quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

Perguntas que devem ser feitas no caso do incêndio no CT do Flamengo

Como o Flamengo, até o momento, só se manifestou via pronunciamentos, algumas questões ainda precisam ser respondidas:

1. Por que não havia nenhuma indicação nos mapas entregues aos órgãos competentes de que havia alojamentos no local?

2. Por que não havia nenhum adulto responsável e treinado no local?

3. Por que produtos inflamáveis estavam presentes na constituição dos contêineres?

4. Por que não havia um plano de contingência para situações de emergência, como incêndios?

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

Carta de um amor ferido à Placar



Cara Placar, sou de uma geração que cresceu lendo suas páginas. Eram tempos em que o futebol não era a teta que é hoje para ver na TV e não havia internet, o que nos forçava a ser mais imaginativos e atentos às leituras. Você, Placar, assim, foi a principal referência para os amantes de futebol desde 1970, ano da primeira publicação – e do Tri da Seleção. Reconheço os acidentes de percurso, as fases menos legais, como a do revistão dos anos 1990 sob o mote Futebol, sexo e rock’n roll, mas que relação de tanto tempo está livre de intempéries? Quem deu o furo de reportagem que detonou a Máfia da Loteria Esportiva tem crédito para errar. Foi em 22 de outubro de 1982, amada Placar. Até das datas mais importantes da gente eu me lembro.

No entanto, querida Placar, algumas pisadas na bola e caneladas são mais difíceis de perdoar. Perdoei o revistão a partir de abril de 1995, os mascotes redesenhados, matérias como A Primeira Transa dos Craques e até o saudoso Alex Alves de cueca de crochê da CK, mas nada se compara à edição comemorativa de 10 anos da carreira de Neymar, na qual você o coloca como o maior jogador brasileiro desde Pelé.

Este disparate, Placar, tem a precisão do pênalti batido na Lua pelo craque – sim, craque – em 2012, contra a Colômbia, ainda mais no momento em que a imagem do jogador tem os arranhões causados ao longo destes 10 anos e que ficaram evidentes no patético desempenho de seu novo protegido durante a Copa da Rússia.


Além do mais, desde que o Rei (a quem você sempre se referiu como Ele, com inicial maiúscula, uma espécie de Deus da bola) parou, tivemos jogadores maiores que o rapaz que veste a camisa do PSG, essa aí que estampa a capa (podia ser a da Seleção, né?). E isso, me permito dizer, é indiscutível: Ronaldo, Rivaldo, Bebeto, Romário, todos campeões do mundo pelo Brasil e em seus clubes, sendo protagonistas, coisa que o Neymar, seu novo protegido, ainda não foi. Como você pode esquecer Romário e Ronaldo, Placar? Quando você mudou assim?

Neymar é um craque? Repito que sim. É o melhor jogador de sua geração no Brasil? É, e é disparadamente, mas colocá-lo acima de quem fez muito mais pela Seleção, ainda mais quando a imagem mais forte do Neymar é o papelão nos campos da Rússia, é quase uma traição a quem te ama há tanto tempo.

Desculpe-me, revista Placar. Não é assim que voltarei a te amar.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

Perdão, Boechat

Perdemos Ricardo Boechat. Mais uma vez, uma desgraça que poderia ser evitada, não fosse a cretina mania tupiniquim do “depois a gente vê”. Segundo reportagem de O Globo, o helicóptero em que estavam o jornalista e o piloto, Ronaldo Quattrucci, que também morreu, não tinha autorização para fazer o serviço de taxi aéreo. Se levantou voo, é porque alguém permitiu. Quattrucci era um piloto experiente e sócio da empresa dona da aeronave.

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Falta fiscalização no Brasil. Falta tudo neste país que foi feito para dar errado desde o início. E é assim porque somos um bando de hipócritas, cuja indignação tem prazo de validade. Mariana, Boate Kiss, enchentes em Nova Friburgo e Niteroy,  ciclovia Tim Maia, Brumadinho, Voo 1907 da Gol (aquele que resvalou em um jatinho Legacy e caiu na floresta) , Voo 3054 da TAM, Morro do Bumba, voo da Chapecoense, Ninho do Urubu, sem contar outros casos que não causam repercussão. Em comum, a todos, o fato de alguém ter deixado, por omissão, incúria, desmazelo, ganância. Deem o nome que quiserem. Prefiro chamar de desprezo à vida alheia.

Por ironia, o último comentário de Ricardo Boechat, na Band News, foi sobre o quanto dura a comoção. A tragédia de Brumadinho já deixou, segundo ele, as capas dos jornais, ocupadas agora pela desgraça que matou dez meninos na base do Flamengo, clube de coração do jornalista, na última sexta-feira.

Ricardo Boechat era um âncora que não perdeu sua essência de repórter, que é, em suma, a parte mais importante, a matéria-prima do Jornalismo. Este jornalismo perdeu um dos seus melhores combatentes. Uma esposa perdeu seu marido, pai de seis filhos. O piloto deixou dois. E o Brasil chora, mais uma vez, um choro que tem hora para começar e terminar, que é a próxima tragédia anunciada. Anunciada e negligenciada, como tudo o que acontece neste país de merda.

Perdão, professor.

sábado, 9 de fevereiro de 2019

Não pode

Elenco do Flamengo reza antes do treino (Foto: Twitter.com/flamengo)
Não pode um clube como o Flamengo "alojar" pessoas nas condições em que se encontravam os meninos que morreram no incêndio do Ninho do Urubu.

Não pode a camisa do Flamengo ser usada como escudo para que nenhum dirigente seja responsabilizado.

Não pode um clube que gasta o que gasta em salários, tratar pessoas desta forma. Nenhum pode.

Não pode haver concessão quando vidas estão envolvidas.

Não pode haver mais Mariana, Boate Kiss, Brumadinho, Voo 3054 da TAM, Morro do Bumba, Tragédia do voo da Chapecoense, Ninho do Urubu.

Não pode haver tanto descaso, tanta irresponsabilidade, tanto cala-boca, tanta concessão.

Não pode haver tanto "deixa assim, depois a gente vê".

Não pode haver tanto "faz assim, que é mais barato".

Minuto de silêncio, aplausos antes do treino, todos de braços dados formando uma roda. Tudo é muito bonito, mas não se resolve nada sem ação. Foi no Flamengo, um gigante. Imaginem o que acontece em outros clubes.

Não pode haver tanta desfaçatez.

Não pode.

A dois passos do paraíso

Montagem: RBS

“Longe de casa
Há mais de uma semana
Milhas e milhas distante
Do meu amor

Será que ela está me esperando?
Eu fico aqui sonhando
Voando alto
Tão perto do céu”

Quem teve a oportunidade de trabalhar com futebol de base sabe o quanto é difícil a vida de um garoto que sonha em ser um Neymar, um Philippe Coutinho, um Gabriel Jesus, ou ser apenas ele mesmo. Tem a peneira, cuja malha é cada vez mais estreita; a adaptação à nova casa, à nova família. Porque é disso que se trata: é uma família que é formada, como novos “irmãos”, de sonho e estrada. De vida.

Longe de casa, dos irmãos, pais e amigos, sem o alicerce onde eles poderiam firmam os pés, pés estes que são os que os levarão para a glória – ou para o ostracismo -, vão os meninos bons de bola. Com eles, quase que de forma siamesa, vão o medo do fracasso, a proibição de errar e voltar para casa sem o contrato assinado e carregando no ventre do coração uma carreira natimorta. Afinal, é no talento do filho bom de bola que a família se fia por uma vida melhor.

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Rimos quando o Edu Gaspar falou que “era difícil ser Neymar”. Mas aos 14 anos deveria ser mesmo. E se Neymar, como tantos outros, não virasse o Neymar da Seleção, do Santos, do Barcelona, do PSG dos 222 milhões de euros, e tivesse sido só mais um dos meninos bons de bola cujo fama e futuro ficaram presos no funil? Sem a possibilidade de falhar, abrindo mão da infância e do simples jogo de bola por algo que, de divertido, só é para quem está do outro lado da cerca, o menino torna-se homem antes mesmo de a barba aparecer. Todo profissional está sujeito a passar por uma temporada ruim e talvez a vida seguirá. Na base, um ano abaixo significa uma carreira a menos.

Entrar nas categorias de base do clube não garante nada, a não ser a manutenção do sonho. Daí, subir ao time de cima, degrau por degrau, chegar à equipe principal, manter-se no elenco, virar titular, chegar a um grande e não sentir o peso da camisa, uma eventual convocação para a Seleção, para aí sim ter acesso às benesses que a vida de jogador de futebol de primeiro nível oferece, é um caminho longo demais a ser percorrido. Isso sem contar os percalços, como um empresário golpista que lhe roubou o sonho em troca de meia dúzia de moedas, uma lesão, ou justamente naquele dia a cabeça estava longe, a camisa pesou, um eventual pedófilo que troca o lugar no time por favores inconfessáveis, a estrutura precária do time.

O fogo que lambeu o CT do Flamengo não interrompeu apenas carreiras. Acabou com sonhos de uma existência mais digna, tirou mais que a promessa de um futuro melhor: por mais que pareça clichê, vidas acabaram no inferno do Ninho do Urubu. O clube fica, Flamengo ou não. Os meninos, porém, como uma falta por trás cometida de forma traiçoeira pela noite, por incúria ou fatalidade, não tiveram defesa ou a chance do drible para encarar o próximo lance. Não haverá próximo lance. Não haverá dor maior do que a provocada às famílias pela perda não do candidato a jogador, mas do filho, do irmão, do amigo.

Famílias. Família. Consanguínea ou de escolha, tanto faz. Tudo gira em torno disso. E são as famílias que ficam sem seus meninos, bons de bola ou não. No fim, a bola é o que menos importa. E o paraíso, que estava tão perto, tornou-se inalcançável.

“Estou a dois passos do paraíso. Não sei se vou voltar
Estou a dois passos do paraíso. Talvez eu fique, eu fique por lá”.