domingo, 10 de julho de 2016

Impressões sobre a Euro-16

Por Humberto Pereira da Silva*


Uma das premissas do jornalismo é o exagero: fazer ver ao espectador desatento algo que ele não veria não fosse dado grande destaque. Assim, nenhuma novidade quando uma notícia ganha destaque e logo depois é esquecida, sem considerandos.

Nessa Euro-16 a noticia veio da Islândia. A surpresa do torneio, pois chegou às quartas de final. Ora, o futebol islandês jamais havia participado de competição tão importante e, para surpresa geral, na fase de grupos classificou-se na frente de Portugal de Cristiano Ronaldo e, nas oitavas de final, despachou a “poderosa” Inglaterra.
BOLA DA VEZ Islândia cumpriu bem o papel
de surpresa na Eurocopa (Reuters)
Ocorre que, numa rápida inspeção por torneios como Copa de Mundo e Euro, a constatação de que a Islândia agora foi a bola de vez. Uma seleção sem tradição futebolística que em razão de circunstâncias bem específicas avança e cai no meio do caminho.

Vejamos: depois de golear o Uruguai na Copa de 86, na partida seguinte a Dinamarca foi humilhada pela Espanha; depois de desbancar a forte Argentina em 94, a Romênia caiu diante da Suécia; depois de superar os ingleses, os islandeses foram atropelados pelos franceses...

Podia ainda pensar na Polônia em 74, na Croácia em 98, mesmo na Costa Rica em 2014...; nenhuma novidade, portanto, na esperada surpresa, senão que agora foi a vez da Islândia. Para mim será surpreendente, de fato, se a Islândia passar bem pelas eliminatórias e voltar a brilhar na Copa da Rússia.

Deixando a “surpresa” de lado, a surpresa é não se perceber, antes, as seleções candidatas à decepção. A da Bélgica, apontada pela imprensa como favorita ao título, também era candidata à decepção; e assim, como decepção, caiu diante do apenas entusiasmado País de Gales.
PELO CAMINHO Elogiada geração belga não foi
 além do seu tamanho (Getty Images)
A atual geração belga é forte e criou-se a expectativa de que a seleção seria campeã. Mas o futebol belga, convenhamos, nunca passou de força intermediária na Europa. E como força intermediária nunca foi além de forças intermediárias como Holanda, campeã da Euro em 88, e da Dinamarca, que arrebatou a Euro em 92.

Claro, a Bélgica podia repetir essas duas seleções; mas claro também que a expectativa em seleções intermediárias é para saber a partir de que momento elas serão consideradas decepção. Pela incrível previsibilidade, a “grande decepção” em torneios como Euro e Copa do Mundo é não haver decepção. Nesse sentido, a Bélgica fez bem seu papel: a favorita que provavelmente decepcionaria. Nenhuma novidade, portanto, no fiasco da Bélgica.

Assim como nenhuma novidade em “novo” fiasco inglês. Sobre a Inglaterra, aliás, a estranha insistência em colocá-la como força de primeira grandeza. A liga inglesa é forte, de primeira linha, sim, mas a seleção...
NOVO FIASCO DE SEMPRE A Inglaterra não decepcionou
 e caiu como sempre Paul Ellis/AFP/Getty Images)
 
A melhor colocação inglesa na Euro foi o terceiro lugar; obtido duas vezes: em 68 e em 96, quando jogou em casa. Pondo na mesa a Inglaterra na Copa do Mundo, apenas uma final, cinquenta anos atrás, quando se sagrou campeã e sediou o torneio. É pouco, muito pouco para se por o futebol inglês em primeiro plano, esperar título como se...

Países futebolisticamente periféricos – Portugal, República Tcheca... – ao longo da história são mais constantes que a Inglaterra: os tchecos chegaram a duas finais de Copa do Mundo e já levaram a Euro. Ainda que a desclassificação diante da Islândia exija mais que clichês de ocasião, certo é igualmente que a Inglaterra chegou onde tem chegado nessas últimas décadas: no meio do caminho em competições importantes.

E já que colocamos Portugal no circulo periférico, eis um país que não é uma potência futebolística mundial e para o qual as palavras “surpresa” e “decepção” não são gratuitas. Desacreditada, a seleção portuguesa chega onde não se imagina; envolta em otimismo, os lusos fraquejam inexplicavelmente.
A derrota para os gregos na final da Euro-04 é um trauma lusitano. Do futebol grego, que, sim, venceu surpreendentemente, se pode falar que o surpreendente pode acontecer. No futebol, os gregos não são mais que os suíços, para ficar na Europa, ou... os costa-riquenhos, para virmos à América.

Assim, quando Portugal perdeu em sua própria casa a Euro-04 para a Grécia, pode-se falar em decepção. Uma seleção, que na época tinha Luís Figo entre os melhores do mundo, perder a final em casa para um país que mal existe no mapa do futebol?

O otimismo luso gera a sensação de que sua seleção é mais do que se espera. Convém não exagerar, o futebol português, exceção talvez em 66, nunca foi deslumbrante. Sendo assim, quando mais se espera, vem frustração.

Mas se o futebol português muitas vezes é menos do que se espera, não é menos verdade que muitas vezes há um agigantamento que faz dos lusos mais do que se espera. Ora, não é gratuito que Portugal – na Euro e na Copa do Mundo – tenha invariavelmente se colocado entre as semifinalistas nesses últimos doze anos após o trauma com a Grécia.

De Portugal, convém não guardar expectativa exagerada; como igualmente convém supor que pode ir onde não se espera. Pois nesse sentido o futebol português é incrivelmente excêntrico. Sem ter jamais uma esquadra exatamente forte, exuberante, consegue por vezes ter um jogador que carrega o time, um jogador acima da normalidade: antanho foi Eusébio; não faz muito, Luís Figo; hoje é Cristiano Ronaldo.

Não seria injusto dizer que, na década de 1960, Eusébio foi para Pelé o que hoje Cristiano Ronaldo é para Messi...; ou seja, de um país que revela Eusébio, Figo e Cristino Ronaldo se pode esperar muito. Mas justamente por que avis rara, em jogadores desse porte um brilho que pode ser ofuscado pelas circunstâncias específicas de uma partida.

Por fim, falemos da França, país sede da Euro-16. Ao contrário da Inglaterra, entendo que a França é uma das potências do futebol mundial. E tem ratificado essa posição ao longo dessas últimas décadas com seguidas e constantes gerações de jogadores geniais.

Na década de 1980 floresceu na França a magnífica geração de Michel Platini; para não ficar atrás, uma nova geração de jogadores extraordinários, comandados por Zinedine Zidane, fez história no final do século passado e início deste.

Nesta Euro-16 a França desponta com uma nova geração. Com talentos do quilate de Paul Pogba e Antoine Griezmann, a França já havia deixado impressão positiva na Copa-14, mesmo caindo diante da Alemanha. É cedo ainda para asseverar, mas essa nova geração tem tudo para repetir conquistas das anteriores gerações francesas.


Em suma: com o declínio espanhol, que durante o último decênio pontificou no futebol europeu e mundial, se excluirmos que a Alemanha é a Alemanha, que a Itália é a Itália..., os franceses bem podem ocupar o lugar que coube à Espanha: com futebol vistoso e jogadores fora de série, protagonizar as próximas competições.

*Humberto Pereira da Silva, 52 anos, é professor 
universítário de Filosofia e Sociologia e crítico de
cultura de diversos órgãos de imprensa.

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