Programa Grande Resenha Facit, ao lado de João Saldanha (Globo.com) |
O
ano de 2012 é emblemático. Segundo a previsão dos Maias, civilização megadesenvolvida que viveu muito antes de Cristo, o mundo acabará neste
ano. Também é o ano do centenário de Luiz Gonzaga, o Rei do Baião. Mas 2012
marca outro centenário: o de Nélson Rodrigues, o Anjo Pornográfico, como
entronizou o escritor Ruy Castro, autor, entre outras obras, da sua biografia.
No
entanto, Nélson Rodrigues também se eternizou como grande cronista esportivo. Tricolor
carioca fanático, para ele, o jogo era maior que a simples disputa de noventa e
poucos minutos. Como enxergava pouco, menos ainda no Maracanã, onde as cabines
de rádio ficam mais longe do relvado, Nelson precisava de alguém ao lado para
“soprar-lhe” quem estava com a bola, se era Fulano ou Beltrano. Por muitas
vezes, a tarefa coube a outro monstro sagrado da bola de papel, Armando Nogueira.
E o próprio Armando é quem torna ainda maior o mito. “Tinha que ter alguém
soprando no ouvido dele os lances que a vista curta não alcançava. E, no
entanto, ninguém jamais retratou um jogo de futebol como ele”, escreveu nas
orelhas de “As Sombras das Chuteiras Imortais”, coleção de crônicas esportivas
feita por Ruy Castro em 1993.
E
era exatamente por enxergar mal e parcamente que ele era tão completo.
Enxergava o jogo além da limitação da visão, através do calor do estádio Mário
Filho, não por acaso o nome do seu irmão. Pelo som que vinha do então Maior do
Mundo, desde o gramado à geral. Constatava-se ali a beleza que só ele via e sentia,
pelos olhos alheios e pela sua sensibilidade ímpar.
Por
causa dessa sensibilidade, ele via com a própria alma a alma do próprio esporte
bretão, no mais profundo do seu âmago. Mais que isso: a alma do torcedor. Quem
mais poderia diagnosticar com tal precisão o que chamou de complexo de
vira-latas, por causa da falta de fé no escrete canarinho – e em si mesmo – que
cruzou o oceano para o capitão Bellini levantar, literalmente, a Taça Jules Rimet,
na Copa da Suécia, em 1958? Foi ele quem cantou a bola do complexo de
inferioridade que tomou conta do país depois da perda, no grito e nos tapas do
capitão celeste Obdúlio Varela, da Copa de 1950, dentro do nosso próprio quintal.
Para
se referir ao grande Castilho, do seu tricolor carioca, fazia ilações tão inusitadas
quanto geniais. O arqueiro da Copa do Mundo de 1954 tinha como apelido
“Leiteria”, sabe lá Deus por que, em virtude da sua sorte. Para a verve
rodrigueana, um sujeito sem sorte era incapaz de chupar um Chicabon, pois podia
engolir o palito. E naquele remoto novembro de 1958, foi o goleiro que evitou,
com as “tetas leiteiras da sorte”, que as quatro bolas atiradas contra suas
traves decretassem o revés do time das Laranjeiras no clássico com o América. Todos
que acompanharam o prélio poderiam afirmar, de maneira plausível, que foi o
América quem desperdiçou as chances de gol, mas Nelson não. E quem seria capaz
de desmenti-lo?
Pode
ter sido, pois, seu mais ilustre personagem, o Sobrenatural de Almeida. Ou
melhor, personagem, não. Pelas suas tintas, Sobrenatural de Almeida,
inexpugnável, ganhou vida e transformou-se numa espécie de 23º jogador em
campo, que entrava em ação principalmente quando a torcida do seu time era
afligida pelos ataques adversários, a partir dos anos 1970, quando o craque
imaginário mais real que já existiu estreou nos gramados tupiniquins.
Foi
no dia 21 de dezembro de 1980 que o coração do velho cronista parou de bater,
aos 62 anos de jogo, ironicamente num domingo. De certa forma, os Maias não
estavam de todo errados. Eles previram o fim do mundo, com data marcada e tudo
mais, para 21 de dezembro de 2012. Erraram por 32 anos. Se não o fim do mundo,
o fim das crônicas que deixavam mais deliciosas as manhãs das segundas-feiras.
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