terça-feira, 14 de maio de 2013

Mito é para quem merece


*por Fabio Venturini

O começo de 2013 não foi dos melhores para Rogério Ceni, assim como os primeiros semestres não têm sido as boas épocas de sua carreira desde 2006. Em mais um de tantos anos em que o comodismo do restante do time e a direção do clube não ajudaram, o goleiro são-paulino virou novamente o grande alvo de piadas e críticas.

Impressionante como um jogador é mais lembrado do que o próprio clube em que joga no humor de torcedores adversários (é o que se espera deles) e motivo de escárnio da crônica esportiva (sem comentários). Todos, exceto uma parte da torcida tricolor, pedem sua aposentadoria.

O motivo é simples: Rogério construiu esta repulsa com méritos e louvor. Num país em que o trabalhador é bobão e o preguiçoso adepto do jeitinho é admirável, daqueles que acabam ganhando a chefia de algum comitê espalhados pela vida em língua ocidental moderna, é o que fatalmente ocorre.

Quando o garoto brasileiro se propõe a jogar futebol, lá na infância, ninguém quer ser o goleiro, uma posição inferior reservada aos ruins de bola. Na escola, se o guarda-metas joga bem, o evento é tratado mais como humilhação para o ataque do que mérito do arqueiro. Um grosso consegue boas atuações sob as traves e os comentários depreciativos são: “achou a posição”.

Levar um gol de goleiro, de um grande rival, é mais do que um tento no placar, é humilhação coletiva, do time, da torcida, do goleiro adversário. Todos os grandes clubes brasileiros tiveram tal desprazer. Os rivais próximos foram mais castigados ainda: Santos levando gol em final de campeonato, Palmeiras como uma das vítimas preferidas de um arqueiro, o simbólico 100º gol contra o Corinthians (o que fez os alvinegros contarem os gols marcados, e forjarem risivelmente contas, para tentar devolver o tento centenário).

Rogério comemora o centésimo gol, diante do Corinthians (André Lessa/AE)

Para parte da crônica esportiva brasileira qualquer insucesso de Rogério é uma deliciosa alegria raivosa. Ele fala bem, não fica no discurso padrão do tipo “a gente jogamos bem” e “o grupo está unido”. Não ouve calado injúrias, não hesita em processar repórter que fala bobagem sem pensar para polemizar e não promove eventos-jabá. Ter comportamentos coerentes custou até vagas na Seleção Brasileira.

A síntese do sentimento da crônica esportiva, majoritariamente formada por profissionais que também são torcedores de rivais, está na frase do narrador Milton Leite vazada em transmissão da Sportv: “Rogério Ceni é chato prá caralho”.

Deveria ir embora

Sem exageros, Rogério é um monstro do futebol mundial de todos os tempos. Craque com as mãos e os pés, não fosse odiado pelo afã torcedor (com ou sem microfone), seria lembrado em nove de dez seleções brasileiras de todos os tempos na crônica esportiva. Sem citar gols: Rogério está no São Paulo há 23 anos, desde 1990, significando que em quase 30% da existência do clube mais vencedor do País lá estava ele (e bem). Durante 16 anos, 20% da história do SPFC, foi não apenas o titular da camisa 1 ou 01, mas também principal referência, capitão e um dos melhores (quando não o melhor) atletas do plantel.

Raí ficou na França entre 1993 e 1998. Voltou ao São Paulo decidindo final de campeonato, porém a faixa de capitão continuou no braço de Rogério. Pouca gente sabe o que isso simboliza. Quem nunca viu Rogério no seu time não tem – e não terá – ideia do que significa. Presente nas duas fases mais vencedoras do clube, possui mais títulos do que alguns clubes adversários e tem infinitamente mais importância do que as pessoas conseguem medir hoje, com ele em atividade.

Tive o privilégio de ver os dois melhores times tricolores em ação (1985-1987 e 1992-1993), além de outro que foi multicampeão (2005-2008). Quando me perguntam quem foi o melhor jogador da história do São Paulo, respondo Raí. Quando me perguntam que foi o melhor goleiro da história do São Paulo, respondo Zetti. Quando me perguntam quem foi o maior ídolo da história do São Paulo, respondo Rogério. E ele não parou de jogar ainda.

Seria normal parar de jogar se estivesse mal técnica e fisicamente. Obviamente não é o mesmo Rogério de 2005, ano em que fechou o gol e fez marcou 21 vezes (mais do que muitos atacantes fazem numa temporada), porém está melhor do que em 2006, quando foi campeão brasileiro. Comete algumas falhas normais para um veterano, porém no geral mais salva o time do que erra. E com uma linha displicente não há goleiro bom o suficiente para corrigir a falha de atacante que não joga, volante que não marca, lateral que não fecha...

A defesa que valeu como um gol, na final do Mundial de 2005 (IG)
Num país em que se esquecem jogadores como Zico, Sócrates, Careca e Evair, somente para citar alguns, em detrimento de popstars que frequentam menos a grande área adversária do que festas de agências de modelos e diferentes departamentos médicos em pelo menos dois continentes, o normal é a crônica esportiva tentar forçar a aposentadoria de Rogério Ceni. Esta imprensa de marketing e entretenimento consegue aplausos de torcedores adversários ansiosos pelo fim do tormento humilhante de tomar gol de goleiro e ainda ressoa na parte menos pensante da própria torcida tricolor.

Rogério sempre comentou a pessoas próximas o desejo de jogar nos Estados Unidos. Tem lenha para queimar por pelo menos mais dois anos após 2013. Como torcedor tricolor, gostaria que ficasse, mas creio que deveria ir. Além de ser revigorante, em duas temporadas seria o melhor goleiro da Major League Soccer, faria alguns gols, ganharia muito dinheiro, tornar-se-ia mito mesmo sendo estrangeiro numa cultura altamente preconceituosa e teria por lá o respeito que por aqui foi menor do que o despeito dos humilhados.

Perderia o futebol brasileiro, mas ter um mito desta enormidade é somente para quem merece.

*Fabio Venturini é jornalista

4 comentários:

  1. Mito é Pelé, Garrincha, Cruiff, Zidane, Maradona. O Rogério é ídolo do São Paulo. Um grande ídolo de uma só torcida. Não concordo com toda essa bajulação. Assim como tem muitos que gostam dele, tem muitos que não gostam e isso não deve ser menosprezado como se fosse somente uma questão de time. O texto é bom, mas está querendo colocar o Ceni num patamar maior do que a realidade mostra. Rogério não foi nem mesmo um dos grandes goleiros da história do futebol brasileiro, a maior prova disso é que nunca teve qualidade para ser titular da seleção. Se não batesse faltas e pênaltis, talvez não tivesse o destaque que sempre teve.

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  2. Eduardo Baldacini15/5/13 16:00

    Caio Calazans, justamente por fazer gols que se tornou diferente dos outros. Antes dele achávamos o máximo ver o paraguaio Chilavert, mas quando começou um goleiro de uma equipe rival aí é ruim, é meia boca, só se destaca por isso, entre outras desculpas... Como disse o texto, só sabe realmente o que ele significa quem torce pelo São Paulo. Rogério Ceni é sim MITO e um dos maiores goleiros da história do futebol brasileiro.

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  3. Um dos maiores goleiros do futebol brasileiro, mas que nunca foi titular da seleção. Conta outra, amigo. Ele é um grande ídolo, um mito para a torcida do São Paulo, mas monstro do futebol brasileiro, aí é um pouco demais. Não está nem entre os maiores que eu vi jogar. Não tem nada a ver com o time, é uma questão de realidade. O maior goleiro brasileiro que eu vi jogar foi o Taffarel, e ele nunca jogou no meu time.

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  4. Eduardo Baldacini16/5/13 14:10

    Eu não disse que ele é o maior de todos os tempos e sim um dos maiores. Também não acho que um jogador precisa ser titular na seleção para estar entre os maiores. Eu sempre achei o Marcelinho Carioca um grande jogador, Raí foi monstro no São Paulo e PSG, Ademir da Guia então nem se fale, entre tantos outros que foram grandes jogadores e nunca foram bem na seleção. E pra mim o melhor que vi embaixo das traves foi o Marcos, que apesar de ter sido campeão mundial com o Brasil, não teve uma carreira de tantas glórias quanto a do Rogério Ceni. Questão de opinião.

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