sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Pai, quanto é quatro mais um?


– Pai, quanto é quatro é mais um?
– É cinco, filho.
– E o que significa ênea?
– Ênea é o Palmeiras, filho! ENEAAAAA!
– Como assim, pai? O que significa?
– Sabe que eu não sei? Espera um pouco. Ênea? Hummm… Deixa-me ver – o pai abre o Google para pesquisar. Ah, tá aqui: ênea vem do grego e significa nove.
– É grego tipo o arroz à grega que a mãe faz?
– Não, não é.
– Então é tipo churrasco grego que vendem do outro lado da rua…
– Filho, não tem nada a ver com comida. É a origem da palavra. Ó, tá escrito aqui – aponta pra tela do celular. Mas por que você está perguntando isso?
– Pai, eu ouvi na TV que o último título brasileiro do Palmeiras foi em 94. O senhor falou que era… quando é oito, como fala?
– Espera aí, que vou ver e te falo – e desliza o dedo na tela do celular para voltar à página de busca. É octa, filho. Achei. Oito vezes é octacampeão.
– Então, tipo, o senhor comemorou dizendo que era octacampeão?
– Não, falei que era tetra porque o Palmeiras tinha sido campeão em 1972, 73 e 1993. E ganhamos em cima do Corinthians! O Rivaldo, que tinha jogado neles, arrebentou com o jogo. O Branco deve sonhar com ele até hoje.

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– Então o Brasil também é eneacampeão – insistiu o menino, pouco interessado nos detalhes da decisão de 1994.
– Não, é penta!
– Mas por quê?
– Porque ganhou cinco vezes.
– Mas aquele narrador lá que ficava falando “gol da Alemanha”…
– O Galvão Bueno, filho!
– Isso! ele mesmo. O Galvão Bueno, tipo, não tava abraçando um cara lá e gritando “é tetra”?
– Onde você viu isso, filho?
– Eu vi no Youtube, pai.
– Ah, tá. Estava porque aquela era a quarta Copa que o Brasil ganhou. O Brasil foi tetra em 94 e ganhou mais um depois, em 2002. E o “cara lá” que ele abraçava é o Pelé!
– Ué. O Palmeiras também era tetra e ganhou só mais um também. Como é ênea?
– …
– Pai?

sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

Como passar vergonha em 11 passos

Quer queimar seu filme perante o país inteiro e causar uma vergonha eterna à sua torcida? É fácil. O Internacional ensina:

1) Contrate um treinador que irá tentar demitir por não gostar do seu estilo, mas que os resultados o manterão no cargo;

BODE NA SALA Diretoria colorada tentava se livrar de Argel
desde o Brasileiro de 2015. Excelente campanha e título no
Gaúcho seguraram o treinador (Feliz Zucco/Agência RBS)
2) Livre-se de seu capitão e maior ídolo da torcida, mesmo que nem ele ou a torcida queiram isso;

3) Monte um elenco com milhares de atacantes, meia dúzia de gringos de qualidade técnica duvidosa e um antigo ídolo do maior rival completamente fora de forma, mas com salário astronômico e contrato longo;

4) Demita o treinador e contrate outro que tenha identificação com o clube, mesmo que não tenha resultados que banquem a aposta;

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5) Mande-o embora menos de dois meses depois;

6) Aposte na velha receita do técnico-ultrapassado-que-sempre-volta-para-apagar-incêndio;

VOU, MAS EU VOLTO Milésima apresentação de Celso Roth no
 Internacional (Tomás Hammer/Globo Esporte.com)
 
7) Mande-o embora a três rodadas do fim do campeonato e praticamente afundado na zona do rebaixamento;

8) Para evitar a queda, apele pro tapetão;

9) Reclame publicamente se seu jogo for adiado devido a um acidente que vitimou praticamente um time todo e causou comoção mundial;
9.1) Compare a morte de mais de 70 pessoas ligadas à mesma modalidade esportiva à sua briga, que você pode chamar de "nossa tragédia";

"TRAGÉDIA PARTICULAR" Fernando Carvalho pisa
 na dignidade colorada (Tomás Hammer)
10) Na maior cara de pau, use a tragédia para tentar melar a última rodada e o quase inevitável rebaixamento;

11) Use seu elenco para isso.    
CEREJA DO BOLO Jogadores do Inter manifestam desejo de não mais
atuarem pelo Brasileirão, mas não falam sobre a posição final na tabela

Nada será como antes

por Leandro Marçal*

Sinto o mundo e o meu país se desmanchando e escorrendo pelo ralo. É como se entrássemos em um buraco negro sem fim ou tentássemos erguer as mãos em busca de socorro, enquanto afundamos em uma areia movediça criada por nós mesmos em nossa vaidade e ganância sem fim. Ganância essa que, na tentativa de diminuir custos, levou vidas, sonhos, destinos. Destroçou famílias e deu uma voadora na alma de quem não mora em Marte.

Inaceitável, revoltante. Nada será como antes. Não seremos as mesmas pessoas depois disso tudo. Sinto-me jogado em um liquidificador e ainda não processei isso tudo. Quem já passou pela terrível experiência da morte de pessoas próximas sabe bem a transformação sofrida na alma nesses momentos de necessária reinvenção interna. Dali em diante não seremos os mesmos, é impossível.

Sinto isso quando passo em frente à casa do meu queridíssimo amigo, sr. Ayrton, ao ver aquela minha foto de quimono ao lado do tio Manoel, quando os olhos de minha mãe se enchem feito água borbulhando ao contar histórias de meu vô Edezio ou me recordo dos últimos dias da tia Nice em cima de uma cama. Não fomos os mesmos depois dessas partidas.

Foi no fatídico 11 de setembro de 2001 que passei a entender melhor o quanto a vida é banal, frágil como meus ralos ralos de cabelo, muitas vezes nas mãos de quem não conhecemos e pouco se importam com nossa existência. Naquele dia chuvoso em que, ao passar da esquina, minha mãe resolveu que voltaríamos para casa e não haveria aula, entendi o quanto a violência e a maldade são traços inacreditáveis do ser humano (escrevi sobre isso aqui). 

Mudei depois daquele trauma. Como sinto que não serei o mesmo depois desta semana pesada. Tão pesado e denso, nos fez lembrar o quanto a vida é triste, Sizenando (leia aqui).

A tão necessária e ignorada empatia não me deixa, ainda, passar batido por qualquer matéria, entrevista ou conteúdo referente aos atletas, comissão, dirigentes e jornalistas que nos deixaram, me sinto entorpecido. Já não faz sentido a última rodada ou a final pendente no calendário brasileiro. Só nos bastam as necessárias e lindas homenagens, bem como as demonstrações de mau-caratismo dos que se aproveitam de tão delicado momento para um país, para os humanos. Este 2016 precisa acabar logo, se é que deveria ter começado. Ano cruel, vilão, sádico. Em todos os campos e segmentos.

Nada mais será como antes: a cidade, o clube, o futebol, as viagens, as famílias, os torcedores, a cor verde, a Sul-americana, a Colômbia, o Brasil, o 29 de novembro, a mídia esportiva, o mundo esportivo, o riso, o choro, o Atlético (ah, o Atlético Nacional...). Eu. Nós.

Nada será como antes.

*Leandro Marçal é jornalista e tem 25 anos