sexta-feira, 15 de julho de 2016

De Aljubarrota a Paris



O fado representa mais que a identidade portuguesa. É a própria alma lusitana. O drama. O destino. A luta. A batalha. A dor. O amor.

Desde sempre foi assim: Portugal se acostumou às grandes batalhas. No Campo de São Jorge, a 1385, quando tinha um décimo dos soldados que tinha o inimigo de Castella e que era apoiado pelo exército francês, os comandados por Nuno Álvaro Pereira saíram do jugo de Castella e Aragão e iniciaram a Dinastia de Avis e a época de ouro das grandes navegações.

Houve épocas em que teve que recuar, até fugir. Como quando as tropas de Napoleão, implacáveis, invadiram Portugal a partir da Espanha e ficaram a ver os navios com a família real atravessando o Atlântico para instalar a coroa aqui. Napoleão, no exílio, admitiu que D. João VI fora o único a enganá-lo.

Mas deixemos o mar.

Quando a Eurocopa começou, os lusos chegaram credenciados por um cartel respeitável: Portugal, a única seleção européia a estar ao menos nas quartas-de-final das últimas cinco edições, desde 1996. Não só isso: por muito pouco não eliminou a França, em 2000, e a Espanha, em 2012. Caiu nas semifinais para equipes que foram campeãs.

Mas isso pouco importava.

A imagem lusa para o mundo era o choro da inimaginável derrota de 2004. Em casa. Com Figo e Rui Costa em campo. Com Felipão, campeão do mundo. E Cristiano Ronaldo começando a escrever sua história.

Mais valia ter o fracasso como base e julgar pela campanha ruim da primeira fase, em um grupo dos mais acessíveis. Sim, foi ruim. Foi feio. Foi abaixo do que qualquer um poderia imaginar. Tivemos sorte de um regulamento questionável permitir que fosse possível avançar com três empates.

Mas não temos culpa.

Esta, porém, tem quem não quis ver que Portugal mudou, que se reinventou durante a prova. O time que mais chutava a gol, que buscava a ter a bola. Foi preciso reconhecer suas limitações e fortalecer a retaguarda para impelir avanços de tropas inimigas.

Para os críticos, do Novo e do Velho Mundo, Portugal é um país fadado ao insucesso. Fomos chamados de nojentos em França. Aqui no Brasil, era a Seleção de um jogador só, que cairia cedo ou tarde, que nunca foi nada.

A cada fase, o favorito era o adversário de Portugal, seja quem fosse. Croácia, Polônia, até País de Gales. E, enfim, a França.

E era loucura mesmo apostar em Portugal na final. Enfrentaria a dona da casa, com mais camisa, mais time (embora sem um protagonista de respeito), com a torcida toda a favor, com o Saint Denis lotado a cantar Allez Le Bleus. E com o retrospecto todo a favor, posto que não perdia para o oponente da decisão havia 41 anos.

Perto de Aljubarrota, isso era só mais um reino a ser vencido.

Quando Cristiano tombou, aos 8 minutos, houve um rearranjo no tempo e no espaço. Voltamos a 2004. Os medos todos. Os fracassos. A bola na trave. O gol de ouro. Poborski. A morte súbita. A França. Alcácer Qbir. A Grécia. A França.

A França, que ficou anestesiada. Inexplicavelmente, não cresceu. Não teve volúpia, como quem perde a referência, o ponto a ser mirado. Portugal viu seu capitão tombar e agigantou-se. O choro do herói caído foi o aditivo que faltava aos outros 22 heróis. Todos eles. Os navegadores todos no mar verde de Paris. Cabral. Vasco da Gama. Coluna. Eusébio. E uma nova página a ser escrita. Camões, Fernando e todas as suas Pessoas dentro de 11 camisas.

Quando acabou o tempo normal e Cristiano Ronaldo voltou ao relvado, foi mais que um adjunto de Fernando Santos. Ronaldo foi 11 milhões de portugueses. Cristiano Manuel. Cristiano Joaquim. Ou Antonio. Ou Aurora. Ou Jorge. Ou Maria. Ou Éder, o herói improvável. E o improvável para os outros aconteceu. Para os outros!

Portugal cresceu quando precisou e mostrou o seu tamanho ao mundo. 2004 finalmente acabou. Para desespero de quem se acostumou a nos olhar por cima dos ombros. Que nos respeitem como grandes que, enfim, somos.

*Texto originalmente publicado em psicodoidera.com.br

domingo, 10 de julho de 2016

Respeitem os campeões

A LENDA Cristiano Ronaldo ergue a taça de
campeão (Michael Regan/Getty Images)
Hoje Portugal fechou uma das suas feridas mais profundas. Finalmente exorcizamos o fantasma de 2004, daquela final em casa com a Grécia. Como em Aljubarrota, a superação. O principal soldado caído, ferido, morto para a batalha, mas não para a guerra.

Portugal fez uma primeira fase trôpega, ruim, arrastada. Foi se reconstruindo durante a competição para chegar a Paris com força, com ganas de ser campeão e, finalmente, ser respeitado pelo mundo. O melhor cenário, na casa dos entojados franceses. Não o time Bleu, que foi gigante também e um adversário que valorizou a nossa conquista; a mídia gaulesa, que menosprezou os portugueses, como fazem desde que Napoleão Bonaparte colocou a Família Real Portuguesa para correr, no início do século XIX.
ACIDENTE DE TRABALHO Cristiano Ronaldo sofre
entrada de Payet e sai machucado (AFP)
No lado de cá do Atlântico, uma horda de críticos ferrenhos do estilo lutador português. Somos assim mesmo. Feios, rudes às vezes, mas com coração. E não há no mundo um coração mais valente que o português.

Talvez por causa da colonização exploratória desde 1500 e também pelos lacaios e parasitas que chegaram com a corte de D. João VI, exista desde os bancos escolares um sentimento antilusitano. As piadas de português, que eu também conto com propriedade, são a prova do oprimido fazendo troça com o opressor. 

Não me importo. 

Como disse, eu mesmo as conto. Só não gosto de deslealdade, de desonestidade. Se nossa crônica especializada fosse honesta no propósito de informar, veria que existe um trabalho sério em Portugal para fazer o futebol dar certo. Que desde a chamada Geração de Ouro da década de 1990, Portugal não para de revelar valores de excelência mundial. Cristiano Ronaldo, Renato Sanches, Figo, João Pinto, Sérgio Conceição, Rui Costa. Não é de graça.


Admitam que não somos um time de um jogador só. Só dessa vez. Ou melhor, a partir de agora. Para desespero dos comentaristas pré-fabricados, fomos campeões sem Cristiano em campo durante quase 100 dos 120 minutos. Se os comentadores fossem realmente isentos, veriam que Portugal cresceu durante a competição, que mudou, que admitiu suas limitações e, dentro de suas qualidades, que foram muitas, chegou com mérito sim a Paris, e para pegar um time forte, com mais camisa, em casa, e moralizado por uma vitória incontestável sobre a poderosa Alemanha, mas com chances reais de fazer história.
GIGANTES Pepe e Renato Sanches brilharam
 na Euro-2016 (AFP/Getty Images)
Teriam notado que o jogo seria outro. A França, contra a Alemanha, deu a bola e marcou. Contra Portugal, teria que propor o jogo, ainda mais depois da infeliz (e leal) entrada do ótimo Payet, que alijou Cristiano da disputa.

Seria de bom tom levarem em consideração que, desde 2000, Portugal participa de todas as Copas e Eurocopas, seguidamente. Países como Inglaterra e Holanda falharam ao menos uma dessas competições. Portugal não. Talvez fosse pedir demais, e reconheço isso, levar a sério o fato de que Portugal é a única seleção europeia a garantir passagem a todas as quartas-de-finais, pelo menos, de todas as Eurocopas que disputou. Se o escrutínio for bem feito, verão que, em sete participações, nós estivemos em cinco semifinais, coisa que ninguém fez. 

Ao falar do caminho suave que Portugal teve até a final, poderiam ter percebido que os adversários dos franceses também não foram dos mais gabaritados. A França só enfrentou um time realmente forte nas semifinais.

O herói improvável saiu do banco para nos dar a maior vitória de todos os tempos. Rui Patrício, um goleiro contestado, foi gigante durante a prova toda. O "tosco" Pepe, irrepreensível. Nani e Quaresma, que nem nós levávamos a sério, foram monstruosos. Uma vitória que nos coloca, enfim, entre os grandes. 
O MAIOR GOL DO MUNDO Ederzito faz história e marca o gol mais
importante da história do futebol português (AFP/Getty Imagens)
Que nunca mais nos olhem por cima dos ombros. Não precisa nem passar a gostar de nós. Basta que nos respeitem. 

Impressões sobre a Euro-16

Por Humberto Pereira da Silva*


Uma das premissas do jornalismo é o exagero: fazer ver ao espectador desatento algo que ele não veria não fosse dado grande destaque. Assim, nenhuma novidade quando uma notícia ganha destaque e logo depois é esquecida, sem considerandos.

Nessa Euro-16 a noticia veio da Islândia. A surpresa do torneio, pois chegou às quartas de final. Ora, o futebol islandês jamais havia participado de competição tão importante e, para surpresa geral, na fase de grupos classificou-se na frente de Portugal de Cristiano Ronaldo e, nas oitavas de final, despachou a “poderosa” Inglaterra.
BOLA DA VEZ Islândia cumpriu bem o papel
de surpresa na Eurocopa (Reuters)
Ocorre que, numa rápida inspeção por torneios como Copa de Mundo e Euro, a constatação de que a Islândia agora foi a bola de vez. Uma seleção sem tradição futebolística que em razão de circunstâncias bem específicas avança e cai no meio do caminho.

Vejamos: depois de golear o Uruguai na Copa de 86, na partida seguinte a Dinamarca foi humilhada pela Espanha; depois de desbancar a forte Argentina em 94, a Romênia caiu diante da Suécia; depois de superar os ingleses, os islandeses foram atropelados pelos franceses...

Podia ainda pensar na Polônia em 74, na Croácia em 98, mesmo na Costa Rica em 2014...; nenhuma novidade, portanto, na esperada surpresa, senão que agora foi a vez da Islândia. Para mim será surpreendente, de fato, se a Islândia passar bem pelas eliminatórias e voltar a brilhar na Copa da Rússia.

Deixando a “surpresa” de lado, a surpresa é não se perceber, antes, as seleções candidatas à decepção. A da Bélgica, apontada pela imprensa como favorita ao título, também era candidata à decepção; e assim, como decepção, caiu diante do apenas entusiasmado País de Gales.
PELO CAMINHO Elogiada geração belga não foi
 além do seu tamanho (Getty Images)
A atual geração belga é forte e criou-se a expectativa de que a seleção seria campeã. Mas o futebol belga, convenhamos, nunca passou de força intermediária na Europa. E como força intermediária nunca foi além de forças intermediárias como Holanda, campeã da Euro em 88, e da Dinamarca, que arrebatou a Euro em 92.

Claro, a Bélgica podia repetir essas duas seleções; mas claro também que a expectativa em seleções intermediárias é para saber a partir de que momento elas serão consideradas decepção. Pela incrível previsibilidade, a “grande decepção” em torneios como Euro e Copa do Mundo é não haver decepção. Nesse sentido, a Bélgica fez bem seu papel: a favorita que provavelmente decepcionaria. Nenhuma novidade, portanto, no fiasco da Bélgica.

Assim como nenhuma novidade em “novo” fiasco inglês. Sobre a Inglaterra, aliás, a estranha insistência em colocá-la como força de primeira grandeza. A liga inglesa é forte, de primeira linha, sim, mas a seleção...
NOVO FIASCO DE SEMPRE A Inglaterra não decepcionou
 e caiu como sempre Paul Ellis/AFP/Getty Images)
 
A melhor colocação inglesa na Euro foi o terceiro lugar; obtido duas vezes: em 68 e em 96, quando jogou em casa. Pondo na mesa a Inglaterra na Copa do Mundo, apenas uma final, cinquenta anos atrás, quando se sagrou campeã e sediou o torneio. É pouco, muito pouco para se por o futebol inglês em primeiro plano, esperar título como se...

Países futebolisticamente periféricos – Portugal, República Tcheca... – ao longo da história são mais constantes que a Inglaterra: os tchecos chegaram a duas finais de Copa do Mundo e já levaram a Euro. Ainda que a desclassificação diante da Islândia exija mais que clichês de ocasião, certo é igualmente que a Inglaterra chegou onde tem chegado nessas últimas décadas: no meio do caminho em competições importantes.

E já que colocamos Portugal no circulo periférico, eis um país que não é uma potência futebolística mundial e para o qual as palavras “surpresa” e “decepção” não são gratuitas. Desacreditada, a seleção portuguesa chega onde não se imagina; envolta em otimismo, os lusos fraquejam inexplicavelmente.
A derrota para os gregos na final da Euro-04 é um trauma lusitano. Do futebol grego, que, sim, venceu surpreendentemente, se pode falar que o surpreendente pode acontecer. No futebol, os gregos não são mais que os suíços, para ficar na Europa, ou... os costa-riquenhos, para virmos à América.

Assim, quando Portugal perdeu em sua própria casa a Euro-04 para a Grécia, pode-se falar em decepção. Uma seleção, que na época tinha Luís Figo entre os melhores do mundo, perder a final em casa para um país que mal existe no mapa do futebol?

O otimismo luso gera a sensação de que sua seleção é mais do que se espera. Convém não exagerar, o futebol português, exceção talvez em 66, nunca foi deslumbrante. Sendo assim, quando mais se espera, vem frustração.

Mas se o futebol português muitas vezes é menos do que se espera, não é menos verdade que muitas vezes há um agigantamento que faz dos lusos mais do que se espera. Ora, não é gratuito que Portugal – na Euro e na Copa do Mundo – tenha invariavelmente se colocado entre as semifinalistas nesses últimos doze anos após o trauma com a Grécia.

De Portugal, convém não guardar expectativa exagerada; como igualmente convém supor que pode ir onde não se espera. Pois nesse sentido o futebol português é incrivelmente excêntrico. Sem ter jamais uma esquadra exatamente forte, exuberante, consegue por vezes ter um jogador que carrega o time, um jogador acima da normalidade: antanho foi Eusébio; não faz muito, Luís Figo; hoje é Cristiano Ronaldo.

Não seria injusto dizer que, na década de 1960, Eusébio foi para Pelé o que hoje Cristiano Ronaldo é para Messi...; ou seja, de um país que revela Eusébio, Figo e Cristino Ronaldo se pode esperar muito. Mas justamente por que avis rara, em jogadores desse porte um brilho que pode ser ofuscado pelas circunstâncias específicas de uma partida.

Por fim, falemos da França, país sede da Euro-16. Ao contrário da Inglaterra, entendo que a França é uma das potências do futebol mundial. E tem ratificado essa posição ao longo dessas últimas décadas com seguidas e constantes gerações de jogadores geniais.

Na década de 1980 floresceu na França a magnífica geração de Michel Platini; para não ficar atrás, uma nova geração de jogadores extraordinários, comandados por Zinedine Zidane, fez história no final do século passado e início deste.

Nesta Euro-16 a França desponta com uma nova geração. Com talentos do quilate de Paul Pogba e Antoine Griezmann, a França já havia deixado impressão positiva na Copa-14, mesmo caindo diante da Alemanha. É cedo ainda para asseverar, mas essa nova geração tem tudo para repetir conquistas das anteriores gerações francesas.


Em suma: com o declínio espanhol, que durante o último decênio pontificou no futebol europeu e mundial, se excluirmos que a Alemanha é a Alemanha, que a Itália é a Itália..., os franceses bem podem ocupar o lugar que coube à Espanha: com futebol vistoso e jogadores fora de série, protagonizar as próximas competições.

*Humberto Pereira da Silva, 52 anos, é professor 
universítário de Filosofia e Sociologia e crítico de
cultura de diversos órgãos de imprensa.

sábado, 9 de julho de 2016

Às armas e às glórias, Portugal!

O ARRANQUE Portugal comemora classificação
sobre a Dinamarca (Getty Images)

São dez derrotas seguidas. 41 anos sem vencer. Três eliminações em três confrontos oficiais. Sem contar que o adversário venceu duas das três grandes competições que organizou. É este o tamanho da encrenca que Portugal terá pela frente neste domingo na final da Euro 2016, quando enfrentará a dona da casa França no mesmo Saint-Denis em que os gauleses destroçaram o Brasil em 1998. 

O único texto com algum fragmento informativo que você, leitor, encontrará aqui está no parágrafo acima. Me assumo incapaz de escrever qualquer coisa com cores imparciais. Tem Portugal na final. Tem sofrimento garantido. E não vou me privar de torcer, ainda mais aqui neste espaço.
NO ALTO Com Cristiano Ronaldo, Portugal
quer fazer história (Getty Images)
A França é favorita e despachou a poderosa Alemanha no único jogo grande que teve pelo caminho. Portugal empatou seus cinco primeiros jogos.  O regulamento que permitiu a classificação sem vencer é questionável. O retrospecto é desfavorável. Sei de tudo isso.

Aí eu pergunto: e daí?

A Itália vivia eliminando a Alemanha, que sempre passava por cima da França, que sempre ganha de Portugal. Chegou nossa hora de ir à forra. De subir um patamar. Bem ou mal, sob o comando de Fernando Santos, Portugal está invicto em jogos oficiais. São 13, sendo oito vitórias (sete nas Eliminatórias). 

É nisso que acreditamos.
DIFERENCIAIS Em grande fase, Nani e Renato Sanches
 são destaques de Portugal (Getty Images)
Não fosse assim, nenhum bigodudo no século XV se aventuraria em caravelas pelo mundo afora. Não fosse assim, teríamos sucumbido à superioridade numérica dos castelhanos e franceses na Batalha de Aljubarrota, quando Portugal saiu do jugo espanhol.

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Nada disso entra em campo, é verdade. Mas a hora é de subverter a ordem. De devolver as eliminações nas meias-finais das Eurocopas de 1984 e 2000 e na Copa de 2006. 

É hora de mostrar à Europa inteira que Portugal não pereceu, como diz "A Portuguesa". Que teu braço (e pés) vencedor, que deu novos mundos ao mundo, agora dê um mundo novo a Portugal.

Às armas, Portugal! Sobre a terra. Sobre o mar. Sobre a relva É sobre amor. É amor de sobra. É Portugal.       

quarta-feira, 6 de julho de 2016

Precisamos falar sobre o Denis

Por Leandro Marçal*
HERANÇA MALDITA? Denis é questionado após sucessivas
 falhas no gol tricolor (Juan Mabromata/Getty Images)
“O que foi dessa vez?”, era a frase que minha mãe sempre dizia quando chegava em casa com algum convocação de professora ou diretora para ir à escola. Eu, claro, abusava de argumentos absurdos para tentar convencê-la e a meu pai de que eu era um injustiçado. Nesse caso, as boas notas me salvaram.

Mas o que vai salvar Denis da próxima vez que o torcedor são paulino fizer a mesma pergunta acima após uma provocação dos rivais? O peso de substituir um dos maiores nomes da história do São Paulo já deixou de ser um argumento razoável há tempos e já não justifica mais nada.

Cada bola aérea é um semi-infarto. Cada chute a gol me traz mais medo do que o elevador do Hopi Hari. E as rebatidas? São como um cão pitbull desconhecido vindo em minha direção numa rua qualquer.


Desconfio de qual seria a reação de Jó se um último teste divino fosse ter o guarda-metas tricolor em algum amistoso em seu time no antigo testamento. A cada jogo, Denis fica tão indefensável quanto esse trocadilho com um goleiro.

Sua reação no gol é como a de quem acabou de tirar sua carteira de habilitação e se assusta quando um ônibus buzina. É o medo da morte. É a espera pela tragédia anunciada.

Com uma semifinal de Libertadores e todo um Campeonato Brasileiro pela frente, o medo aumenta exponencialmente.

Esperamos que o sermão dos pais e da diretoria sejam suficientes para que ele pare de aprontar e que toda a classe não seja reprovada na disciplina Tetracampeonato da libertadores da América.

*Leandro Marçal é um jornalista de 24 anos, torce pelo Tricolor Paulista
 e por um mundo menos hipócrita e com mais bom humor.
E, apesar do nome de sambista, é incapaz de tocar um reco-reco.
Ainda assim, é o Rei da Noite de São Vicente.

terça-feira, 5 de julho de 2016

Sobre bipolaridade e Cristiano Ronaldo

SE PERDER, QUE SE F... Cristiano Ronaldo "convence" João Moutinho (8)
 a bater um dos pênaltis contra a Polônia  (Catherine Ivill/AMA/Getty)
Cristiano Ronaldo é uma cara que desperta paixões na mesma proporção em que faz aflorar um ódio mortal em quem não suporta sua estampa moderninha. Ele é uma figura das mais difíceis de interpretar. E das mais fáceis também.

Quando pressionado, é capaz de falar as maiores bobagens do mundo, como reclamar da alegria de um adversário a quem fora incapaz de ajudar a derrotar (posto que futebol é esporte coletivo), maldizer o nível dos companheiros de equipe ou atirar num lago francês o microfone de um repórter pago para fazer o jogo cretino de um jornaleco de merda de Portugal.

Ele costuma dar milho para bode sempre que troca os pés pelas mãos. isso sem contar os motivos bestas que gente tão besta quanto usa para diminuir seu inegável talento: olhar para o telão a cada gol perdido, fazer a sobrancelha, usar xampu anti-caspa. "Ó, que pecado! Que marra!"

Aí faz três ou quatro gols e vira o mais amado de novo. E perde um clássico para o Barcelona, E vira pipoqueiro. Consegue a proeza (não para ele) de marcar 50 gols ou mais na temporada, como nas últimas seis. É craque! Afunda com Portugal (o que é normal). Ah, é marqueteiro. Bom é o Messi!

Ele não tem tido uma Eurocopa das mais felizes, muito por culpa dele mesmo, como já dissemos aqui. Ainda assim, foi essencial para classificar Portugal para o mata-mata ao acabar com o jogo contra a Hungria, que é o mínimo que se espera de um jogador de seu nível, embora fosse um jogo desfavorável por todo o contexto, inclusive sendo um dia depois de fazer o tal microfone submergir em Lyon.

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Paralelamente, Messi fazia chover na Copa América, vestindo a camisa da Argentina. Não é preciso citar como terminou o torneio de seleções americano. Apenas trago o assunto à baila para mostrar o tamanho da encrenca que colocava em lados opostos "lionetes" e "ronaldetes", como se fosse impossível gostar de ambos.

Não, meninos. Não é! Aceitem. Apenas aceitem.

Para completar, Cristiano Ronaldo havia perdido um pênalti no fim do jogo com a Áustria, o que ajudou para que Portugal não vencesse nenhuma partida na Eurocopa até o momento.

Eis que chegou o jogo das quartas de final, no qual ele, Cristiano, fez uma partida tecnicamente sofrível, furando na frente do goleiro dois gols certos ("pipoqueiro!"), que dispensariam a necessidade do drama das penalidades.

Mas Ronaldo precisava.

Um hiato aqui para servir de intróito ao que vem:

Você, leitor, poderia estar em coma desde junho de 2014 até ontem; ou ter sido sequestrado pelas FARC numa excursão com o pessoal do cursinho para a Colômbia; ou mesmo ter sido abduzido por alienígenas. Se não se encaixar em uma destas três possibilidades, certamente sabe que Thiago Silva, capitão da Seleção Brasileira, amarelou bonito na disputa de pênaltis na Copa de 2014 contra o Chile. Mesmo não ligando lhufas para o futebol, saberá também que a braçadeira não tem caído bem no braço do mimadinho Neymar, aquele que andou chamando de babacas toda a gente que não lhe lambe as chuteiras.

Voltemos à marca da cal do Velodrome.

Após a partida abaixo da crítica contra os poloneses, o camisa 7 abriu a disputa de pênaltis, converteu e ajudou Portugal a chegar às meias-finais. Até aí, nada que já não tivera feito antes. 

Até aí.

Até aí porque, desde ontem, circula na internet um vídeo que mostra a liderança do capitão português (a quem já critiquei aqui e aqui) antes dos pênaltis. O meia João Moutinho, que entrou durante a partida, não estava lá muito disposto a bater. 

Cabe salientar, pois, que ele, Moutinho, foi um dos que perdeu sua cobrança contra a Espanha, nas semifinais da Euro 2012, quando Portugal ficou pelo caminho. Destaca-se também que o jogador do Monaco não faz uma campanha das melhores na França, tendo perdido até o lugar no 11 de Fernando Santos.  

Cristiano não só convocou o camisola 8 a bater como o encheu de ânimo e tirou-lhe toda a responsabilidade no caso de novo erro. Moutinho bateu com perfeição, Portugal converteu os cinco chutes, se classificou para a quarta semifinal em cinco Eurocopas e o mundo voltou a amar Cristiano Ronaldo.

Ao menos até o próximo jogo.



Veja o vídeo de Cristiano convocando João Moutinho:


segunda-feira, 4 de julho de 2016

Decime que se siente

Umas das acusações mais recorrentes feitas ao genial Lionel Messi é que ele não sente a camisa da Argentina. Que é mais espanhol do que argentino, se é que ainda lhe restaria algo da terra de Perón no caráter. Que é um pecho frio (peito frio). Não cantar o hino do país antes das partidas também depõe, segundo seus detratores, contra si.

Vale, aqui, contextualizar:

Jogando nas categorias inferiores do Newells Old Boys, Messi foi detectado com uma disfunção hormonal que limitava seu crescimento. Como nem o Newells ou outro emblema argentino quis custear o tratamento de 900 dólares por mês, seu pai o levou à Espanha, onde fez testes no Barcelona e foi aprovado imediatamente pelo clube blaugrana, que não só pagou seu tratamento, como empregou seu pai. 

Se quisesse, La Puga poderia optar pela seleção espanhola, mas nunca escondeu de ninguém sua preferência pelo seu país natal, tampouco ter Los Leprosos como time de coração.

Mas por que o cobram tanto?

Messi é acusado de não render pela Albiceleste o mesmo que joga na Catalunha, como se os jogadores que o acompanham fossem os mesmos. Sua personalidade introspectiva reforça a impressão de indiferença, o que faz com que, a cada partida ruim ou desaire pela seleção, os críticos cantem o mesmo tango de sempre. 


Messi chegou a um patamar que não precisaria provar mais nada a quem quer que seja. O problema é que ele é o expoente técnico de uma geração talentosa, mas que não ganhou nada, exceto duas medalhas de ouro olímpicas.

Ao perder sua quarta decisão com a camisa da Argentina (a terceira em três anos seguidos), o genial camisa 10 resolveu abdicar da Seleção, admitindo que fracassou na missão de dar ao país historicamente acostumado a vencer um título que não vem há 23 anos.
Estar à frente do fracasso, após arrebentar em todos os jogos que participou no torneio, o colocou na berlinda outra vez, como quem sucumbe à pressão de ser tão grande usando azul e branco quanto foi Maradona, sua sombra mais escura, mais densa. Justamente este ano, faz 30 que El Pibe de Oro conduziu, praticamente sozinho, uma equipe limitada ao título mundial. E a tão inevitável quanto injusta comparação pesa, embora pese mais ainda quando o Messi argentino é medido pelo Messi barcelonista.  

Pela primeira vez, Messi foi responsável direto pelo infortúnio ao isolar sua cobrança em Nova Jersey. Do contrário das outras ocasiões, desta vez Messi desabou. O desespero ao chutar para fora, cobrindo o rosto com a camisa, como se tentasse buscar refúgio, e que era potencializado a cada gol chileno. O choro antes da premiação. A culpa. Tudo isso desnudou um Lionel Messi que a Argentina desconhecia, um craque com coração e alma. E caráter.

O sofrimento tipicamente portenho o retirou do pedestal, devolveu-lhe a cidadania e o redimiu do pecado de não se sentir argentino. 

Messi entre a cruz e a espada

Por Humberto Pereira da Silva*

ACABOU? Messi lamenta derrota na Copa América
Centenária (Adam Hunger/Reuters)
Lionel Messi falhou contra o Chile, na decisão da Copa América Centenária. Depois do empate no tempo regulamentar e na prorrogação, Messi perdeu pênalti na disputa final e a Argentina, a Copa.

Mais uma vez, pela terceira consecutiva, a Seleção Argentina chega à final nos últimos três anos e deixa o título escapar. Mais uma vez Messi não consegue ser campeão pela seleção de seu país. E nessa última decisão, para agravar, ele perdeu um pênalti decisivo.

Dias depois, em enquete do UOL para importantes jornalistas esportivos, duas perguntas: qual a responsabilidade de Messi nesses fracassos? Que lugar ele ocupa na História?

Pouco importa quais respostas foram dadas. Melhor, foram espontâneas, resultaram do calor da hora. Justamente por isso elas, e quaisquer outras, dizem alguma coisa tanto quanto não dizem nada. Sobre as questões do UOL, então, vale apenas especular.
PRIMEIRO REVÉS: Ainda coadjuvante, Messi caiu para um
Brasil reserva na final da Copa América de 2007 (Getty)
Para a expectativa geral, com o que fez e conquistou pelo Barcelona, Messi fica exposto a extremos: vencendo é endeusado; perdendo torna-se alvo de críticas sem meio termo.

A derrota é imperdoável para um craque na sua condição, daí a cobrança desmedida. Mas futebol, não nos esqueçamos, é um esporte coletivo: somente a miopia de muitos faz crer que individualidades são necessárias e suficientes.

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Vencedores e vencidos 


A situação que se oferece a Messi na Albiceleste não é a mesma da do Barcelona. Na seleção, falta-lhe uma condição essencial, vital: alguém que assuma a liderança da equipe, um Iniesta, e assim lhe permita somente jogar futebol.
VICE NA COPA DO MUNDO Escolhido melhor jogador da Copa de 2014,
Messi não conseguiu levar Argentina ao título (Xinhua/TELAM)
Na Argentina, nenhum jogador tem o papel de Iniesta. Com isso, Messi é colocado na posição de assumir um papel para o qual não tem qualquer aptidão: liderar. Messi não tem predisposição para ser líder.

As razões para isso não cabem em especulações dadas no calor da hora. De fato, como já foi levantado sem esclarecimentos plausíveis, ele sofreria de Síndrome de Asperger? Se não, o fato é que diante de uma situação desfavorável, na qual se esperaria dele ser mais que um jogador extraordinário, ele sucumbiu à pressão.

No futebol, o individualismo, a magia de um craque, não é suficiente numa situação de decisão. Messi falhou em grande parte nessas três decisões de que participou porque nelas ele contou somente com seu extraordinário talento.

Um extraordinário talento, contudo, pode ser uma condição necessária, mas não suficiente. Messi não é dotado da capacidade que alguns poucos jogadores têm, mesmo que tecnicamente menos talentosos, de controlar, estabelecer o ritmo de uma partida e assim comandar seus companheiros. Se essa capacidade foi um fator decisivo, Messi não pode ser cobrado pelo que não podia oferecer.
TERCEIRA FINAL PERDIDA No Chile, Argentina cai nos pênaltis
 para o time da casa. Messi marcou o seu (Veja.com/AFP)
Mesmo assim não deixa de ser incomum uma equipe chegar a três decisões seguidas e perdê-las. Um detalhe ou outro no jogo de circunstâncias e a Argentina teria vencido esta ou aquela das três decisões.

Sim, mas o fato e que a Argentina e Messi perderam as três. E é na decisão, efetivamente, que se mede a pressão sobre um jogador fora-de-série. Perder as três deve trazer alguma coisa sobre a incapacidade emocional de Messi na hora H.

A esse respeito, a segunda questão da enquete do UOL: que lugar lhe cabe na história?

O futebol legou uma galeria de jogadores fantásticos. Messi está entre estes. As circunstâncias de seus fracassos na Seleção Argentina, contudo, alimentarão polêmicas. O que me parece mais notável é que seus insucessos na seleção lançam dúvidas sobre suas conquistas no Barcelona.
MAIOR DOR Messi perde pênalti e é vice pela
 quarta vez com a  Argentina (Getty) 
Quer dizer, se futebol fosse exclusivamente talento com a bola nos pés, não seria exagero sustentar que Messi é o craque mais maravilhoso que o futebol conheceu. Mas futebol não se restringe a talento individual. Independentemente de números, estatísticas e folclores, na hora H Pelé ou Maradona foram assustadoramente colossais.

Diante deles, para mim, na hora da decisão Messi é pequeno; carece de alguém do lado para que despreocupadamente possa exibir seus dotes de fora de série.

*Humberto Pereira da Silva, 52 anos, é professor 
universítário de Filosofia e Sociologia e crítico de
cultura de diversos órgãos de imprensa.

sábado, 2 de julho de 2016

Vencedores e vencidos

FIM DE BATALHA O choro do maior de todos os
tempos (E F E)
No futebol um ganha e um perde. Não há saída. Nesta noite, em Bordeaux, pela primeira vez a Alemanha saiu vencedora no duelo com a Itália. Duas camisas das mais pesadas da História em campo. Um vencedor na injustiça cruel da disputa por pênaltis, mas nenhum derrotado.

A Itália chegou à França desacreditada, que é como ela se sente bem. Dominou a tão falada geração belga, não tomou conhecimento da bi-campeã Espanha e fez um jogo memorável com os temíveis alemães, atuais campeões do mundo e que pegaram no breu.

Sob as metas, o maior goleiro do mundo e o maior de todos os tempos, que teima em contrariar o tempo e opera milagres. Dois times com arqueiros à altura de suas histórias. Buffon, que foi gigante, chorou ao fim da disputa.
O choro do histórico portiere italiano é compreensivo, mas injusto. Nenhum dos jogadores que participaram da épica batalha, que teve o tamanho de uma final, tem tantos motivos para se orgulhar. Foi o capitão de um time inferior tecnicamente, mas que ninguém foi capaz de superar no coração.

Segue a Alemanha, que foi gigante como o desafio exigia. A Itália volta para casa de la testa alta porque tinha que passar apenas um e desta vez foi a Mannschaft. Com orgulho de quem resgatou a mística de uma das mais importantes camisas do mundo. 

Sem essa de derrotada. Perde somente quem acha que o futebol de seleções acabou; que gosta do mundinho dos grandes clubes, dos agentes, dos super-salários, de quem não se importa com derrotas. O choro de Buffon, cinco Copas e cinco Euros no currículo, mostra quem venceu: o futebol. 

sexta-feira, 1 de julho de 2016

Quando Kahn rebateu

Por Leandro Marçal*

É PEEEEENTAAAA! O até então inexpugnável Kahn
solta a bola nos pés do artilheiro da Copa (AFP)
Foi naquele 30 de junho que um topete feio venceu as costeletas também desprovidas de beleza.

Precisamos de pouco mais de 67 minutos de jogo (sim, eu precisei usar a calculadora para somar os 45 do primeiro com os 22 do segundo tempo) para Ronaldo vencer pela segunda vez o alemão com cara de bravo, que incultos elegeram o melhor daquela Copa do Mundo.

Quem tem entre 25 e 30 anos, certamente guarda aquele Mundial de seleções com uma ternura de infância, quando a privatização da Seleção Brasileira era menos visível ou enxergávamos menos.

Há 14 anos, éramos quase 180 milhões de brasileiros acordando de madrugada para ouvirmos Galvão Bueno berrando os gols de uma suposta família Scolari de um tempo que o futebol nacional tornava a vida mais suportável como a literatura ou a arte.

Minha distante e eterna infância me convence que apenas uma tia chata de minha mãe não viu os dois gols do dentuço e o Kaká quase entrando em campo ao fim do jogo e o samba e a Fátima antes do Encontro e o Galvão sem gel no cabelo e o Marcos com cabelo e tudo o que o YouTube mostra com a frieza de imagens que não traduzem sentimentos e lembranças de quem viveu aquilo.


Sem em 98 os gritos de TAFFAREEEEEEEEELLLLLLLL foram marcantes e a de 94 eu, então com três anos incompletos, não guardo nenhuma recordação, aquele 2002 me apresentou de fato ao que era e representa o futebol ao mundo e à nossa cultura. Não havia outro assunto na escola.

Não havia outro assunto em casa, na rua, no bar.

Ninguém dormia até mais tarde (só a tia chata da minha mãe).

Custo a acreditar que já se passou 14 anos. Minha infância me diz que foi hoje de manhã, antes de vir pro serviço.

*Leandro Marçal é um jornalista de 24 anos, torce pelo Tricolor Paulista
 e por um mundo menos hipócrita e com mais bom humor.
E, apesar do nome de sambista, é incapaz de tocar um reco-reco.
Ainda assim, é o Rei da Noite de São Vicente.