segunda-feira, 4 de março de 2024

BENFICA - carapaus, tubarões e a óbvia vergonha

Nem precisa de legenda. Imagem: x/fcporto 

Tubarão em águas nacionais, dentro do ecossistema do futebol, o Benfica é um carapau a nadar em águas repletas de predadores quando vai para longe da costa portuguesa. Ponto. É preciso entender isso para perceber que raio aconteceu a uma equipa que na temporada passada tanto fez e que, agora, mal se sustenta na briga pelo título nacional.

Se o Benfica, como o Porto e o Sporting, pesca os destaques dos outros clubes portugueses, quando está às vistas das grandes ligas, perde os seus. E só há um jeito de suavizar essas perdas: planejar, antever, perceber quem vai e ter à mão quem vem, de preferência já ambientado dentro do elenco.

O livro Soccernomics mostra como o Lyon se preparava para montar seu elenco. Mandava no futebol francês, antes do PSG ser adquirido pelo fundo de investimento do Catar, mas ainda assim não tinha como fazer frente a alemães, espanhóis, italianos ou ingleses, que sempre levavam seus destaques. Então identificava quem poderia sair e já tinha sob os olhos quem chegaria. E assim foi campeão sete vezes seguidas.

Grimaldo, Enzo Fernández e Gonçalo Ramos saíram. Era óbvio que sairiam. E como foi o processo para amainar isso?

Sequer houve. Para o lugar de Grimaldo, vieram Bernat (apoquentado por uma lesão crônica desde o PSG), Álvaro Carreras e Jurásek. E nenhum deles tem características semelhantes ao espanhol que hoje brilha sob as ordens de Xabi Alonso no Leverkusen, tanto que Morato e o faz-tudo Aursnes têm jogado por ali, onde poderia estar Ristic, melhor que os outros três, mas que foi dispensado para que Jurásek fosse contratado por 14 milhões. Após perder Ramos para o PSG, cerca de 40 milhões  foram gastos com os avançados Marcos Leonardo e Arthur Cabral, mas quem joga é Tengstedt, o mais tosco deles, mas que é capaz de pressionar a saída de bola mais que os outros. E ainda havia Musa. E, para ser Enzo, chegou Kökçü, melhor jogador do campeonato dos Países Baixos na temporada passada e aposta pessoal do treinador, que queria porque queria, mesmo com fartas opções no plantel para o setor. O problema é que ele não é Enzo. 

A chegada de Di María, um dos maiores jogadores da história, fatalmente faria o time perder um pouco do poder de pressionar após a perda da bola, que era uma das armas mais fortes no primeiro ano da gestão Schmidt, forçando o treinador a encontrar soluções para amenizar o impacto e aproveitar todos os benefícios ofensivos que Fideo poderia dar à equipa. Mas isso está longe de acontecer, pois o craque argentino, aos 36 anos, tem que correr atrás de lateral e ponta e quem mais cair por ali porque não há laterais e porque a entrada de Kökçü desequilibrou o time. Não por culpa dele, mas porque Roger Schmidt é teimoso e arrogante. E não há laterais porque Gilberto, reserva imediato de Bah, foi liberado para assinar com o Bahia antes que seu substituto fosse encontrado. A aposta em João Victor para o setor mostrou-se um equívoco fácil de prever pelas suas prestações a serviço dos franceses do Nantes.

O plantel foi mal montado, mas Schmidt, que em 2022-23 mal rodava o onze, razão que forçou Lucas Veríssimo a buscar minutos fora, agora raramente repete não só nomes, mas o sistema.

Florentino, o maior ladrão de bolas da última Champions, que dava sustentação defensiva e liberava o prodígio João Neves para ser o homem mais influente, mal sai do banco. Com ele a trinco, a linha com os três médios funcionava, qualquer que fosse a composição do trio. Quando Arthur Cabral começou a entender o jogo de pressão de Schmidt, voltou para o banco, tendo cinco ou dez minutos para jogar, dependendo do placar. Para caber Kökçü, recuou João Mario para a posição de 6 (ou segundo volante) porque não quer abrir mão da calma e do critério do jogador para o achar o melhor caminho. O problema é fazer isso na cabeça de área.

E fica tudo às costas de João Neves. Perde-se tudo assim: estraga o jogo de João Mario, obriga Di María a correr como um louco, anula Rafa Silva, que quando recebe a bola as defesas já estão postas e o espaço entre zagueiros e volantes, seu habitual parque de diversões, deixa de existir porque a bola é recuperada longe do gol adversário. Neves, coitado, é obrigado a viver como Sísifo e empurrar morro acima a pedra que fatalmente voltará ao pé da montanha, e perde seu melhor, que é a pressão no campo de defesa adversário, onde rouba a bola e avança com ela ou encontra, com passes medidos, gajos com camisolas iguais àquela que veste em espaços em meio a defesas desorganizadas. 

Vieram dois clássicos: Sporting, pela Taça; e Porto, pela Liga, com a possibilidade de abrir 12 pontos de vantagem aos azuis. Ora com avançado, ora sem, o Benfica apostou em formações com o meio-campo leve demais para enfrentar duplas como Hjulmand e Morita ou Alan Varela e Nico González, de bom trato à bola e fortes no combate. O futebol, desde sempre, é a luta por espaços, e não é somente com atletas pouco afeitos à imposição física que o Benfica terá a bola para servir seus tipos mais habilidosos. Fosse mais eficaz, a goleada teria sido aplicada pelos leões, que jogaram como quiseram e só não marcaram mais porque foram perdulários. Os sinais, porém, não foram notados e o Porto, sabedor das mazelas das gentes encarnadas, jogou para juntar sua melhor característica - a agressividade - às maiores deficiências benfiquistas.

Aí Schmidt tem a desfaçatez de falar que o time se preparou da melhor forma. Desculpas, não as deve porque perder é do jogo e é preciso entender isso para tirar a carga negativa que toda derrota traz e perder, ora, não só faz parte como é um dia três resultados possíveis, mesmo que a malta que consuma o jogo - atentem-se ao verbo consumir, não por acaso escrito aqui - só admita vencer. Obviamente, ninguém entra em campo para perder. Clara também é a dependência de uma série de fatores para que goleadas como esta aconteçam entre equipas niveladas. 

Ninguém se prepara para fazer 5 a 0 em um clássico, como respondeu o treinador Rogério Ceni, do Fortaleza, após uma pergunta imbecil feita durante uma entrevista. No entanto, dificuldades além das naturais para um jogo deste tamanho eram previsíveis quando insiste-se no que deu errado e o adversário é o Porto, que é forte nos duelos, tem atacantes móveis e é rápido a atacar pelas alas, sobretudo contra jogadores improvisados e mal protegidos pelos alas ou pelos centrais, que tinham que se preocupar com os gajos de azul.

No fundo, somente um dos lados se preparou para o jogo. Sérgio Conceição minou os pontos fortes, como o espaço para Rafa e a possibilidade de Di María fazer a diagonal para bater no gol ou servir algum tipo de vermelho.

Era de se esperar, afinal.

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