quinta-feira, 9 de outubro de 2008

A inversão dos valores

No ano passado, após a derrota contra o Sport, pelo Campeonato Brasileiro da Série A, os “torcedores” do Corinthians protagonizaram novas cenas de revolta e indignação devido ao caos que se instalou no Parque São Jorge. Foram cobrar “raça” e “determinação” por parte dos atletas da equipe, responsabilizando-os pela fase tenebrosa a qual o clube vem atravessando de uns tempos para cá. O mesmo aconteceu no Rio de Janeiro com a “torcida” do Botafogo, depois que o time foi incrivelmente eliminado da “importantíssima” Copa Sul Americana pelos argentinos do River Plate, estando com um jogador a mais e podendo perder por um gol, após estar ganhando por 2 a 1!

Durante a semana passada foi preciso uma viatura de polícia para que os jogadores do Vasco pudessem treinar. Com tanta pressão, é óbvio que o resultado em campo não foi dos mais satisfatórios: derrota vexatória frente ao Figueirense, em pleno São Januário. E queda livre rumo ao rebaixamento.

É compreensível que o amor incondicional pelo time do coração somado ao fanatismo leva o indivíduo a tomar atitudes que em condições normais não tomaria. É certo afirmar que num país de tantas injustiças sociais e negociatas políticas o futebol é usado como válvula de escape para as agruras do dia-a-dia. Políticos populistas se aproveitam de conquistas desportivas para distrair a atenção do povo. Em Portugal, por exemplo, durante a ditadura de Oliveira Salazar criou-se a figura dos 3 Fs (futebol, fado e Fátima), o que consistia na idéia de que enquanto o povo tivesse diversão, sentimento e fé, não precisaria de mais nada. Progresso? Esse verbete soa como um palavrão numa ditadura. O problema é que isso funciona. E é aí que mora o perigo.

Se não, vejamos: 15 dias antes, o Presidente do Congresso Nacional, o Senador Renan Calheiros, foi vergonhosamente absolvido pelos colegas (ou seria melhor “comparsas”?) de Senado, e qual foi a reação imediata das pessoas? Revolta, indignação e todos os sinônimos que as valham.

Perfeito, mas apenas num primeiro momento. Depois, tudo voltou ao normal. Enquanto isso o Corinthians se preparava para outro jogo do Brasileirão e, como num jogo de roleta-russa, qualquer resultado que não fosse a vitória desencadearia reações intempestivas por parte dos torcedores profissionais.

Outro exemplo: no fim da década de 1980, quando o Palmeiras já amargava 13 anos de jejum de títulos, sua torcida se enchia de esperança ao ver o time dirigido por Telê Santana chegar à fase decisiva do Campeonato Paulista de forma invicta. Aí veio o jogo contra o Bragantino em Bragança Paulista, a derrota por 3 a 0, a eliminação e o fim da esperança alviverde, e, juntos, esses ingredientes se transformaram em nitroglicerina pura, o que culminou com a depredação do patrimônio do clube, que teve a sala de troféus destruída pela ira desses “torcedores”. No ano seguinte, a caderneta de poupança foi confiscada pelo governo Collor, em tempos de inflação desenfreada, e adivinhe qual foi a reação do povo (incluindo os que destruíram a sala de troféus)? Estupefação momentânea, apenas isso.

Mas, caro leitor, antes de se "orgulhar", saiba que isso não é exclusividade do Brasil. Pedro Santana Lopes, ex-Primeiro-Ministro de Portugal, dava uma entrevista a uma rede de TV, quando foi interrompido pela sua interlocutora para que fosse mostrada a chegada de José Mourinho, o super vencedor ex-técnico do Chelsea e considerado - pasmem - herói nacional (!) pelo povo português, ao país. Foi então que Santana Lopes se recusou a continuar com a entrevista e disparou: “O pais ficou doido”. Realmente, quando vemos a derrota do time do coração ou o destino da heroína da novela importar mais que o futuro do país, devemos refletir. O técnico italiano Arrigo Sacchi certa vez declarou que “o futebol é a coisa mais importante dentre as menos importantes”. Amém.

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