com o desespero infantil, não mais para limpar as ruas da vadiagem.

Dentro das áreas cercadas dos prédios os adultos alertavam que se aquela perua nos levasse seriamos feitos de mulherzinha na Febem junto com os trombadinhas.

Uma vez um amigo meu questionou a sua mãe porque não podia brincar na rua à noite e ela respondeu:

- Não se meta com política moleque, você vai se dar mal!

Política e Kombi azul? Mas não é para pegar trombadinhas? No dia seguinte voltávamos ao futebol.

O jogo

Tínhamos de imediato dois problemas: 1) ter os campos e as bolas livres, pois os “meninos grandes” já adolescentes ganhavam o espaço na força e 2) ter pelo menos 12 garotos para jogar com cinco na linha e um no gol. Normalmente isso ocorria em época de pipa, quando muita gente preferia uma brincadeira que dependia de muito vento, algo que ainda era sazonal (não pensávamos em mudança climática). A falta não fazia com que desistíssemos, a partida rolava mesmo assim, mas usávamos de argumentos e persuasão para convencer colegas a jogarem bola para empinar pipa depois. Em geral oferecíamos ao desunido, desgraçado mas bom, de bola a garantia de que não precisaria jogar no gol.

Felizmente isso era raro. Infelizmente conseguíamos três times e alguém deveria esperar. Era necessário sortear qual time ficaria do lado de fora esperando a primeira partida acabar. O método geral era por par ou ímpar, palitinho, dedos iguais e outros jogos do gênero. Tinha uma forma interessante chamada 17-21: uma contagem se iniciava e rodava entre um representante de cada equipe, repetindo em todos até que se contassem as posições 17 e 21, sendo que o excluído esperava. Até hoje quando jogo na loteria uso essas dezenas (não tem dado resultado).

Talvez o momento mais tenso e negociado fosse a formação das equipes. Suponhamos que a partida teria apenas duas equipes. Os dois melhores ou os dois piores com a bola eram destacados pelo grupo, por indicação coletiva. Eles eram tão bons ou tão fracos que juntos desequilibrariam a partida. Depois de um tenso par ou ímpar, iniciavam a formação de seus times (isso que vocês nascidos depois de 1990 chamam de Fantasy, Manager ou Cartola, só que real, o jogo acontecia mesmo). Se na vitrine dos elegíveis houvesse alguém muito melhor do que a média geral, ganhar no par ou ímpar definia a equipe com uma brincadeira mais divertida e os que terminariam o dia meio frustrados por tanto perder.

A escolha ocorria, então, um a um, intercaladamente. Cada vez que um novo membro chegava à equipe, integrava o conclave com o capitão para opinar na formação do time. Às vezes escolher algum bom goleiro ajudava mais do que um habilidoso indolente. Quem não tinha tal sorte, precisaria também realizar um acordo coletivo para revezar quem ficaria naquela posição que nenhum brasileiro valorizou antes de goleiros começarem a bater falta. Era também o castigo: se você entregasse a bola para o adversário e tomasse um gol bobo, o time poderia aplicar a punição de você pegar na vez de outro, para deixar de ser besta e nunca mais brincar perto da própria meta.

Às vezes um time ficava muito mais forte. Nesse momento, os dois times paravam a partida e trocavam um muito bom por um muito ruim e, assim, equilibrar a brincadeira (ganhar fácil de adversário ridículo, como no Campeonato Espanhol, nunca foi algo legal, acredite). O mais impressionante de tudo é que não tínhamos arbitragem, técnico ou professor e a coisa andava naturalmente com base naqueles acordos.

Adorávamos nossos times, a Seleção Brasileira e sonhávamos em um dia vestir uma camisa de um grande clube nacional ou a amarelinha. Quando marcávamos, gritávamos “goooooool do Brasil! Ziiiicoooo!”. Ninguém se importava por ele ser do Flamengo. Todos meninos tinham camisetas amarelas para imaginar que estavam na seleção. No sorteio escolhíamos jogar com ou sem camisa, o lado do campo (ficar na descida para atacar no primeiro ou segundo tempo), combinávamos em quantos gols acabava cada partida. Ninguém interferia, somente quando alguém mais forte acabava com a brincadeira pela força.

Quase 18h, subindo as escadas com medo novamente do Juizado de Menores, em casa ouvíamos que gente do nosso lugar não podia fazer política durante o telejornal que passava entre uma novela e outra. Gostávamos das novelas.

Pode parecer nostalgia, mas o fim de uma ditadura pareceu doce aos meus olhos de criança.

Um dia crescemos. Caras se pintaram, os clarinhos fizeram faculdade e se mudaram, os escurinhos ficaram presos no bairro. Os terrenos foram invadidos pela especulação imobiliária e nossos primos mais novos não ficaram sem ter onde jogar. O lugar em que batíamos bola virou prédio, igreja, delegacia, qualquer coisa, menos terra batida com dois gols de pedras ou chinelos.

Crianças foram jogar em quadras de condomínios e escolinhas de grama sintética. Lá o professor escolhe os times e os pais querem opinar na escalação porque pagam mensalidade. Nos condomínios é que se decidiam as regras do jogo das crianças nas reuniões de condôminos, até para evitar que os adultos não se entendam mais.

Quando vejo as camisas amarelas da seleção brasileira no século XXI minha cabeça sofre, não entende, não aceita, resiste em acreditar. O manto que eu vestia era orgulho por não ter uma regulação como a do condomínio, um adulto organizando nosso mundo e tecidos especiais com numeração customizada. O futebol era nosso momento de liberdade na determinação imperativa do nosso lugar social espacialmente delimitado por uma perua azul. Sequer usávamos camisa dessa cor no futebol porque ela nos perseguia, seja com o juizado, a Itália de Paolo Rossi ou a França de Platini. Cor agourenta!


A camisa amarela era a melhor, a mais bonita, a mais orgulhosa. Tudo isso lá no campinho de terra batida.

*Fabio Venturini é jornalista

sábado, 5 de março de 2016

“Geraselfie” e a piscina rasa

Por Leandro Marçal*

A tela do computador mostrava Mick Jagger dizendo que o público de São Paulo parecia assistir ao seu show pela tela do celular. No Whatsapp, o debate começou em um grupo com homens e mulheres ao verem uma selfie de uma menina até então anônima, com cara de ter, quando muito, 16 anos, enquanto praticava sexo oral.

Aparentemente sem uma ligação mais clara, as duas situações me chamaram a atenção por escancararem a banalidade da vida real, engolida pela virtual. Fotos e vídeos, antes ocasiões especiais, viraram tarefas tão corriqueiras quanto escovar os dentes.

Não que eu ache essa mudança ruim ou que seja um nostálgico parado no tempo – é para frente que se anda, o que passou, passou, e mudamos nossos comportamentos o tempo todo. Só fico abismado ao ver que a “geraselfie” não vê limites ou restrições ao se preocupar apenas e tão somente a registrar a vida em imagens, aparências. 

É evidente que também tive (tenho, vai) momentos de virar o celular em direção a meu rosto e usar a câmera frontal, gerando postagens, curtidas, comentários, compartilhamentos, conversas e outras futilidades das redes sociais.

Mas quando a foto, a selfie, o vídeo e o snap parecem mais importantes do que o momento a ser vivido, me pergunto se não estamos deixando a vida passar enquanto mexemos no touch de nossos celulares. Tanta coisa acontecendo ao nosso redor que se não tirarmos uma foto ninguém acreditará que por ali estivemos. 

Criamos o momento com as fotos; antes eram os grandes momentos que tinham exclusividade nos retratos. Não está na foto porque existe; existe porque há o registro.

Talvez seja um sinal dos tempos. 

Tempos de muita velocidade, individualismo, narcisismo, hedonismo, pouca preocupação com o próximo. Se neste ano 1% da população mundial terá mais dinheiro acumulado do que todo o restante do mundo, talvez não seja à toa. Talvez a excessiva e quase exclusiva preocupação com o ego da geraselfie seja a única explicação para que as pessoas parabenizem a elas próprias no dia de seu aniversário.

Se esse bombardeio de fotos diárias e banais some com a mesma velocidade com que surge, não deve ser de graça. O que será de minhas fotos daqui a uma década?

Pés, mãos, unhas, roupas, comida, lanche, no banheiro, na obra, no lugar diferente... Ainda estranho um pouco ver as fotos com esses cenários e situações. E mais: sendo apagadas como quem joga um papel de bala no lixo, sem cerimônia.

Meu álbum da festinha de um ano choraria se pudesse notar esse comportamento.

Longe de ser um profeta do apocalipse, um crítico, um chato ou inimigo disso tudo. É apenas a constatação de que temos uma piscina enorme para nos banharmos, mas que é rasa. Se pularmos nela, bateremos a cabeça ou quebraremos algum osso. A superficialidade parece ser a marca da geraselfie, de mim, de você, de todos nós.

Acho estranho, curioso, a ser observado.


Ainda me vejo abrindo o portão da antiga casa na Leonardo Nunes, me encaminhando até a esquina e pedindo ao ex-policial, dono da mercearia na esquina com a Alves do Burgre, um filme da Kodak, e torcia para que nenhuma queimasse ou, felicidade extrema, revelar uma ou duas a poses a mais. O filme tinha só 12 poses. Era o mais barato.  

*Leandro Marçal é um jornalista de 24 anos, torce pelo Tricolor Paulista
 e por um mundo menos hipócrita e com mais bom humor.
E, apesar do nome de sambista, é incapaz de tocar um reco-reco.
Ainda assim, é o Rei da Noite de São Vicente.

sexta-feira, 4 de março de 2016

O olho direito da lei*

Por Eduardo Luis Viveiros de Freitas**

Nenhum país sério para porque políticos são investigados. Espanha, Itália, Grécia, Alemanha da reunificação, Portugal mesmo com a crise econômica. Seja corrupção ou crise política, a vida continua. Nem o Brasil está parado.

Há filas de espera para comprar a nova caminhonete da Fiat, restaurantes cheios etc. O povão, sim, começa a sentir pesado a parada em negócios para os rentistas se refestelarem na taxa de juros assassina de empregos.

Mas o combate não é à corrupção. Isso já é feito no cotidiano: foram mais de 1.200 operações policiais da Polícia Federal e 15.000 prisões, investigados etc (entre funcionários públicos, corruptos e corruptores) nos anos Lula e Dilma, contra 58 nos anos FHC.

O problema não é a corrupção, que é estrutural no mundo em que vivemos; é político. Os que perderam as eleições (e que são sistematicamente poupados na Lava-Jato - é só ver a "origem" política de quem investiga e julga) sabem que se Lula não for derrubado ele vence as eleições de 2018.

Vão abater o político mais carismático da história contemporânea brasileira. Foi assim com Getúlio, Juscelino, Jango e agora com Lula. Não se iludam mais uma vez. Todos esses políticos foram acusados de envolvimento com a corrupção, mas a história mostrou que nenhum deles era corrupto, pelo contrário, foram e serão considerados líderes e defensores do interesse nacional.

Ah, a corrupção, essa "fada madrinha" do moralismo barato. Olhem para trás e vejam o que se está armando pela frente. O Brasil não vai ser "passado a limpo". Depois da demolição (física inclusive) de Lula e do impedimento de Dilma, todo esse circo de horrores político-midiático-jurídico sai de cena, investigações vão parar ou sumir da imprensa. O "sigilo" vai cobrir com seu manto o "sol" e a justiça continuará cega de um olho só, o direito.


**Eduardo Luis Viveiros de Freitas é graduado em Ciências Sociais pela USP, mestre e doutor pela PUC, cumpriu estágio de doutorado na Espanha, na Universidad Rei Juan Carlos, pesquisador no Núcleo de Estudos de Arte e Mídia da PUC e professor na Universidade Estácio Uniradial e, ufa, palestrino de quatro costados!

*Este texto foi escrito originalmente na página do Facebook do professor Viveiros.

quinta-feira, 3 de março de 2016

Por que seu ovo de Páscoa é caro? E o que isso tem a ver com futebol?

Por Fábio Venturini*

Nessa época de consumo desenfreado por motivos religiosos, justamente em uma religião que condena a gula e o desperdício, surgem os irritantes especialistas de botequim em economia política, preços e tributação sentenciando que o ovo de chocolate é caro por causa dos impostos. A resposta, claro, é que no Brasil há muitos impostos. É o Estado quem nos faz pagar tudo mais caro.

Como aprendi desde cedo nas aulas de matemática que quando achamos a resposta muito facilmente, provavelmente está errada, vamos lá...

Tomemos como exemplo um chocolate qualquer. Procurando no site das Lojas Americanas, aleatoriamente encontrei a barra de chocolate ao leite Lacta de 150 g, que pode ser comprada por R$ 5,50 (aproximadamente 0,036 centavos por grama). Um ovo de 196 g, feito com o mesmo chocolate, sai no mesmo vendedor por R$ 25 (ao redor de 0,127 centavos por grama). A diferença de preços entre os produtos feitos com ingredientes idênticos é de 342,77%.
NÃO É CULPA DO GOVERNO Valor agregado encarece o produto (americanas.com)
Sobre a barra e o ovo de chocolate incide a mesma carga tributária, sendo que o item pascal necessita de alguns processos a mais na fabricação, embalagem e distribuição que justificam algum preço maior. A moldagem é mais complexa, a inserção de alguns bombons no centro, um suporte plástico para que fique bonito em pé, uma caixa específica para a casca fina não quebrar. Cada um desses processos inclui equipamento, insumos, energia e força de trabalho (pessoas envolvidas na produção).
Justifica a diferença de preços?

Ainda não. Os processos produtivos são suficientemente desenvolvidos para reduzir o custo na escala. A Lacta faz um número alto itens de chocolate, não precisa comprar novas máquinas, alugar novos prédios, somente por causa da Páscoa. Pelo contrário, as fábricas de chocolate reduzem a ociosidade, tornando o capital total adiantado mais lucrativo (olha que aqui estou desconsiderando o uso de trabalho escravo e/ou infantil, mas não podemos deixar de lembrar esse dado). Ademais, as lojas se preparam para vender os ovos, separam mais espaços em gôndolas, prateleiras, poleiros na entrada, promotores etc. Não justifica uma diferença de 342,77%. Ainda.


A carga tributária é a mesma e os custos se diluem no esforço cooperativo para as vendas efêmeras de Páscoa. De onde vem esse alto valor então?

Acrescentemos agora a razão estética. A efeméride da data, que torna o chocolate na forma oval mais interessante do que uma mera barra, é estimulada pelo desejo em conseguir a melhor configuração do produto, aquela mais adequada à pessoa a quem se quer presentear: a Frozen para a boa menina, o Ben 10 para o menino que combate o mal, o coração para o afeto (recuso-me a usar “crush”) etc. Cada mudança acrescenta um valor imaterial, aumenta o valor de troca. Você quer comer chocolate, trabalhe para mim o equivalente a R$ 5,50. Quer comer chocolate comemorando com alguém querido, trabalhe para mim o equivalente a R$ 25.

Mesmo sabor, impacto diferente, menor preço (americanas.com) 
Vejamos bem, nada tem a ver com impostos. Igualmente, não se trata de um alto preço por causa daquela lei fácil de citar, de demanda e oferta, afinal, há chocolate aos tubos no mercado, sendo o produzido sob a forma de ovo ofertado apenas nessa época para atender ao impulso artificial, aquela necessidade criada pela publicidade, sem que o dono da fábrica precise realizar investimento extra em capital fixo. Estamos diante de uma demanda regulada pela produção. A diferença de preço de ambos, com a mesma quantidade de valor de uso (igual número de gramas de chocolate gostoso, e digo gostoso se não for Pan, é claro) chega a 342,77% por conta do aproveitamento do valor de troca aumentado por razões estéticas. Se o chocolate em barra é menos procurado, embora tenha o mesmo valor de uso (comer um doce gostoso), quando são descontadas as motivações estéticas, é para saciar necessidades emotivas.

Você paga caro pelo que não precisa, apenas pelo que dizem que você deve consumir.

Mas daria para ser mais barato?

Claro. Mas quanto custa uma satisfação? O vendedor embute isso num preço. Ninguém paga 3x mais num carro de luxo no Brasil em relação a outros países com carga tributária semelhante porque o estado é intruso na economia, é porque quanto mais se consome para o ego, mais caro se paga. Em se tratando de gastos de classe média no Brasil, como diria minha avó, é uma gente que tem o olho maior do que a boca, ou a boca maior do que a barriga.

Fiz essa explicação bem sucinta e didática para mostrar que os preços altos por produtos inúteis não são culpa de carga tributária. Porque nessas horas sempre há algum discípulo de Hayek, Mises, Friedman e outras reencarnações vulgares de Adam Smith dizendo que o problema são os impostos, usando discursos ideológicos para induzir, de forma simplista à maldade do Estado (de quem eles mesmos se aproveitam) e descrever pseudocientificamente o valor de todos os produtos: pão, leite, carne, ovos, material escolar, passagem para Orlando, carros de luxo e aquele PS4 que adultos presos na fase anal esperneiam por não poder comprar por menos de quatro milhas.

E o que isso tem a ver com futebol?

Até aqui fiz uma breve digressão sobre ovos de chocolate e teoria do valor. Mas este blog é sobre futebol.

Uma copa do mundo foi realizada no Brasil. Em vez de mostrarmos nossa forma de desfrutar do esporte e da condição de torcedores pulando, fazendo coreografias em estádios lotados, agitando bandeiras, cantando cantos de gente apaixonada pela bola rolando redonda com jogadores habilidosos, realizamos um esforço nacional para construir arenas insossas que abrigam jogos chatos, retrancados, de audiência branca, racista e mimada.
A NOVA CARA DOS ESTÁDIOS Torcedoras despreocupadas com
 o jogo do Flamengo, o time mais popular do país (espn.uol.com.br)
O nosso torcedor, aquele do antigo Maracanã, Mineirão e Pacaembu, ainda sofre para conseguir ingresso pela oligarquização das cadeiras (acabaram as arquibancadas em posição central ao campo, né?) e o aumento de preços porque se compramos o que nunca precisamos antes para gostar do jogo e ganhar cinco copas.

Quando uma torcida organizada que percebe o que perdeu protesta, mesmo que com interesses mais egocêntricos do que altruístas, dois de diretores são espancados misteriosamente para não interferir na bela imagem que as arenas criam para transmissões pasteurizadas e artificiais na TV, momento em que ninguém reivindica economistas neoclássicos para reclamar da intervenção policial do estado.

Gastávamos R$ 20 para ver grandes times jogando. Dispendendo com o que não precisamos, pagamos R$ 100 para ver um telão bonito, uma cadeira numerada, manter distância de gente que grita o tempo todo. Nada disso fazia sentido. Agora é moderno.

No caso do ovo, pelo menos, o chocolate e a barra possuem o mesmo gosto. No futebol, o novo sabor é tipo um caviar: ruim, caro e só quem tem dinheiro degusta para mostrar que pode, não porque é bom.

GERALDINOS O Rei do Maracanã com seus súditos. A geral foi extinta
 quando o ex-Maior do Mundo passou a atender o "Padrão FIFA"

*Fábio Venturini é jornalista