quinta-feira, 22 de junho de 2017

Silêncio e vingança. CBF veta amistosos da Chape na Europa

CBF NÃO DEIXA Clube teve que dizer não ao convite benfiquista
  para participar da festa de abertura da temporada
Em menos de uma semana, a Chapecoense recebeu duas facadas da CBF. O clube, que já havia declinado ao convite do Benfica para participar da Eusébio Cup, terá que abir mão também da disputa do Troféu Joan Gamper, do Barcelona.

A razão alegada pela entidade para impedir que a equipe se mostre no exterior e faça parte das tradicionais partidas em que os gigantes europeus apresentam seus times para a temporada é o calendário, já que há jogos pela Série A do Brasileirão e pela Sul-Americana, competições as quais a equipe catarinense disputa. Os jogos amistosos estavam marcados para os dias 22 de julho, no Estádio da Luz, e 7 ou 8 de agosto, no Camp Nou, com a Chape podendo escolher um dos dois dias.


Pura conversa fiada!

Vamos agora aos compromissos do Verdão do Oeste que gerariam conflitos de datas: no dia 23 de julho, o time catarinense visitará o Vitória, em Salvador; já no dia 6 de agosto, o jogo é com o Coritiba, também na condição de visitante. A solução seria alterar as datas destas partidas, que, é importante frisar, compõem rodadas que ainda não foram desmembradas. Ou seja, faltou boa vontade por parte da cada vez mais antipática CBF, pois datas mesmo é que não faltam. Pela Sul-Americana, há o jogo da volta contra o Defensa y Justicia, aquele timeco que eliminou o São Paulo, dia 25 de julho, dois - preste atenção: DOIS  dias depois do jogo com o Vitória, que deve ser antecipado para a véspera.

Se não, vejamos: há uma semana entre as rodadas 11 e 12. A Chape enfrenta o Fluminense fora no dia 3 de julho e só volta a campo no dia 9, contra o Atlético paranaense. Entre estes jogos, poderia ser encaixada sem problema nenhum a partida contra o rubro-negro baiano, uma vez que nenhuma das equipes têm compromisso agendado entre estes dias.

O jogo com o Coxa, no encerramento do primeiro turno, poderia tranquilamente ser antecipado para o sábado, dia 5, já que a rodada seguinte acontece somente uma semana depois e tanto a Chape quanto o Coritiba jogam na quarta, pela rodada de número 18. Daria para jogar pelo Brasileirão, viajar para a Espanha (com todas as despesas pagas, além de uma prometida ajuda financeira por parte da equipe catalã), participar da festa blaugrana como convidada de honra e voltar a tempo da retomada do campeonato nacional. Neste caso, a CBF nem pode alegar que jogar na quarta e no sábado pode ser prejudicial às equipes, pois esta condição deverá ocorrer para que entre o jogo com o Vitória e com o Defensa y Justicia haja um intervalo de três dias (que seria o mesmo, caso ela remanejasse a partida contra os paranaenses).

Engana-se quem pensa que isso já não precisou ser feito. Quando, em 2013, o São Paulo solicitou que seus jogos fossem alterados para participar de torneios amistosos no exterior (inclusive a Eusébio Cup), a CBF não pensou duas vezes em viabilizar a viagem tricolor, quando, exceto pelo jogo contra o Benfica, só passou vergonha. Foram três as partidas, entre as rodadas 10 e 12: contra o Náutico, do dia 1º de agosto, foi adiado para 3 de setembro; em vez de enfrentar o Bahia no dia 4 de agosto, o fez bem antes, em 10 de julho, a exemplo do que acontecera contra o Internacional, antecipado do dia 12 de agosto para 24 do mês anterior.

Mais coincidências que não teriam sido percebidas caso a CBF quisesse: o jogo com o Internacional aconteceu quando houve um hiato de uma semana entre a oitava e a nona rodadas; o mesmo foi observado entre as rodadas 6 e 7, que foi quando o time do Morumbi pegou o Bahia. Para acomodar o jogo com o Náutico, o Tricolor fez três jogos em cinco dias, em 1, 3 e 5 de setembro. Mas aí a tabela não atrapalhou. Talvez por se tratar do São Paulo. Como também fez com o Santos, que teve as datas de duas partidas modificadas para que pudesse apanhar de 8 do Barcelona no mesmo ano.

Em menos de 15 minutos eu arrumei as datas possíveis para viabilizar a participação da equipe. Bastou cruzar datas e tabelas das duas competições com os amistosos, coisa que a CBF sequer cogitou em fazer, pois não há interesse em facilitar a vida da equipe, para quem já não havia movido uma caneta sequer para ajudar na questão da escalação irregular do zagueiro Luiz Otávio, que acabou eliminando o time da Libertadores da América. Vale recordar que Delfim Peixoto, presidente da Federação Catarinense de Futebol e que desapareceu no mesmo acidente aéreo que vitimou a Chape, era desafeto político de Marco Polo Del Nero (que apesar do nome não pode viajar para fora do país), e que só não foi conduzido ao cargo de presidente da CBF quando Del Nero se afastou, no auge das denúncias de corrupção na entidade, porque houve a mutreta que possibilitou que o obscuro e conveniente Antônio Carlos Nunes, o Coronel Nunes, presidente da Federação Paraense de Futebol, fosse eleito vice-presidente da região Sudeste. Sendo mais velho que Peixoto, Nunes assumiu o cargo durante a vacância deixada pelo capo di tutti capi Del Nero.

Com a inexplicável recusa em mudar as datas dos jogos com a Chapecoense, a CBF deixa claras duas coisas: não está nem aí para o notável trabalho de reconstrução da equipe catarinense, e não me venham apontar o amistoso que o Brasil disputou com a Colômbia; e, principalmente, que trata-se de uma entidade extremamente vingativa.

O fato é que a solidariedade demostrada no lamentável acidente aéreo que vitimou o clube teve prazo de validade, para não dizer que, em muitos casos, foi oportunismo. Os clubes que, no ápice da comoção, ofereceram ajuda, agora se calam. Colocaram distintivo em site, em perfil oficial ou na própria camisa, inseriram trechos do hino no uniforme. Tudo muito bonito, mas é como abraçar árvore e não serviu para porcaria nenhuma. Todos eles, sem exceção, merecem cada esculhambação que parte desde a Barra da Tijuca. 7 a 1, amigos, realmente foi pouco, bem pouco.

quinta-feira, 8 de junho de 2017

O mundo é um moinho, Portuguesa

SOLIDÃO Pequeno torcedor durante o jogo em que a Lusa foi derrotada
 no Canindé por 5 a 0 pelo Botafogo (Fábio Soares/Futebol de Campo)
Domingo, 4 de junho de 2017. Neste dia, a Portuguesa perdeu para o Villa Nova por 2 a 1 e chegou à última posição de seu grupo na Série D do Campeonato Brasileiro. Bobagem falar que é o pior momento da quase centenária história do clube. Também é besteira apelar para o passado glorioso, de jogadores disputando Copas do Mundo, das goleadas contra rivais, dos craques como Enéas e Dener. Bobagem. Isso pode ser visto a partir de qualquer busca no Google.

O que deveria ser visto, e é simples, é o espiral para baixo em que se meteu o clube do Canindé. Nem preciso falar da escalação de Héverton. Foi o clímax de uma morte anunciada, uma crônica de uma doença crônica chamada, como dizem os antigos, de desmazelo. À época, eu era o assessor de imprensa do clube (permaneci até agosto de 2015) e quando o Coritiba tentou fazer com que pontos fossem tirados por uma suspeita de haver mais jogadores emprestados do que permitia o regulamento, alertei: é só o começo. Vão procurar até encontrar.

E encontraram.

Quem não se encontra desde então é a própria Portuguesa. A briga contra a CBF, na qual não passava de um Exército de Brancaleone. A trágica retirada do time de campo na estreia da Série B, quando dominava completamente o Joinville em Santa Catarina, foi a pá de cal na sepultura, de onde uma mão rubro-verde buscava força para sair, após um Paulistão heroico, em que não cair foi um título e tanto.


Quando o técnico Argel recebeu a ordem para chamar seus comandados de volta ao vestiário, de onde não mais sairia, foi decretada a paixão lusitana. Era a Sexta-Feira Santa de 2014, mas não houve ressurreição. Houve, sim, um lento e agoniante velório de 38 rodadas e de corpo presente, um féretro do qual o cadáver insepulto resolveu se levantar e, desde então, vaga sem rumo, como os mortos na Antares de Érico Veríssimo.

A sequência foi aterrorizante: rebaixamentos, cassino clandestino estourado dentro do clube (e com a presença do presidente), penhora de rendas, processos na justiça, o mesmo presidente garantindo ter a informação de quem pagou para que o jogador fosse escalado e depois indo pedir desculpas sob a alegação de ter tomado um vinho forte. Falta de pagamento de parcelas de acordos trabalhistas, dívidas em forma de bola de neve, greve de jogadores, de funcionários. Perda da dignidade humana. Deterioração.

VINHO MUITO FORTE Ao lado de Peter Siemsen, Ilídio Lico foi
 pedir desculpas por acusações feitas sobre o Caso Heverton (ESPN)
Quatro ou cinco técnicos durante o mesmo campeonato. 60 e poucos jogadores contratados em menos de 12 meses. Vi três treinadores sendo acertados no mesmo dia: um pelo diretor de futebol, outro pelo vice e outro pelo presidente (ficou o que se desligou do clube onde estava para acertar com a Lusa). E vi Rei do Acesso. E o milagreiro da Ilha do Retiro. Hipnólogo. Imagem de Nossa Senhora de Fátima jogada no lixo. Vi atletas disputando para ver quem levaria o pão com frios que sobrou na bandeja para casa. Ganhou o que disse que tinha filhos para alimentar. Vi renúncia atrás de renúncia, presidente-jornalista que criticou no ar o time que ele mesmo havia montado. “Competitivo”. Este era o mantra da gestão em um certame no qual o time quase foi despromovido ao terceiro escalão do futebol estadual, com direito à derrota em casa para o Botafogo por 5 a 0. Consultor famoso a custo zero, mas que não era consultado para nada. Falácia. Mixórdia. Morte lenta de dolorosa.

E vi gente abnegada, tentando erguer, ou salvar, o que restou do clube. A eles, alguns até amigos, meu respeito.

Não se enganem; faça o que fizer, a Portuguesa só começará a sair do limbo em que se encontra no dia em que exorcizar seu maior fantasma. No dia em que terminar de uma vez por todas o ano de 2013. Até lá, empresa nenhuma quererá ligar sua marca à imagem de um clube destruído de fora para dentro, frágil como uma construção haitiana ante o terremoto que a destruirá.

Só depois disso é que será possível retomar alguma coisa. Até lá, virar Juventus terá sido lucro. Até lá, o samba do mestre Cartola cairá como uma luva para o fado lusitano: “Em cada amor tu herdarás só o cinismo, quando notares, estás à beira do abismo. Abismo que cavaste com seus pés”.

segunda-feira, 5 de junho de 2017

Prenda-me se for capaz


No território autônomo da FIFA, esse país situado em Zurique, algumas moedas sustentam poder e a longevidade: venda de ingressos, de pacotes de hospitalidade (aqueles pacotes com diária de hotéis, translado até os estádios e ingressos, que eram na teoria proibidos de serem vendidos juntos) direitos de TV, organização de campeonatos de diversas categorias (o que dá acesso irrestrito aos cofres públicos dos países que têm a “felicidade” de gastar aos borbotões, mesmo não tendo dinheiro nem para saneamento básico) e uso das marcas registradas pela entidade.

Pelos direitos de comercialização da transmissão, segundo os livros do jornalista escocês Andrew Jennings (o único jornalista do mundo banido dos eventos que a FIFA organiza), a dupla Havelange e Teixeira fez fortuna através de propina. Foi o propinoduto que dava nas contas de sogro e genro que, ainda segundo o britânico da BBC, levou a ISL, parceira da FIFA, à bancarrota. Propina, aliás, que entrava como comissão e não era proibida pelas bondosas leis suíças. Não por acaso, FIFA e COI têm sede naquele país.


Nem a pulada de cerca de Teixeira, que resultou no fim do casamento com a filha de Havelange e que pode ser lida logo no primeiro capítulo do livro O Lado Sujo do Futebol, de Amaury Ribeiro Jr, Leandro Cipolini, Luiz Carlos Azenha e Tony Chastinet, foi capaz de estremecer a parceria dos dois. O conteúdo do primeiro capítulo está disponível no blog do Juca Kfouri.

Outra fonte de renda, esta mais democrática, já que está ao alcance de todos os membros votantes do Comitê Executivo, é a venda do voto na eleição do país-sede. A candidatura inglesa para 2018 naufragou graças à reportagem feita por Jennings para o programa Panorama BBC, que pegou no pulo alguns “vendedores de convicção” que negociavam seus votos com jornalistas que se passaram por intermediários. Eles foram severamente punidos, não pelo ato em si, e sim por terem sido descobertos.

Por muito tempo, alguns membros, sobretudo de países como Camarões e Nigéria, foram parceiros de delito dos posseiros de Zurique, nomeadamente Havelange e Blatter. Quando quiseram, em vez das rebarbas, o filé mignon, foram expulsos do clube, sob alegação de corrupção. Viraram bode-expiatório e exemplos do que aconteceria com que se atrevesse a querer um quinhão maior das benesses da bola.

Jack Warner era o operador do esquema de desvio dos pacotes de hospitalidade da Copa do Mundo e demais eventos promovidos pela FIFA. Diversas vezes ele foi “punido” por causa da prática, com suspensões e afastamentos. Foi graças aos esquemas encabeçados por Jack que a Coréia do Sul chegou às semifinais da Copa de 2002, pois era necessário vender os ingressos encalhados. Portugal, Itália e Espanha caíram no apito e os coreanos só pararam nas semifinais. O português Luís Aguilar conta com detalhes no livro Jogada Ilegal.

Warner estendeu seus tentáculos até sobre a política de seu país, Trinidad e Tobago, onde foi deputado entre 2007 e 2013, quando renunciou. Também era ele o responsável por cooptar e aglutinar os votos da região nas eleições para a presidência da entidade máxima do futebol mundial ou para definir as sedes das competições, que é a ocasião em que o vil metal mais corre nos lados de Zurique.

Entre outras peripécias do dirigente, estava o desvio da verba destinada ao projeto Goal, que fomenta (ou fomentaria) o desenvolvimento do futebol em países pobres e/ou lugares sem tanta tradição no esporte. A Concacaf, convenhamos, encaixa-se nos dois casos. E o Centro de Treinamentos que seria construído nas Ilhas Cayman nunca saiu do papel.

Warner foi um dos dirigentes presos em um hotel na Suíça, em 2015, na véspera da eleição vencida por Joseph Blatter, e também foi acusado de ter abiscoitado doações para as vítimas do terremoto que devastou o Haiti em 2010. Um santo homem, portanto.

Para amenizar um pouco o tamanho da porrada, Warner prometeu colaborar com as investigações, naquele sistema tão familiar a nós, a delação premiada. Aí, amigo, não teve perdão e foi banido pela FIFA, “horrorizada” com os atos contínuos de corrupção e o desvio de conduta de Warner.

Charles Blazer, norte-americano ex-secretário geral da Concacaf quando esta era presidida por Warner, seu parceirão de tramoias, foi banido também após tornar-se o principal delator do esquema. O glutão Chuck foi preso pelo FBI e também caiu na malha fina da receita americana. Aí era escolher entre entregar os parceiros ou ir para a cadeia. Fácil, né?

Outro expurgado pelo íntegro e arauto da moralidade Comitê de Ética foi o catariano Mohammed Bin Hammam, que presidiu a Federação Asiática de Futebol e foi parceiro de longa data (e de longa ficha) da dupla Blatter/Havelange. Até que resolveu disputar a eleição à presidência da FIFA contra Blatter, em 2011. Com o cofre e a disposição cheios para agradar os delegados votantes, era uma ameaça real ao império de Blatter à frente do grande negócio futebol. Aí teve sua candidatura impugnada e foi expulso pela ética entidade.

O castelo de cartas dos antigos dirigentes da entidade caiu após a entrada do FBI na parada, mas, no Brasil de Havelange/Teixeira/Del Nero, nenhuma investigação conseguiu colocar as mãos em ninguém. E o principal motivo é a relação espúria que a CBF tem com muitos parlamentares brasileiros, que formam um grupo conhecido como Bancada da Bola. São deputados e senadores que, além de cargos nas federações estaduais, ainda tiveram parte de suas campanhas financiada com polpudas doações da entidade.

As torneiras da entidade costumam ser generosas nas campanhas eleitorais. Em 2002, R$ 1,180 milhão foram destinados a candidatos a deputado e a senador. Em 2004, para as eleições municipais, as doações atingira as cifras de R$ 280 mil. Quatro anos mais tarde, a confederação deu R$ 345 mil em contribuições para candidatos. A prática é antiga: em 1998, segundo o Estadão, R$ 5,1 milhões abasteceram os cofres de candidatos de diversos partidos.

Parceiros da entidade também o fazem, como o caso da AmBev, que injetou mais de R$ 200 mil na campanha de Candido Vacarezza, líder do governo na Câmara na época em que era discutida a Lei Geral da Copa. Vacarezza indicou para relator ninguém menos que Vicente Cândido, ex-sócio de Marco Polo Del Nero em um escritório de advocacia em São Paulo e vice-presidente da Federação Paulista de Futebol, playground de Del Nero. No caso da holding de cervejarias, a Lei Geral da Copa era estratégica porque poderia permitir a comercialização de cerveja nos estádios durante a Copa do Mundo, possibilitando a venda de uma de suas marcas, que patrocinava a FIFA.

Um dos grandes parceiros de Teixeira é o ex-presidente do Barcelona e ex-homem forte da Nike no Brasil, Sandro Rosell, picareta de longa ficha e que recentemente foi engaiolado por suspeita de desvio e lavagem de dinheiro na Espanha envolvendo direitos de TV dos jogos da Seleção na época em que Teixeira, O Genro, era o todo-poderoso. Quando viu o cerco fechando, o ex-genro de Havelange tratou de vender suas casas nos Estados Unidos e voltou para o Brasil, de onde não sai nem carregado e tem fieis escudeiros no Congresso.

Assim, qualquer tentativa de moralização do futebol brasileiro morre ainda no berço.