quinta-feira, 22 de outubro de 2020

Lech 2 x 4 Benfica - reorganizar a casa


Inúmeros são os reality shows que abordam de tudo sobre tudo: namoro, negócios, vestuário, estilo, confinamentos em casas e fazendas para se aferir o pior do ser humano, arrumação. Neste último tipo, espaços são pensados para que o aproveitamento seja o máximo, qualquer que seja o tamanho disponível. 

Não é o caso, mas talvez Jorge Jesus encontre a inspiração necessária para reorganizar a casa, ou melhor, o sistema defensivo, que perdeu o elemento que mais se adequa ao que o treinador quer para o restante da época. Sem André Almeida - já não contava com Rúben Dias, mas era algo previsível sem os milhões da Champions -, foi chamado Gilberto, o reforço menos destacado para a temporada.

As dificuldades ficaram claras e só não deitaram a estreia na Liga Europa porque a turma da frente esteve em um dia dos mais inspirados, principalmente Darwin Núñes, que fez gosto ao pé, à cabeça e mostrou seu farto arsenal para justificar o maior investimento na história encarnada e do próprio futebol português. 

E começou como JJ gosta: pressão na saída de bola, blocos altos para retomada rápida e golo de Pizzi em um pênalti, quando Waldschmidt cruzou a bola na área e  encontrou o braço de Dejewski. Logo depois, porém, a primeira amostra do quanto será necessário arrumar a cozinha. A linha toda à altura do meio de campo e não houve quem resolvesse, pelas laterais ou pelo meio, a ruptura causada pelo passe a Czerwinski em velocidade até chegar aos pés de Ishak, livre à frente de Odisseas para empatar.

A tática polonesa era clara: atrair o Benfica e chegar no menor tempo - e números de passes - possível até o centroavante, quando muito passando pelos pés dos ibéricos Pedro Tiba (em má jornada) e Dani Ramirez (em muito bom plano). Também colaborou o fato de Taarabt, clássico e em busca do melhor passe, ter começado no lugar de Rafa Silva, velocista e grande ladrão de bolas dentro do sistema de JJ, mas que ficou no banco porque o treinador sabia que o Lech pouco trocaria passes na altura do meio.

O cobertor curto só foi resolvido quando Pizzi, que era dúvida, deu o lugar a Rafa, na volta do intervalo. Pouco antes, Gilberto já havia colocado a bola na cabeça de Darwin com a precisão típica dos laterais brasileiros, e recolocado os encarnados à dianteira, num placar injusto. Na volta, porém, em troca de passes, o Lech voltou a empatar ao encontrar falhas no movimento defensivo entre o central argentino e o lateral brasileiro.  Se na primeira parte foi no espaço existente entre Grimaldo e Vertonghen, desta feita, foi no meio de Gilberto e Otamendi, com Rafa mal na foto ao estar sem função na frente da área, quando saiu a tabela curta, o chute de Kaminski e o aproveitamento na recarga de Vlachodimos na cabeça de Ishak, que bisou na partida. 

As linhas fechadas dos da casa impediam os passes verticais de Gabriel e Taarabt, mas não foram suficientes para parar umas das raras combinações entre Grimaldo e Everton, que buscou o jogo pelo meio e achou Darwin de costas, se apresentando para a tabela. O uruguaio, no entanto, resolveu ele mesmo a parada ao girar, meter uma caneta no marcador, Cmormakovic, e bater sem resposta na saída de Bednarek.

Praticamente acabou ali o jogo para os da casa, ainda mais depois que o treinador Darius Zuraw respondeu às mexidas de Jesus (Weigl e Pedrinho nos lugares de Taarabt e Waldschmidt, e depois Tavares na vaga de Grimaldo) tirando seus melhores jogadores para tentar a ligação direta para Cacharava, um desastre cipriota de 1,98m, que até recebeu boas bolas, mas nunca teve capacidade de converter em algo que chegasse próximo a oportunidades claras de gol. 

Ainda houve tempo para que Darwin fizesse o terceiro, com ele mesmo a começar a trabalhar a jogada ao buscar, à esquerda, a aproximação de Gabriel, que buscou Pedrinho, que segurou até a passagem de Gilberto o tempo suficiente para este abrir o necessário para encontrar Rafa na área. Ele levou ao fundo e encontrou o 9 quase dentro do gol, já desmarcado de Dejewski para resolver a questão e abrir, em grande, seu lugar na galeria dos marcadores benfiquistas. 

Pouco mais de 300 quilômetros separam Poznań da portuária Gdansk, na Polônia, onde será disputada a final da Liga Europa. Vi no zerozero.pt que foi na Polônia também que Jorge Jesus fez, pelo Estrela da Amadora, seu primeiro jogo em competições europeias, há pouco mais de duas décadas, em uma cidade chamada Chorzów, perdendo nos pênaltis pela extinta Taça Intertoto.  

É, pois, um país de recordações para o treinador benfiquista, que somou mais uma às que já tem na estreia pela Liga Europa, competição na qual o Benfica não participava da fase de grupos já há pouco mais de uma década, coincidentemente, pelas mãos de JJ. Para voltar às terras polacas, o mister terá que arrumar a casa a partir da sua defesa. E com as peças que tem, tal e qual acontece nos reality shows de arrumação.

Vlachodimos: achas que é sempre que vais sair sem sofrer golos, Ody?
Gilberto: "Vai-te ao inferno" foi a frase que falei para o Gilberto ao menos umas sete vezes. "Grande trabalho!", foi a que eu disse duas vezes; 
Otamendi: segundo parte da imprensa portuguesa, pior que um dos golos do Lech ter saído pelo seu lado foi o fato de Otamendi ter terminado a partida como capitão. Um escândalo, pois, dado o passado portista e o pouco tempo na Luz. Escândalo mesmo é deitar tinta fora por isso;
Vertonghen: a difícil vida de um senhor de quase 33 anos e meio que tem de correr, já consagrado, tendo Grimaldo ou Nuno Tavares ao lado;
Grimaldo: a saída do jogo foi seu melhor momento (Nuno Tavares: a quantidade de ar que deslocou ao errar a bola dentro da sua área foi a mesma que eu gastei num sonoro e intempestivo "Ah, vá pra pqp, Nuno Tavares!"); 
Gabriel: no Brasil, chamamos de 'pau pra toda obra' um gajo que faz o que o Gabriel tem feito algures nos jogos do Benfica, seja na construção, seja na criação. As botas pretas dão um ar operário ao melhor jogador da época;
Taarabt: mais algumas atuações destas e tu estarás no Wolverhampton. Não sei se gosto ou não disto (Weigl: não falei que estarias melhor no banco? Até podes saltar de lá às vezes, que não comprometes);
Pizzi: caro Luís Miguel, trate de imitar as grandes partidas do seu amigo Bruno Fernandes também. O saltinho na grande penalidade é um bom começo, mas não basta (Rafa: felizes os adeptos que têm Rafael Alexandre na equipa. Titular ou não, a magia e a entrega são as mesmas. Pode até deixar crescer a barba à náufrago, que é um direito que só os grandes têm);
Éverton: o único ponto ruim de ter um titular da Seleção Brasileira no time é ter a certeza de que não durará muito (Jardel: por falar em durar muito...);
Waldschmidt: chegamos àquele estágio em que, se o Gian-Luca não resolve o jogo, tendemos a achar que não esteve lá tão bem. Não nos leve a mal, mas somos injustos (Pedrinho: segue apanhando, mas soube que já ganhou seis quilos de massa muscular. Mais uns 15 e já estará mais pesado que o Fernando Farinha); 
Darwin Núnez: o último jogador que fez o que tu fizeste pelo Benfica foi o João Félix. Três golos, a jogar para a equipa, a rir-se a cada vez que fazias um golo, como se isso fosse o mesmo que buscar o jornal ao passeio e fartar-se com as tirinhas do Garfield na volta, até passar pelo alpendre. Vais render alguns muitos milhões, certamente, mas renda alguns troféus antes, SFF.

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