Por Humberto Pereira da Silva*
Uma das premissas do
jornalismo é o exagero: fazer ver ao espectador desatento algo que ele não
veria não fosse dado grande destaque. Assim, nenhuma novidade quando uma
notícia ganha destaque e logo depois é esquecida, sem considerandos.
Nessa Euro-16 a noticia
veio da Islândia. A surpresa do torneio, pois chegou às quartas de final. Ora, o
futebol islandês jamais havia participado de competição tão importante e, para
surpresa geral, na fase de grupos classificou-se na frente de Portugal de
Cristiano Ronaldo e, nas oitavas de final, despachou a “poderosa” Inglaterra.
BOLA DA VEZ Islândia cumpriu bem o papel de surpresa na Eurocopa (Reuters) |
Ocorre que, numa rápida
inspeção por torneios como Copa de Mundo e Euro, a constatação de que a
Islândia agora foi a bola de vez. Uma seleção sem tradição futebolística que em
razão de circunstâncias bem específicas avança e cai no meio do caminho.
Vejamos: depois de
golear o Uruguai na Copa de 86, na partida seguinte a Dinamarca foi humilhada
pela Espanha; depois de desbancar a forte Argentina em 94, a Romênia caiu
diante da Suécia; depois de superar os ingleses, os islandeses foram
atropelados pelos franceses...
Podia ainda pensar na
Polônia em 74, na Croácia em 98, mesmo na Costa Rica em 2014...; nenhuma
novidade, portanto, na esperada surpresa, senão que agora foi a vez da
Islândia. Para mim será surpreendente, de fato, se a Islândia passar bem pelas
eliminatórias e voltar a brilhar na Copa da Rússia.
Deixando a “surpresa”
de lado, a surpresa é não se perceber, antes, as seleções candidatas à decepção.
A da Bélgica, apontada pela imprensa como favorita ao título, também era
candidata à decepção; e assim, como decepção, caiu diante do apenas
entusiasmado País de Gales.
PELO CAMINHO Elogiada geração belga não foi além do seu tamanho (Getty Images) |
A atual geração belga é
forte e criou-se a expectativa de que a seleção seria campeã. Mas o futebol
belga, convenhamos, nunca passou de força intermediária na Europa. E como força
intermediária nunca foi além de forças intermediárias como Holanda, campeã da
Euro em 88, e da Dinamarca, que arrebatou a Euro em 92.
Claro, a Bélgica podia
repetir essas duas seleções; mas claro também que a expectativa em seleções
intermediárias é para saber a partir de que momento elas serão consideradas decepção.
Pela incrível previsibilidade, a “grande decepção” em torneios como Euro e Copa
do Mundo é não haver decepção. Nesse sentido, a Bélgica fez bem seu papel: a
favorita que provavelmente decepcionaria. Nenhuma novidade, portanto, no fiasco
da Bélgica.
Assim como nenhuma
novidade em “novo” fiasco inglês. Sobre a Inglaterra, aliás, a estranha insistência
em colocá-la como força de primeira grandeza. A liga inglesa é forte, de
primeira linha, sim, mas a seleção...
NOVO FIASCO DE SEMPRE A Inglaterra não decepcionou e caiu como sempre Paul Ellis/AFP/Getty Images) |
A melhor colocação
inglesa na Euro foi o terceiro lugar; obtido duas vezes: em 68 e em 96, quando jogou em casa. Pondo
na mesa a Inglaterra na Copa do Mundo, apenas uma final, cinquenta anos atrás,
quando se sagrou campeã e sediou o torneio. É pouco, muito pouco para se por o
futebol inglês em primeiro plano, esperar título como se...
Países
futebolisticamente periféricos – Portugal, República Tcheca... – ao longo da
história são mais constantes que a Inglaterra: os tchecos chegaram a duas
finais de Copa do Mundo e já levaram a Euro. Ainda que a desclassificação
diante da Islândia exija mais que clichês de ocasião, certo é igualmente que a
Inglaterra chegou onde tem chegado nessas últimas décadas: no meio do caminho
em competições importantes.
E já que colocamos
Portugal no circulo periférico, eis um país que não é uma potência
futebolística mundial e para o qual as palavras “surpresa” e “decepção” não são
gratuitas. Desacreditada, a seleção portuguesa chega onde não se imagina;
envolta em otimismo, os lusos fraquejam inexplicavelmente.
A derrota para os
gregos na final da Euro-04 é um trauma lusitano. Do futebol grego, que, sim,
venceu surpreendentemente, se pode falar que o surpreendente pode acontecer. No
futebol, os gregos não são mais que os suíços, para ficar na Europa, ou... os
costa-riquenhos, para virmos à América.
Assim, quando Portugal
perdeu em sua própria casa a Euro-04 para a Grécia, pode-se falar em decepção.
Uma seleção, que na época tinha Luís Figo entre os melhores do mundo, perder a
final em casa para um país que mal existe no mapa do futebol?
O otimismo luso gera a
sensação de que sua seleção é mais do que se espera. Convém não exagerar, o
futebol português, exceção talvez em 66, nunca foi deslumbrante. Sendo assim,
quando mais se espera, vem frustração.
Mas se o futebol
português muitas vezes é menos do que se espera, não é menos verdade que muitas
vezes há um agigantamento que faz dos lusos mais do que se espera. Ora, não é
gratuito que Portugal – na Euro e na Copa do Mundo – tenha invariavelmente se
colocado entre as semifinalistas nesses últimos doze anos após o trauma com a
Grécia.
De Portugal, convém não
guardar expectativa exagerada; como igualmente convém supor que pode ir onde
não se espera. Pois nesse sentido o futebol português é incrivelmente
excêntrico. Sem ter jamais uma esquadra exatamente forte, exuberante, consegue por
vezes ter um jogador que carrega o time, um jogador acima da normalidade:
antanho foi Eusébio; não faz muito, Luís Figo; hoje é Cristiano Ronaldo.
Não seria injusto dizer
que, na década de 1960, Eusébio foi para Pelé o que hoje Cristiano
Ronaldo é para Messi...; ou seja, de um país que revela Eusébio, Figo e Cristino
Ronaldo se pode esperar muito. Mas justamente por que avis rara, em jogadores desse porte um brilho que pode ser ofuscado
pelas circunstâncias específicas de uma partida.
Por fim, falemos da
França, país sede da Euro-16. Ao contrário da Inglaterra, entendo que a França
é uma das potências do futebol mundial. E tem ratificado essa posição ao longo
dessas últimas décadas com seguidas e constantes gerações de jogadores geniais.
Na década de 1980
floresceu na França a magnífica geração de Michel Platini; para não ficar
atrás, uma nova geração de jogadores extraordinários, comandados por Zinedine
Zidane, fez história no final do século passado e início deste.
Nesta Euro-16 a França
desponta com uma nova geração. Com talentos do quilate de Paul Pogba e Antoine
Griezmann, a França já havia deixado impressão positiva na Copa-14, mesmo
caindo diante da Alemanha. É cedo ainda para asseverar, mas essa nova geração
tem tudo para repetir conquistas das anteriores gerações francesas.
Em suma: com o declínio
espanhol, que durante o último decênio pontificou no futebol europeu e mundial,
se excluirmos que a Alemanha é a Alemanha, que a Itália é a Itália..., os
franceses bem podem ocupar o lugar que coube à Espanha: com futebol vistoso e
jogadores fora de série, protagonizar as próximas competições.
*Humberto Pereira da Silva, 52 anos, é professor
universítário de Filosofia e Sociologia e crítico de
cultura de diversos órgãos de imprensa.
universítário de Filosofia e Sociologia e crítico de
cultura de diversos órgãos de imprensa.
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