Por Vinicius Carrilho*
Desde o meio de dezembro as trombetas do apocalipse vêm
soando no Parque São Jorge. Até o momento, assim como na bíblia, já foram
quatro toques. No primeiro, levou-se Jadson. Depois, foi a vez de Renato
Augusto e, nos dois seguintes, partiram do alvinegro Ralf e Vagner Love. Por
todo o país, milhões de alvinegros já conseguem ouvir a águia dizer, em meio ao
seu voo: “Ai dos que moram na terra, por
causa das restantes vozes da trombeta dos três anjos que ainda têm de tocar!”.
Eles temem, e muito, o cada vez mais próximo soar de uma nova trombeta.
O Apocalipse preto e branco vem, quase em sua totalidade, do
outro lado do mundo. Em vez de saraivadas de fogo e sangue, traz consigo cifras
inimagináveis e olhos cada vez mais atentos aos jogadores do atual campeão
brasileiro. Vendo seu time se enfraquecer diariamente, muitos fiéis temem ser
esse o ponto final para uma equipe que tinha tudo para ser feliz em 2016. Mas,
seria de fato este o triste epílogo de uma grande história construída nos
últimos meses? Não, não é. Aliás, sequer é o começo de um fim.
Antes de todos os argumentos seguintes, é necessário
compreender completamente uma máxima: a verdade dói, mas liberta. O que será
exposto nos próximos parágrafos são verdades inconvenientes, principalmente
para aqueles que ainda possuem uma visão romântica deste grande negócio chamado
futebol.
De princípio, é necessário afirmar que não há a menor
possibilidade de um clube brasileiro concorrer com qualquer outro mercado que
tenha um mínimo de estabilidade financeira. Com o real a cada dia valendo menos
que o inseto que ronda o excremento do equino, as equipes do exterior, em
especial as chinesas, sequer se dão ao trabalho de negociar. Elas chegam, fazem
uma proposta ao jogador e, após este aceitá-la, depositam a multa rescisória na
conta de seu antigo clube. É simples assim e não há o que se fazer.
ÁGUA MORRO ABAIXO Renato Augusto se despede do Corinthians: "Proposta irrecusável" (Marcelo D. Sants/Estadão Conteúdo) |
Enquanto tivermos uma economia quebrada (mesmo com muitos
insistindo que não há crise) e uma moeda valendo menos que muitos de nós, que
por anos ouvimos que não valíamos nada, os clubes daqui continuarão sendo a
residência da progenitora Joana, onde quem tiver dinheiro vem, leva e sai sem
nem agradecer.
Em um segundo momento é primordial uma compreensão daquilo que
pode ser a pior das verdades: o que para o torcedor é uma paixão, para o
jogador não passa de um simples ofício. Os atletas são profissionais de uma
carreira curta e incerta, onde uma simples lesão no joelho, por exemplo, pode
fazer ruir todo um trabalho de anos de dedicação e privações. Agora, por um
segundo inverta os papéis: imagine que você é um trabalhador, provavelmente já
na última volta de sua carreira, com uma escolaridade máxima de ensino médio
completo e, de repente, recebe uma proposta de trabalho que lhe renderá 2
milhões de reais ao mês. Você recusaria? Se sim, parabéns, é um dos maiores
heróis de todos os tempos, pois 99,9% da população não pensariam duas vezes.
Neste mesmo tópico, alguns podem argumentar que na vida nem
tudo é dinheiro. Questionariam sobre como
encarar a mudança para uma nação de cultura e idioma tão diferentes, como é a
China. Isso sem levar em conta a distância de nosso país para o deles. Pois
bem, com o enorme desenvolvimento econômico dos últimos anos, muitas cidades
chinesas tornaram-se maiores e mais estruturadas que as grandes capitais
brasileiras. Além disso, auxiliará na adaptação desses atletas a invasão de
jogadores, treinadores e preparadores tupiniquins que ocorre por lá. Por fim, a
tecnologia hoje em dia acabou com qualquer empecilho que a distância possa
causar. Convenhamos, por mais que você queira negar: é praticamente impossível
existir novamente um Viola, que voltou de Valência porque estava com saudade de
comer feijão – e que só comia bolachas. Hoje, se encontra tudo em qualquer
lugar e, se não encontrar, em questão de horas é possível solicitar uma
entrega. Também vale lembrar que, em pleno 2016, ninguém depende de carta para
nada. Em menos de cinco toques em uma tela de celular você pode se conectar, em
vídeo, com qualquer pessoa do planeta.
Ainda haverá aquele que, em um último suspiro de sua
argumentação, lembrará que estes jogadores irão se esconder em centros menores,
inclusive não participando mais das convocações da Seleção Brasileira. É
verdade, mas não é. Durante boa parte do ano, de fato, eles ficarão
completamente longe das luzes do estrelato. Mas, basta um estalar de dedos e
uma mínima intenção de retornar para que o interesse de clubes brasileiros
cresça sobre os jogadores. Deixar a Seleção Brasileira também é um grande risco
que se corre, mas, convenhamos: estar no time nacional atualmente não significa
absolutamente nada. Trazendo para cá a tese de Marcos Teixeira, genial dono
deste espaço, a camisa amarela do Brasil deixou de ser um objetivo para
tornar-se um instrumento. Estar no grupo comandado por Dunga neste momento não
é nada mais que uma forma de buscar um bom contrato, coisa que todos já
conseguiram.
Mas e a renúncia de suas carreiras?, perguntaria ainda o
incauto leitor, num último argumento para provar e ir para a China não é lá um
negócio da China. Ora, vocês acham que algum destes vão atuar algum dia em um
Barcelona ou um Bayern de Munique?! Claro que não.
Levando agora o foco para o Corinthians, não há motivo para
tanta agonia. Excluindo todos os que possuem alguma sondagem e também aqueles
que ainda não foram contratados, Tite pode começar o ano com a seguinte
formação: Walter; Fagner, Felipe, Gil e Uendel; Cristian, Bruno Henrique,
Marlone e Rodriguinho (Danilo); Alexandre Pato (Malcom) e Luciano. Não é nenhum
time galáctico, mas para os padrões do futebol brasileiro está bem na média. É
evidente que todos os que estão partindo farão falta, mas ainda há quem possa
substituí-los.
QUEM FICA Mesmo com debandada, treinador terá time de qualidade à disposição (Daniel Augusto Jr./Agência Corinthians) |
Perante tudo isso, fica claro que não estamos diante de
mercenários e muito menos em meio a um processo apocalíptico. As três trombetas
finais podem tocar algum dia para os grandes clubes, mas não será agora e nem
motivadas pelas cifras milionárias do exterior. Neste momento, precisamos
passar por um processo de conscientização. É necessário aceitar que somos um
país pobre, de economia fraca, com um futebol sem apelo e sem dinheiro. Também,
que os jogadores não são nada mais do que meros trabalhadores, sem qualquer vínculo
passional com seus empregadores. Nessa história toda, não há ninguém sofrendo
por partir e muito menos fazendo algo ilegal ou imoral. Essa é a grande verdade
e, em um tempo de engano universal, dizê-la e aceitá-la é um ato
revolucionário.
* Vinicius Carrilho tem 24 anos, é jornalista, morador
de Osasco e gostaria de ganhar a vida fazendo
humor, mas escreve melhor do que conta piadas.
de Osasco e gostaria de ganhar a vida fazendo
humor, mas escreve melhor do que conta piadas.
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