sábado, 7 de novembro de 2020

Benfica 3 x 3 Rangers - decisões, escolhas e o uruguaio certo

Tudo, absolutamente tudo, na vida é uma questão de escolhas, racionais ou instintivas. Acordar e levantar de vez ou esticar um poucochinho o último sono da manhã? Colocar o pé no chão ou evitar o frio do soalho e procurar um tamanco ou seja lá o que for para calçar? Um sumo? Um café? Escovar os dentes antes ou depois de comer? Mas que raio, se eu escovo, interfiro no sabor do café e tenho que escovar outra vez após o pequeno almoço. Ora, tantas escolhas a serem feitas e nem decidimos ainda se tiramos a barba antes de sair de casa ou deixa lá como está.

Até um Nobel de Economia, o de 2017, foi outorgado a um gajo britânico chamado Richard Thaler porque ele explicou por que diabos tomamos decisões erradas sobre os gastos, em vez de agirmos de maneira racional, mesmo sabendo o certo a ser feito. "Olha, uma calça em promoção, mas não preciso dela. Dane-se, está em promoção!". Escolhas, enfim.

E é com estas palavras que escolho iniciar esta crônica sobre a noite chuvosa - de chuva mesmo e de golos - no Estádio da Luz para a terceira jornada da Liga Europa, torneio onde foi militar o Benfica de Jorge Jesus também porque alguém escolheu rescindir o contrato do Zivkovic justamente antes do jogo em que o time para onde ele foi seria enfrentado e deu no que deu.

E lá se foram as escolhas de JJ depois da surra de realidade que o Benfica e eu tomamos do Boavista, no inapelável 3 a 0 do Bessa no Dia dos Fiéis Defuntos. Na ocasião, o mister lamentou não ter rodado mais a equipa, razão pela qual levou um 11 mais ou menos alternativo para o duelo com os escoceses. Frente a um time não lá muito competente a tramar com a bola, mas bem montado por outro gajo inglês bem conhecido, o Steven Gerrard, o Benfica foi a campo preparado para algumas poupanças: Gilberto, Gabriel, Grimaldo, Waldschmidt e Darwin Núñez ficaram no banco, certamente porque JJ sabe que precisará deles - ou de alguns deles - em grande para o Braga no domingo e porque, com seis pontos em seis disputados, ainda há espaço para isto na Liga Europa.

O lendário Gerrard, que por certo viu o que os enxadrezados fizeram, armou seu time para ter a bola atrás e atrair os da casa para sair em velocidade nos espaços que seriam encontrados entre numa equipe pouco talhada para marcar, do jeito que se apresentou. Mas Helander recebeu uma bola apertada e acertou Rafa, que pressionava. Aí o 27 levou toda a gente escocesa ao fundo e cruzou para a entrada da pequena área, onde Seferovic estava pronto para abrir os trabalhos, não fosse pela infeliz intromissão de Goldson, ele mesmo a trair o goleiro McGregor, logo no primeiro minuto de jogo. 

Até o décimo, o Benfica teve outra grande chance, com Pizzi a finalizar na área jogada que começou no avanço de Nuno Tavares, passou por Everton e terminou no chute cruzado do capitão, rasante no poste esquerdo. Isso fez com que os visitantes se encolhessem, tramando o espaço que por certo apareceria. E apareceu no lançamento do meia Davis, recuado à área dos centrais, para explorar a velocidade do atacante Kent. A escolha de Otamendi foi deslocar o inglês quando este tinha somente Vlachodimos à frente, mas em condições de chegar à bola antes. Aí o árbitro não teve escolha, a não ser mostrar o bilhete de saída para o argentino, expulso aos 19 minutos.

Pizzi foi o escolhido para que Jardel recompusesse a defesa, mas em cinco minutos os visitantes deram a volta, deixando a nu toda a incapacidade do 11 benfiquista para fechar as lacunas entre os setores. Davis e Tavernier tabelaram no espaço "ocupado" por Taarabt, Everton e Nuno Tavares e o lateral cruzou rasteiro onde não havia ninguém, exceto Diogo Gonçalves, que fez a escolha de tentar tirar quando não havia nenhum dos de Gerrard a chegar,  mas mandou a bola com violência contra o próprio gol.   

Logo no lance seguinte, outro lançamento para a direita do ataque do Rangers e a bola foi atravessada na frente da área lisboeta, de Morelos para Kamara. Entre ele e Vlachodimos havia uma bagunça encarnada, com Diogo Gonçalves a central, Weigl fazendo a cobertura, ou tentando, e Rafa fechando pelo meio, ou tentando. O médio alemão titubeou entre fazer a barreira para o chute ou sair à caça do lateral esquerdo Barisic, que passava. Pelo meio, Kent atraiu a atenção de Rafa e de Vertonghen. Vlachodimos se posicionou para o chute no meio do golo, só que este veio seco, apertado, entre seu lado  direito e o poste. O terror estava instalado na catedral, como que se fosse transportado do Bessa.

Até o fim da primeira etapa, a chuva aumentava proporcionalmente ao declínio físico e moral de um Benfica extenuado, mesmo com reservas em campo. E isto só não se traduziu em gols porque os comandados de Steven Gerrard, embora bem treinados, não souberam aproveitar a superioridade numérica e anímica. E o intervalo chegou, para a sorte de Jorge Jesus e cia.

O Benfica voltou ao segundo tempo com os titulares - Grimaldo, voltando de lesão, e Gilberto, na falta de outro - nas laterais. Mas foi novamente por ali que os problemas prosseguiram. Logo aos cinco minutos, Goldson teve todo espaço do mundo para acionar Tavernier na ponta. Ele foi ao fundo, mas havia Vlachodimos fechando o primeiro pau, e Vertonghen, Jardel e Grimaldo, além de Weigl mais para o centro da área, a diminuir as opções de passe do francês apenas a Morelos, que era seguido de perto por Gilberto. Era, porque o brasileiro escolheu parar. "Olha, o cara estará sozinho, mas o Ody pode desviar. E se não desviar? Dane-se, vou esperar". Escolhas, enfim.

Às favas com as poupanças, Darwin entrou aos 15 no lugar de Seferovic e, menos de uma dezena de minutos depois,  Waldschmidt rendeu um esgotado Everton, que jogou como titular em todos os jogos da temporada. Ainda assim, o Rangers seguia dominando como queria. Fora uma escapada de Rafa, que terminou na conclusão errada do 27, eram os escoceses os donos do jogo. Pressionando a saída de bola, provocaram o erro de um desastroso Gilberto, que sem opções perdeu para Barisic. A bola ficou com Morelos, que buscou Jack no meio; este com um passe só deixou Kent na cara do gol, mas acabou tirando demais de Vlachodimos e acertou o pé da trave.

Com o jogo tranquilo demais, talvez inconscientemente, o Rangers passou a querer enfeitar o último passe, e a escolha cobrou seu preço. Exceto pela dupla de avançados que entrou no decorrer da segunda etapa e de Rafa Silva, o Benfica era uma presa um tanto fácil, mas dois lances mudaram a sorte do jogo: em ambos, Waldschmidt colocou-se entre os médios e achou para Darwin primeiro para ganhar aos trambolhões de Helander e de McGregor, antes de servir Rafa para o 2-3; depois, ele mesmo, finalmente em posição legal, para receber e bater na saída de McGregor e reestabelecer o mínimo da dignidade que começou a ser perdida no Bessa e estava a se afogar no dilúvio da Luz.

Vlachodimos: voltamos às eras em que o Ody vai buscar a bola ao golo, mesmo que seja vindo de um companheiro. O duro é quando faz vindo de todos os lados; 
Diogo Gonçalves: da próxima vez, certifique-se de que a baliza é a certa, pá (Gilberto
: ó, rapaz, ainda és novo nisto, então lá vai: não deixes o gajo com a camisola diferente da tua sozinho na área);
Otamendi: 1 a 0 em casa, mais de 70 minutos de jogo pela frente, o colega das luvas no lance e tu me resolves fazer a falta? Que caraças estavas a pensar?;
Vertonghen: a desilusão quando viu o gajo meter o terceiro deles nos mostra que, mesmo para quem já viu de tudo na vida, ainda há espaço para indignações. Em todo caso, para não se repetir com frequência, seria bom se o senhor Jan desse uns conselhos pros miúdos da defesa;
Nuno Tavares: certa vez, o JJ disse que o Nuno Tavares é o futuro da lateral esquerda da Selecção Nacional. Das duas, uma: vai ensinar o miúdo a marcar ou deseja o pior para os seleccionadores da equipa nacional (Grimaldo: o brilho nos olhos de ver que o Alejandro voltou esvaiu-se quando tomamos um golo pelo lado dele. Ainda assim, que bom que voltou);
Weigl: chegou a ser comovente o olhar perdido de quem esteve tão perto nos golos tomados sem poder fazer mais. Sentimos a mesma impotência, Julian;
Taarabt: aprendas a falar uma só frase em Português, SFF: "Ó, mister, mete cá mais um trinco, caraças". Facilitará tua vida e a dos adeptos;
Pizzi: tenho certeza de que estavas prestes a fazer um daqueles grandes jogos que fazes quando ninguém mais espera por isto. Carlos Carvalhal que me perdoe, mas ficou para domingo (Jardel: uma pena o Fernando Santos ter convocado a Selecção antes do jogo. Certamente, pensaria em ti para render o Pepe. Pensando bem, que bom o Engenheiro estar ocupado);
Rafa: ao fim do jogo, o Jorge Jesus foi ter com o Rafa no relvado e falou-lhe ao pé do ouvido, gesticulando um bocado a mais do que o normal. Explicou na coletiva que disse ao Rafael Alexandre que jogadores como ele fazem o Benfica ganhar títulos. Digo-lhe mais: com mais uns seis de ti, a Europa seria nossa;
Everton: lembras quando disse que tuas atuações fariam com que um Wolverhampton o levaria embora? Voltes a jogar o que jogavas,  SFF, mesmo que isto custe tua despedida. Bom, sem ser assim, não faz sentido ficares (Waldschmidt: volto a perguntar: por que raios não viestes em janeiro?);
Seferovic: gostei da tática de cansares os adversários para o Darwin terminar o serviço (Darwin Núñez: Cavani quem?). 

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