No território autônomo da FIFA, esse país situado em Zurique, algumas moedas sustentam poder e a longevidade: venda de ingressos, de pacotes de hospitalidade (aqueles pacotes com diária de hotéis, translado até os estádios e ingressos, que eram na teoria proibidos de serem vendidos juntos) direitos de TV, organização de campeonatos de diversas categorias (o que dá acesso irrestrito aos cofres públicos dos países que têm a “felicidade” de gastar aos borbotões, mesmo não tendo dinheiro nem para saneamento básico) e uso das marcas registradas pela entidade.
Pelos direitos de comercialização da transmissão, segundo os livros do jornalista escocês Andrew Jennings (o único jornalista do mundo banido dos eventos que a FIFA organiza), a dupla Havelange e Teixeira fez fortuna através de propina. Foi o propinoduto que dava nas contas de sogro e genro que, ainda segundo o britânico da BBC, levou a ISL, parceira da FIFA, à bancarrota. Propina, aliás, que entrava como comissão e não era proibida pelas bondosas leis suíças. Não por acaso, FIFA e COI têm sede naquele país.
Nem a pulada de cerca de Teixeira, que resultou no fim do casamento com a filha de Havelange e que pode ser lida logo no primeiro capítulo do livro O Lado Sujo do Futebol, de Amaury Ribeiro Jr, Leandro Cipolini, Luiz Carlos Azenha e Tony Chastinet, foi capaz de estremecer a parceria dos dois. O conteúdo do primeiro capítulo está disponível no blog do Juca Kfouri.
Outra fonte de renda, esta mais democrática, já que está ao alcance de todos os membros votantes do Comitê Executivo, é a venda do voto na eleição do país-sede. A candidatura inglesa para 2018 naufragou graças à reportagem feita por Jennings para o programa Panorama BBC, que pegou no pulo alguns “vendedores de convicção” que negociavam seus votos com jornalistas que se passaram por intermediários. Eles foram severamente punidos, não pelo ato em si, e sim por terem sido descobertos.
Por muito tempo, alguns membros, sobretudo de países como Camarões e Nigéria, foram parceiros de delito dos posseiros de Zurique, nomeadamente Havelange e Blatter. Quando quiseram, em vez das rebarbas, o filé mignon, foram expulsos do clube, sob alegação de corrupção. Viraram bode-expiatório e exemplos do que aconteceria com que se atrevesse a querer um quinhão maior das benesses da bola.
Jack Warner era o operador do esquema de desvio dos pacotes de hospitalidade da Copa do Mundo e demais eventos promovidos pela FIFA. Diversas vezes ele foi “punido” por causa da prática, com suspensões e afastamentos. Foi graças aos esquemas encabeçados por Jack que a Coréia do Sul chegou às semifinais da Copa de 2002, pois era necessário vender os ingressos encalhados. Portugal, Itália e Espanha caíram no apito e os coreanos só pararam nas semifinais. O português Luís Aguilar conta com detalhes no livro Jogada Ilegal.
Warner estendeu seus tentáculos até sobre a política de seu país, Trinidad e Tobago, onde foi deputado entre 2007 e 2013, quando renunciou. Também era ele o responsável por cooptar e aglutinar os votos da região nas eleições para a presidência da entidade máxima do futebol mundial ou para definir as sedes das competições, que é a ocasião em que o vil metal mais corre nos lados de Zurique.
Entre outras peripécias do dirigente, estava o desvio da verba destinada ao projeto Goal, que fomenta (ou fomentaria) o desenvolvimento do futebol em países pobres e/ou lugares sem tanta tradição no esporte. A Concacaf, convenhamos, encaixa-se nos dois casos. E o Centro de Treinamentos que seria construído nas Ilhas Cayman nunca saiu do papel.
Warner foi um dos dirigentes presos em um hotel na Suíça, em 2015, na véspera da eleição vencida por Joseph Blatter, e também foi acusado de ter abiscoitado doações para as vítimas do terremoto que devastou o Haiti em 2010. Um santo homem, portanto.
Para amenizar um pouco o tamanho da porrada, Warner prometeu colaborar com as investigações, naquele sistema tão familiar a nós, a delação premiada. Aí, amigo, não teve perdão e foi banido pela FIFA, “horrorizada” com os atos contínuos de corrupção e o desvio de conduta de Warner.
Charles Blazer, norte-americano ex-secretário geral da Concacaf quando esta era presidida por Warner, seu parceirão de tramoias, foi banido também após tornar-se o principal delator do esquema. O glutão Chuck foi preso pelo FBI e também caiu na malha fina da receita americana. Aí era escolher entre entregar os parceiros ou ir para a cadeia. Fácil, né?
Outro expurgado pelo íntegro e arauto da moralidade Comitê de Ética foi o catariano Mohammed Bin Hammam, que presidiu a Federação Asiática de Futebol e foi parceiro de longa data (e de longa ficha) da dupla Blatter/Havelange. Até que resolveu disputar a eleição à presidência da FIFA contra Blatter, em 2011. Com o cofre e a disposição cheios para agradar os delegados votantes, era uma ameaça real ao império de Blatter à frente do grande negócio futebol. Aí teve sua candidatura impugnada e foi expulso pela ética entidade.
O castelo de cartas dos antigos dirigentes da entidade caiu após a entrada do FBI na parada, mas, no Brasil de Havelange/Teixeira/Del Nero, nenhuma investigação conseguiu colocar as mãos em ninguém. E o principal motivo é a relação espúria que a CBF tem com muitos parlamentares brasileiros, que formam um grupo conhecido como Bancada da Bola. São deputados e senadores que, além de cargos nas federações estaduais, ainda tiveram parte de suas campanhas financiada com polpudas doações da entidade.
As torneiras da entidade costumam ser generosas nas campanhas eleitorais. Em 2002, R$ 1,180 milhão foram destinados a candidatos a deputado e a senador. Em 2004, para as eleições municipais, as doações atingira as cifras de R$ 280 mil. Quatro anos mais tarde, a confederação deu R$ 345 mil em contribuições para candidatos. A prática é antiga: em 1998, segundo o Estadão, R$ 5,1 milhões abasteceram os cofres de candidatos de diversos partidos.
Parceiros da entidade também o fazem, como o caso da AmBev, que injetou mais de R$ 200 mil na campanha de Candido Vacarezza, líder do governo na Câmara na época em que era discutida a Lei Geral da Copa. Vacarezza indicou para relator ninguém menos que Vicente Cândido, ex-sócio de Marco Polo Del Nero em um escritório de advocacia em São Paulo e vice-presidente da Federação Paulista de Futebol, playground de Del Nero. No caso da holding de cervejarias, a Lei Geral da Copa era estratégica porque poderia permitir a comercialização de cerveja nos estádios durante a Copa do Mundo, possibilitando a venda de uma de suas marcas, que patrocinava a FIFA.
Um dos grandes parceiros de Teixeira é o ex-presidente do Barcelona e ex-homem forte da Nike no Brasil, Sandro Rosell, picareta de longa ficha e que recentemente foi engaiolado por suspeita de desvio e lavagem de dinheiro na Espanha envolvendo direitos de TV dos jogos da Seleção na época em que Teixeira, O Genro, era o todo-poderoso. Quando viu o cerco fechando, o ex-genro de Havelange tratou de vender suas casas nos Estados Unidos e voltou para o Brasil, de onde não sai nem carregado e tem fieis escudeiros no Congresso.
Assim, qualquer tentativa de moralização do futebol brasileiro morre ainda no berço.
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