NE: às vésperas da Copa, este blog recebe o reforço de peso do grande Leandro Marçal, que tem nome de sambista dos bons, mas que domina, como poucos, a arte da pena. Seja bem-vindo!
Por Leandro Marçal*
Nunca fui mimado por minha avó paterna. Nunca fomos próximos dela, pra ser mais honesto. Afora alguns problemas normais de família, ela chegava e ia embora de minha casa rapidamente, com pouca ou nenhuma cerimônia, com uma frieza e distanciamento que só conhecendo a história de minha família pude entender os motivos.
A primeira lembrança que vem à mente ao falar de Copa do Mundo me leva a 1998. França. Final. Escanteio. Gol. Zidane. Meu pai levanta, bravo. Mas a irritação não foi com o primeiro gol daquele 12 de julho. “O que minha mãe está fazendo na rua a essa hora? Quem sai de casa pra fazer qualquer coisa quando o Brasil joga uma final de Copa do Mundo? No meio do jogo, só pra me f... a paciência”.
Ninguém ousava responder ou falar com ele. Tanto pela perplexidade do gol daquele francês quanto pelo medo de pagar a conta do chamado no portão na hora errada. No dia errado. No ano errado. Na Copa errada.
Naquela tarde de domingo entendi a grandeza desse evento, o maior do mundo. E acho que nem você se deu conta da lição que me ensinou sem querer, pai – se eu disser “o senhor”, vou levar bronca, pois ele lê todas as bobagens que escrevo.
Quando lembrei meus pais dessa singela história, o coroa voltou a ficar bravo com minha vó. Nem o fato de outros tantos problemas familiares atuais que envolvem uma doença – talvez terminal – com ela, fez com que meu espelho mais velho a perdoasse de tamanho pecado: ousar fazer qualquer outra coisa que não fosse assistir àquela final de Copa do Mundo.
Até o dia em que minha vó não pôde mais responder por si, essas visitas esporádicas de menos de dez minutos a minha casa foram frequentes e por vezes irritantes. Suspeito até que antes da cabeçada de Zidane em Materazzi, em 2006, ela se encaminhou ao ponto de ônibus a duas quadras de casa enquanto meu pai corria esbaforido, entrava na sala e me perguntava o motivo da expulsão do (outro) careca genial.
Como respondi sem tirar os olhos da tevê, mais perplexo do que quando oito anos antes, não sei se minha suspeita é certa.
Minha vó talvez não tenha aprendido o que é a Copa em sua plenitude e nunca vai entender o que ela representa. Pra mim é diferente desde aquele inconveniente toque na campainha.
Assim como serão especiais os próximos dias, não só pelo fato dEla estar aqui, ao nosso lado – com maiúscula, mesmo, é Copa.
Poucos dias depois que Ela for embora, estarei num hospital, operando, para depois ficar um tempo de molho, sem me mover, em repouso absoluto. Mas esses trinta dias de jogos e emoção vão me dar forças, ânimo, fé, vão me abastecer.
Vai ter Copa. Sempre!
*Leandro Marçal é um jornalista de 23 anos, torce pelo tricolor paulista
e por um mundo menos hipócrita e com mais bom humor.
E, apesar do nome de sambista, é incapaz de tocar um reco-reco.
Ainda assim, é o Rei da Noite de São Vicente.
e por um mundo menos hipócrita e com mais bom humor.
E, apesar do nome de sambista, é incapaz de tocar um reco-reco.
Ainda assim, é o Rei da Noite de São Vicente.
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