Nem precisa de legenda. Imagem: x/fcporto |
Tubarão em águas nacionais, dentro do ecossistema do futebol, o Benfica é um carapau a nadar em águas repletas de predadores quando vai para longe da costa portuguesa. Ponto. É preciso entender isso para perceber que raio aconteceu a uma equipa que na temporada passada tanto fez e que, agora, mal se sustenta na briga pelo título nacional.
Se o Benfica, como o Porto e o Sporting, pesca os destaques dos outros clubes portugueses, quando está às vistas das grandes ligas, perde os seus. E só há um jeito de suavizar essas perdas: planejar, antever, perceber quem vai e ter à mão quem vem, de preferência já ambientado dentro do elenco.
O livro Soccernomics mostra como o Lyon se preparava para montar seu elenco. Mandava no futebol francês, antes do PSG ser adquirido pelo fundo de investimento do Catar, mas ainda assim não tinha como fazer frente a alemães, espanhóis, italianos ou ingleses, que sempre levavam seus destaques. Então identificava quem poderia sair e já tinha sob os olhos quem chegaria. E assim foi campeão sete vezes seguidas.
Grimaldo, Enzo Fernández e Gonçalo Ramos saíram. Era óbvio que sairiam. E como foi o processo para amainar isso?
Sequer houve. Para o lugar de Grimaldo, vieram Bernat (apoquentado por uma lesão crônica desde o PSG), Álvaro Carreras e Jurásek. E nenhum deles tem características semelhantes ao espanhol que hoje brilha sob as ordens de Xabi Alonso no Leverkusen, tanto que Morato e o faz-tudo Aursnes têm jogado por ali, onde poderia estar Ristic, melhor que os outros três, mas que foi dispensado para que Jurásek fosse contratado por €14 milhões. Após perder Ramos para o PSG, cerca de €40 milhões foram gastos com os avançados Marcos Leonardo e Arthur Cabral, mas quem joga é Tengstedt, o mais tosco deles, mas que é capaz de pressionar a saída de bola mais que os outros. E ainda havia Musa. E, para ser Enzo, chegou Kökçü, melhor jogador do campeonato dos Países Baixos na temporada passada e aposta pessoal do treinador, que queria porque queria, mesmo com fartas opções no plantel para o setor. O problema é que ele não é Enzo.
A chegada de Di María, um dos maiores jogadores da história, fatalmente faria o time perder um pouco do poder de pressionar após a perda da bola, que era uma das armas mais fortes no primeiro ano da gestão Schmidt, forçando o treinador a encontrar soluções para amenizar o impacto e aproveitar todos os benefícios ofensivos que Fideo poderia dar à equipa. Mas isso está longe de acontecer, pois o craque argentino, aos 36 anos, tem que correr atrás de lateral e ponta e quem mais cair por ali porque não há laterais e porque a entrada de Kökçü desequilibrou o time. Não por culpa dele, mas porque Roger Schmidt é teimoso e arrogante. E não há laterais porque Gilberto, reserva imediato de Bah, foi liberado para assinar com o Bahia antes que seu substituto fosse encontrado. A aposta em João Victor para o setor mostrou-se um equívoco fácil de prever pelas suas prestações a serviço dos franceses do Nantes.
O plantel foi mal montado, mas Schmidt, que em 2022-23 mal rodava o onze, razão que forçou Lucas Veríssimo a buscar minutos fora, agora raramente repete não só nomes, mas o sistema.
Florentino, o maior ladrão de bolas da última Champions, que dava sustentação defensiva e liberava o prodígio João Neves para ser o homem mais influente, mal sai do banco. Com ele a trinco, a linha com os três médios funcionava, qualquer que fosse a composição do trio. Quando Arthur Cabral começou a entender o jogo de pressão de Schmidt, voltou para o banco, tendo cinco ou dez minutos para jogar, dependendo do placar. Para caber Kökçü, recuou João Mario para a posição de 6 (ou segundo volante) porque não quer abrir mão da calma e do critério do jogador para o achar o melhor caminho. O problema é fazer isso na cabeça de área.
E fica tudo às costas de João Neves. Perde-se tudo assim: estraga o jogo de João Mario, obriga Di María a correr como um louco, anula Rafa Silva, que quando recebe a bola as defesas já estão postas e o espaço entre zagueiros e volantes, seu habitual parque de diversões, deixa de existir porque a bola é recuperada longe do gol adversário. Neves, coitado, é obrigado a viver como Sísifo e empurrar morro acima a pedra que fatalmente voltará ao pé da montanha, e perde seu melhor, que é a pressão no campo de defesa adversário, onde rouba a bola e avança com ela ou encontra, com passes medidos, gajos com camisolas iguais àquela que veste em espaços em meio a defesas desorganizadas.
Vieram dois clássicos: Sporting, pela Taça; e Porto, pela Liga, com a possibilidade de abrir 12 pontos de vantagem aos azuis. Ora com avançado, ora sem, o Benfica apostou em formações com o meio-campo leve demais para enfrentar duplas como Hjulmand e Morita ou Alan Varela e Nico González, de bom trato à bola e fortes no combate. O futebol, desde sempre, é a luta por espaços, e não é somente com atletas pouco afeitos à imposição física que o Benfica terá a bola para servir seus tipos mais habilidosos. Fosse mais eficaz, a goleada teria sido aplicada pelos leões, que jogaram como quiseram e só não marcaram mais porque foram perdulários. Os sinais, porém, não foram notados e o Porto, sabedor das mazelas das gentes encarnadas, jogou para juntar sua melhor característica - a agressividade - às maiores deficiências benfiquistas.
Aí Schmidt tem a desfaçatez de falar que o time se preparou da melhor forma. Desculpas, não as deve porque perder é do jogo e é preciso entender isso para tirar a carga negativa que toda derrota traz e perder, ora, não só faz parte como é um dia três resultados possíveis, mesmo que a malta que consuma o jogo - atentem-se ao verbo consumir, não por acaso escrito aqui - só admita vencer. Obviamente, ninguém entra em campo para perder. Clara também é a dependência de uma série de fatores para que goleadas como esta aconteçam entre equipas niveladas.
Ninguém se prepara para fazer 5 a 0 em um clássico, como respondeu o treinador Rogério Ceni, do Fortaleza, após uma pergunta imbecil feita durante uma entrevista. No entanto, dificuldades além das naturais para um jogo deste tamanho eram previsíveis quando insiste-se no que deu errado e o adversário é o Porto, que é forte nos duelos, tem atacantes móveis e é rápido a atacar pelas alas, sobretudo contra jogadores improvisados e mal protegidos pelos alas ou pelos centrais, que tinham que se preocupar com os gajos de azul.
No fundo, somente um dos lados se preparou para o jogo. Sérgio Conceição minou os pontos fortes, como o espaço para Rafa e a possibilidade de Di María fazer a diagonal para bater no gol ou servir algum tipo de vermelho.
Era de se esperar, afinal.
Sem comentários:
Enviar um comentário