terça-feira, 31 de maio de 2016

Zizou e o reparo histórico

por Vinicius Carrilho*

SEGUNDA Zidane entra para o seleto grupo de campeões
 como jogador e treinador (Getty Images)
A vida é um eterno ciclo de erros e acertos. Por melhor que seja a intenção, todos nós, em algum momento, cometemos erros. Aliás, há quem acredite que durante toda a nossa existência, mais erramos do que acertamos e esta é uma regra vital que atinge a todos, dos gênios ou relés mortais.

Zinedine Zidane foi gênio em sua arte. Com uma elegância e simplicidade que só é possível ser executada com muita complexidade, o eterno camisa 5, digno da categoria de um 10, encantou o planeta com seu futebol durante mais de uma década. Merecedor de aplausos em grande parte do tempo, Zidane também errou e guardou o mais marcante deslize para aquele que seria, ao menos naquele instante, seu último grande ato no sagrado palco de grama verde.

TRISTE EPÍLOGO A despedida que ninguém queria (Peter Schols/AFP)
Em 09 de julho de 2006, um domingo, sua comum e encantadora genialidade deu lugar a um desconhecido e assustador gênio forte. Ao invés de mais um inacreditável lance de habilidade com os pés, aos 05 minutos do tempo extra da final da Copa do Mundo da Alemanha, diante da Itália, Zidane desferiu uma inimaginável cabeçada em Marco Materazzi. Houve justificativa para aquilo, assim como aconteceu um posterior pedido de perdão, mas naquele momento, em seu gran finale, Zidane saia de cena, no fechar das cortinas de sua carreira, sendo expulso do espetáculo. Logo ele, um gênio, que tanto acertou e que tantas vezes deve ter sido convidado para mostrar mais um pouco de sua arte, naquele momento era convidado a se retirar do seu habitat natural e por um erro exclusivamente seu.

É claro que aquele ato, completamente impensado pela mente que tantas vezes criou jogadas impensáveis, de forma alguma apagaria o que fez o francês ao longo de sua vitoriosa carreira. Porém, também é verdade que tudo o que foi feito não serviria de desculpa para excluir da história aquele erro. Além disso, o fato de ser aquele seu último grande ato, a última cena, o apagar das luzes, deixava a situação ainda mais triste e obscura.

Porém, o tempo, conhecido como o senhor da razão, haveria de agir e, com a calma que lhe é peculiar, cumpriu seu papel. Três mil seiscentos e sessenta e um dias depois, em território italiano, terra daquele que o levou ao maior erro de sua carreira, Zidane triunfava. Naquele sábado, 28 de maio de 2016, o francês não aparecia como a grande estrela da constelação, mas era o astro guia que comandava toda a órbita daquele Real Madrid, time que assumirá cinco meses antes, totalmente devastado pelo meteoro Rafa Benítez.

Na hora em que o pênalti batido por Cristiano Ronaldo ultrapassou a linha do gol defendido por Oblak, a história de Zidane se alterou, bem como a da França, nação pela qual ele errou, mas que também muito sorriu a suas custas. Ali, o país mais uma vez comemorava uma conquista ao ver seu primeiro técnico campeão da UEFA Champions League e ele era Zinedine Yazid Zidane, que também comemoraria no mesmo instante seu primeiro título como treinador.

Não, seu erro não foi apagado e, obviamente, jamais será. Mas, em sua biografia foi adicionada uma nova cena final, muito mais condizente com todo o restante da trama. O novo final, desta vez feliz, não foi uma alteração inescrupulosa de todo o enredo, mas sim um reparo histórico que Zidane merecia por tudo que fez. Ele, dono de uma elegância ímpar, não poderia, de forma alguma, ter em sua última cena um ato tão rude, típico dos brutos.


NO LUGAR CERTO Zidane recuperou um time recheado de craques, mas desacreditado
 e desmoralizado sob o comando de Rafa Benitez (AP)
Quando aquela bola passou a linha, o último ato de Zinedine Zidane deixou de ser uma agressão na final do maior campeonato do mundo e passou para uma conquista, desta vez como treinador, do maior campeonato de clubes do planeta. O futebol, meus caros, não é justo, mas seus deuses parecem ser. Ainda bem para nós, ainda bem para Zidane, ainda bem para a história.

* Vinicius Carrilho tem 24 anos, é jornalista, morador
de Osasco e gostaria de ganhar a vida fazendo
humor, mas escreve melhor do que conta piadas.

sábado, 28 de maio de 2016

A sede de Cristiano Ronaldo

Terceira vez campeão (Imagem: Instagram do jogador)
Cristiano Ronaldo é campeão pela terceira vez da Liga dos Campeões. De antemão, já aparece como favorito para faturar pela quarta vez o prêmio de melhor do mundo dado em conjunto pela FIFA com a France Football. Pela quarta vez consecutiva, ele foi o artilheiro da competição, atingindo o patamar pela quinta vez (já havia sido na temporada 2007-08), e igualando Messi no quesito. De quebra, com os 16 tentos que anotou nesta temporada, chegou a 93 no total, só pela Champions, onde reina absoluto na artilharia. Como se não bastasse, ele é o primeiro jogador da história do futebol europeu a superar a marca de 50 gols por seis temporadas consecutivas.

Os números não deixam dúvidas: Ronaldo é um obcecado por marcas e gols. Mas até que ponto isso é saudável?  

O português, dividindo as atenções entre a disputa do Espanhol, onde brigou até a última rodada com o Barcelona, e a competição europeia, atingiu o limite do esforço físico. Já havia sido assim em 2014, ano em que foi campeão europeu, artilheiro, recordista de gols na mesma edição e melhor do mundo. E chegou em frangalhos à Copa do Mundo.

Não é coincidência que seu desempenho tenha estado tão abaixo do seu nível habitual no gramado do San Siro nesta decisão. Cristiano, a despeito do estupendo preparo físico, não é de ferro e também já não é nenhum puto de 23 anos. Com mais de 30, precisa dosar melhor as energias, gastas em demasia para manter o ápice do golos anotados em quantas competições disputar. Em La Liga, era o goleador com folga até o uruguaio Suarez desembestar na reta final e, com 14 gols em cinco jogos, superá-lo por quatro.

Quem assistiu às partidas do Real Madrid nesta época pode ver o quanto ele lutou para manter o estatuto de goleador da prova, sobretudo em goleadas já desenhadas, e como ficava irritado quando desperdiçava chances claras ou mesmo quando a bola não lhe era passada. 

Desnecessário. 

Teria sido muito mais útil aos merengues se se poupasse nestes momentos, se deixasse de dar piques de 20 metros aos 47 minutos do segundo tempo quando o placar já anotava quatro, cinco ou seis gols a favor do Real Madrid só para poder ampliar seus gols.

Cristiano tem sua quarta e última Eurocopa no mês que vem, quando disputará, provavelmente, a última competição jogando em alto nível por Portugal. Na Copa de 2018, prova para a qual a Equipa das Quinas está em um grupo fácil nas Eliminatórias, deverá fazer sua despedida pela Selecção. Serão as derradeiras, e dificílimas, oportunidades de levantar um título pelo país e, enfim, figurar de forma indiscutível no panteão dos maiores jogadores de todos os tempos.

Essa é a sua última (e maior) ambição.

NO LIMITE Com status de melhor do mundo mas limitado
 fisicamente, Ronaldo parou na primeira fase na Copa (Reuters)

terça-feira, 17 de maio de 2016

Acreditar que o clube dos oligarcas aceita novas adesões, o grande erro do PT


Fabio Venturini*

Uma mulher foi estuprada. Ela errou em usar saia curta?

Pois é exatamente essa a questão que coloco antes de escrever a convite do editor do Bola de Bigode sobre os erros do Partido dos Trabalhadores que culminaram com o golpe de 2016. Pois assim como o estupro é culpa do estuprador, o golpe de estado é uma ação espúria do bloco golpista, formado por mídia, burguesia subordinada ao imperialismo, congresso e setores reacionários do judiciário, que afastou a presidente Dilma Rousseff[1]. Ponto. Nenhum erro petista pode justificar o injustificável.

A partir de agora, um breve balanço sobre os erros do PT após o período no governo federal que culminou com o crime praticado pelos capangas do inominável.

Quem é PT, afinal?
O debate médio é pautado pela imprensa burguesa, cujo discurso é construído para confundir, não para facilitar a compreensão das diferenças entre a aparência e a essência de um determinado objeto (no caso aqui, o Partido dos Trabalhadores). Logo, no noticiário o PT é mostrado como tudo aquilo ligado ao governo federal, enquanto petistas são seus apoiadores, beneficiários ou críticos que reconhecem alguns méritos. Falamos também de movimentos sociais e sindicatos, aqueles que são mostrados como pessoas que não trabalham e vivem às custas do erário para atrapalhar o trânsito. É falso e isso é intencional.

Imerso em informações jogadas em bateladas de forma proposital e aleatória no caldo ideológico chamado opinião pública, o leitor/expectador decodifica de forma confusa tudo que se fala sobre esse PT fictício. Entende como Partido dos Trabalhadores todo o campo da esquerda política, caracterizado pela corrupção.

Estamos falando de quase quatro décadas de propaganda antipetista no noticiário. Como o crime é algo ligado aos bairros pobres, o PT é também um conjunto de pobres que estão tomando conta da nação. Possuem um braço armado (o PCC) e vivem às custas do governo com bolsas. Por inferência, se tem pobre beneficiado só pode ser um bando de desonestos, a ponto de fazer filhos apenas para receber Bolsa Família. Cola até na periferia.

É tão estapafúrdio quanto dizer que a classe média faz filho apenas para deduzir dependente no imposto de renda e fica a vida inteira vagabundeando para viver do dinheiro da restituição. Mas não se acredita nesse absurdo porque não se repete à exaustão. Tal tipo de interpretação esquizofrênica, psicopata e sociopática é estimulado pela imprensa burguesa com notícias marotas sobre fraudes de beneficiários em programas sociais, bem como sobre pessoas que usam o dinheiro para comprar algo que não seja arroz e feijão. Atende as preferências da parcela violenta, autoritária, racista, machista e desonesta da população, concentrada na burguesia e em setores abastados da classe média.

Quando os movimentos de fascistas, oportunistas e alienados convocados pela Globo como massa de manobra vão se manifestar nas ruas com proteção da Polícia Militar não estão se posicionando contra o que o PT é, mas contra o que ele representa, ou seja, uma ameaça de pobres, negros, LGBTs e trabalhadores que não se subordinam pela própria natureza etc. Por falta de uma consciência própria se apegam ao ódio, esse subproduto do medo, e a símbolos nacionais sem qualquer senso crítico ou do ridículo, usando além da bandeira e do hino nacional as camisas da CBF. O antipetismo fundamentado no combate à corrupção é essencialmente uma ideologia fascistizante.

O Partido dos Trabalhadores, o PT real, é, grosso modo, uma frente formada na década de 1980 a partir de movimentos de trabalhadores rurais, sindicatos urbanos, comunidades eclesiais de base e intelectuais para organizar setores “progressistas”[2] sem as amarras da burocracia do Partido Comunista Brasileiro, a principal força partidária brasileira na maior parte do século XX, objeto de propaganda difamatória pela mesma imprensa durante mais de meio século.

Por conta da nova estrutura proposta na sua fundação, o PT possui quase 30 correntes independentes que deliberam nos congressos do partido. Desde 1995, a corrente majoritária, do ex-presidente Lula e do ex-ministro José Dirceu, dominou os processos eleitorais internos do PT, deixando as correntes mais à esquerda isoladas das instâncias decisórias[3]. Iniciou-se ali um programa de alianças estratégicas com setores fisiológicos para ganhar as eleições presidenciais, após perder para Collor (1989) e FHC (1994). Assim foi sabotada a prática de fazer política a partir dos trabalhadores rurais (continuado pelo MST) e das periferias, ainda presentes e resistências petistas.

E quem é o “governo do PT”?
Trata-se da articulação entre a corrente Construindo Novo Brasil (CNB, do Lula) com setores fora do PT para realizar uma conciliação de classes e permitir a distribuição de renda com ganhos para o empresariado local, a falácia neoliberal do “ganha-ganha”.  No plano institucional, manter os acordos com aliados estratégicos da direita com cargos públicos, o que não apenas deu afinidade quase carnal entre Lula e partidos como PMDB, PC do B, PDT, PTB, PP, PR e PSC, mas também tornou os sindicatos em mera burocracia paraestatal de apoio ao programa da CNB. Os trabalhadores foram desmobilizados e a luta de classes foi negada.

Para garantir apoio eleitoral da massa pobre que sempre votou na direita mais estapafúrdia, políticas sociais garantiram uma distribuição ínfima da riqueza nacional, transformando Lula no novo pai dos pobres e mãe dos ricos. Portanto, não se trata de um governo do PT, mas de uma corrente majoritária do PT aliada a setores que tentam criminalizar o restante do Partido dos Trabalhadores.

Se não entendeu, leia novamente. O Brasil não é para amadores.
No primeiro sinal de crise e a possibilidade de ter que aturar pobres comendo três vezes por dia durante mais 12 anos, desde 2014, quando o projeto reacionário defendido por Aécio Neves foi rejeitado pelas urnas,os próprios aliados estratégicos do PT, sejam partidários ou de setores da burguesia (a financeira essencialmente), tentam remover a Dilma à força da mesma forma com que um câncer corrói tudo que entende por corpo estranho.

O erro essencial do que André Singer chama de Lulismo[4] foi pensar que pode ser parte de um clube que não está aberto a novas adesões. Não soube ler o Brasil, as formas das classes primordiais (burguesia e proletariado), a tendência de rupturas e crises do regime democrático. Acertou sem querer em incluir a população mais pobre no que não havia possibilidades. O Bolsa Família fez com que crianças não precisassem trabalhar na lavoura aos cinco anos de idade, indo para a escola e produzindo cultura, reivindicando espaço num ministério específico. A expansão do ensino técnico aumentou o valor da força de trabalho. 

A expansão universitária, mesmo feita de forma equivocada, criou uma massa crítica de bacharéis, mestres e doutores vindos das periferias. Sem querer querendo, a política do lulismo criou tanto a massa que apoiou o golpe contra os próprios direitos como aquela que resiste hoje ao golpe pela esquerda e irá um dia derrotá-lo ou criar condições para tanto. Afinal, nenhuma ditadura é eterna.

Os erros do PT subjugado pela CNB
Durante o trajeto do PT como frente progressista a um amontoado de movimentos subjugados pela CNB, muitas fraturas ocorreram em nome de práticas políticas éticas e em nome de uma “verdadeira esquerda”. A primeira delas foi o PSTU de Zé Maria, ainda nos anos 1990. No entanto, de tão sectário costuma fazer avaliações políticas similares às dos setores fascistas. O Exército de Brancaleone que carrega a bandeira do partido não mobiliza trabalhadores e se apropria pelo alto de sindicatos, aliando-se, nos processos eleitorais, à direita contra a CUT e o PT. O antipetismo é sua razão de existir, por isso se confunde tanto com a direita. Não é incomum a central Conlutas se aliar à Força Sindical, do Paulinho Pereira da Silva, aquele mesmo da vanguarda do Eduardo Cunha. Essa fratura que retarda mobilização e organização do proletariado à esquerda serve apenas e nada mais como linha auxiliar da direita.

O segundo racha significativo foi a criação do Partido Socialismo e Liberdade, nascido da expulsão de parlamentares do PT durante a reforma da previdência imposta por Lula. A legenda catalisou setores de gabinete e acadêmicos descontentes com os rumos da corrente majoritária. Formou-se na prática para dar continuidade a mandatos que não teriam como se colocar nas eleições dentro do próprio PT. Alguns dos que foram expulsos do Partido dos Trabalhadores efetivamente não conseguem mais recuperar os cargos, como o ex-deputado federal Babá e ex-senadora Heloísa Helena, hoje na Rede sustentabilidade, a direita que carrega uma planta, liderada por Marina Silva. 

Com a crise do “lulismo”, o PSOL se mostrou incapaz de acolher os movimentos abandonados pela CNB. Em vez de organizar o trabalhador, como o PT fazia nos anos 1980, organizou mandatos. Cresceu menos do que o PSC, por exemplo, que é um partido fascista com base eleitoral nas igrejas protestantes. Reluta contra a realidade que é a falta de capilaridade no proletariado, o que torna qualquer partido em letra morta. Hoje disputa votos contra o PT, não contra a direita, tornando-se aliado natural do PSTU e do novo PCB, um partido majoritariamente acadêmico, também sem uma significativa ligação com o proletariado.

Para complicar, o PSOL do Rio de Janeiro foi procurado por setores do PT para compor chapa contra Eduardo Paes. Muitos de seus membros sequer quiseram discutir. Adicione-se a isso o procedimento isolacionista durante eleições parlamentares. Poderia estabelecer alianças que levassem mais deputados do que meia dúzia que ainda colhe frutos dos tempos de PT. Em SP, por exemplo, Ivan Valente teve 450 mil votos e foi sozinho para a câmara, não puxou votos para mais ninguém. É o preço de seu personalismo parlamentar. Quando Ivan Valente e Chico Alencar não puderem mais concorrer, pois fazem aniversário todos os anos e um dia todos morreremos, acaba a base eleitoral do partido. O PSOL é um irmão brigado do PT que age de forma moralista e, por vezes, birrenta.

Por sua vez, os grupos que permaneceram no PT, subjugados à CNB, não tiveram a capacidade de organizar um movimento anti-aliancista dentro do partido e também aderiram à prática de troca de cargos. Uma vaga na Fundação Perseu Abramo pode ser disputada com brigas de foice no escuro, a depender da conjuntura. Igualmente não tiveram a iniciativa de articular um racha ou uma composição com os setores que deixaram o PT. Levar movimentos com capilaridade junto ao proletariado para o PSOL significaria isolar Lula, mas deixar Lula significaria não ter uma massa de eleitores a seu dispor.

Também houve o movimento da esquerda para a direita, com a saída de figuras caricatas e decadentes que aderiram ao golpismo criminoso, como Fernando Gabeira, Eduardo Jorge, Cristóvão Buarque, Marta Vasconcelos (não usem o sobrenome Suplicy, ela ganha votos com isso para sair nas páginas amarelas da Veja) e a própria Marina Silva.

Por fim, vários grupos, muitos ainda filiados ao PT, reuniram-se em movimentos sociais e ONGs que militam sem organização, o que divide a luta contra a dominação burguesa. O maior exemplo foi o Movimento Passe Livre, que bateu tanto em Fernando Haddad e poupou Geraldo Alckmin. Foi expulso da própria manifestação e ensinou à direita como ocupar as ruas. Nesses movimentos fragmentários pós-modernistas se nega a luta de classes por entender que é uma forma de maquiar à esquerda o machismo, a LGBT-fobia e o racismo.

Todos erraram ao abrir mão da perspectiva revolucionária e aderir ao programa de garantia de direitos dentro do direito burguês. Por uma via mais longa, ou se acomodaram à troca de cargos ou também acharam que o clube dos oligarcas estava aberto a novas adesões.

Novos erros são necessários, jamais os mesmos
O PT foi formado para não repetir os erros do PCB, que era cristalizado na burocracia e no centralismo democrático que, na prática, acabava sendo autoritário, a pior herança do stalinismo. É efetivamente um mérito, mas a falta de critério analítico e a flexibilidade com relação à perspectiva de conquistas dentro das regras impostas pela burguesia levaram à desorganização e à negação da luta de classes. Lamento informar a essa esquerda que acabou de ser golpeada, mas Marx estava certo. Não apenas ele como Lênin, Gramsci, Lukács, Trotsky, Rosa Luxemburgo e muitos outros. Num país em que os golpes são mais corriqueiros do que cafezinho no final da tarde a única via é a revolução. Como fazê-la é o tema de debate, não se ela deve ser feita.

A direita construiu o anticomunismo e usou o mesmo processo exitoso contra o PCB para construir o antipetismo. Hoje é necessário criar um novo partido que surja do proletariado, mas rompendo a influência ideológica da direita que joga no lixo iniciativas populares anteriores. Como defendeu Marx na abertura do 18 Brumário de Luís Bonaparte, no momento das crises os homens buscam as gerações anteriores. Os golpistas fazem de modo que nós as criminalizemos. Todo antipetismo é favorável a golpes, aos anteriores, ao atual e aos futuros.

É preciso aproveitar a experiência histórica de PCB e PT, dos partidos de outros países como o MAS (Bolívia), o PSUV (Venezuela) e a Frente Ampla (Uruguai), apenas para citar alguns que não devem ser modelos, mas antes boas referências. É preciso identificar que a imprensa e o direito burgueses não são campos de luta e, portanto, devem ser combatidos. O estado democrático de direito é uma condição para organizar a classe trabalhadora numa perspectiva revolucionária. Contudo esse estado não pode ser o objetivo final porque seu aparato todo foi montado para que a burguesia aplique golpes se assim julgar necessário. Esse texto só existe porque vivemos o terceiro em 80 anos, isso sem contar as tentativas frustradas.

Igualmente não podemos cair na armadilha dos arroubos pós-modernistas que rechaçam organização da classe trabalhadora, do proletariado, tentando reinventar a roda e fragmentando os movimentos populares. Se o inominável usurpador colocar três mulheres e dois negros reacionários no ministério estará tudo resolvido, recriando a pasta da Cultura cheia de homossexuais da TV Globo lá dentro, estará tudo resolvido? Porque se além de conspirador ele tivesse um mínimo de bom senso já teria feito isso e os movimentos de raça e gênero estariam procurando uma bandeira como barata moribunda procura saída depois da borrifada de inseticida.

Não se pode cometer os mesmos erros, o que seria burrice. São necessários erros novos, aqueles efetivamente essenciais ao aprendizado político.

*Fabio Venturini é jornalista e historiador, professor-adjunto no Departamento Multidisciplinar da Escola Paulista de Política, Economia e Negócios da Universidade Federal de São Paulo (EPPEN/Unifesp)





[1] Não tratarei aqui sobre ser ou não um golpe de estado pelo simples fato de ser um golpe. Foi tosco, vulgar, montado por ladrões, usando recursos institucionais, mas não muda o fato de ser um golpe. Essa discussão é um artifício ideológico dos próprios golpistas para desviar o foco do motivo de toda a operação, que é o ataque aos trabalhadores para atenuar a crise de valor da força de trabalho que vive o capitalismo em nível global. Não entrarei em discussões com intelectuais vendidos ou com as pitonisas de internet, essa massa de manobra golpista que sempre alga “você tem que respeitar a opinião dos outros”. Com toda sinceridade do mundo, não pesquiso ditaduras e golpes de estado há pelo menos 12 anos para me nivelar com papagaios da TV Globo e da revista Veja. Nenhum sistema lógico neste mundo dos viventes transforma a opinião, que é contrário de conhecimento, em pressuposto válido simplesmente porque se reivindica respeito à pessoa que profere para validar o absurdo constante no que se diz. Por fim, quem acredita que o impeachment de Dilma Rousseff não é golpe sequer lerá essa nota: se é preguiçoso e desonesto para pensar, imagine para ler algo por completo.
[2] Conceito cunhado na 4ª internacional para designar o campo político que une setores com preocupações populares, identificadas tanto como campo da esquerda política quanto com a esquerda revolucionária, essa, essencialmente, marxista ou anarquista.
[3] Lincoln Secco descreve com bons detalhes em seu livro A História do PT (1978-2010).
[4] Tenho sérias objetivações a essa categoria “lulismo” elaborada por André Singer. No entanto, ele é o que mais detalhadamente se debruçou para elaborar um conceito nesse sentido e por isso aqui é usado dessa forma.

quinta-feira, 12 de maio de 2016

Voltando algumas casas

Por Leandro Marçal*

E ela caiu. No jogo de tabuleiro político, haverá ainda uma decisão definitiva, mas será apenas o golpe de misericórdia, o chute final no cachorro moribundo.
Evidentemente, seu partido cometeu uma porção de erros, burrices, incompetências, negligências, megalomanias e alianças espúrias que a levaram à ruína.
Hipocritamente, inúmeros dos que a julgaram respondem por processos dos mais absurdos contra a sociedade, nos quais sua inocência é ouro de tolo.
Vergonhosamente, muitos dos que comemoram sequer sabem o que são pedaladas, poderes constituídos, golpes ou História.
Gratuitamente, pessoas se agridem desde 2014 como se a divergência de opinião fosse crime.
Claramente, o processo não foi para acabar com a corrupção no país (desculpem por avisar que Papai Noel não existe e que não viemos da cegonha).
Espantosamente, temos que temer, ainda que, lá atrás, seu partido não temesse o temerário.
Descaradamente, alguns milhões de votos não valeram muita coisa.
Assustadoramente, há um fanatismo exacerbado de ambos os lados, a favor e contra, como se heróis e vilões fizessem parte da política. Deixem seus anjos e demônios restritos à sua fé, por favor.
Lamentavelmente, pouco se importa com o povo, muito se apega ao poder pelo poder, em função do poder, a favor do poder.
Não perdemos o jogo por completo, mas voltando algumas (muitas?) casas.


Publicado originalmente no Proseando.

*Leandro Marçal é um jornalista de 24 anos, torce pelo Tricolor Paulista
 e por um mundo menos hipócrita e com mais bom humor.
E, apesar do nome de sambista, é incapaz de tocar um reco-reco.
Ainda assim, é o Rei da Noite de São Vicente.