Quando Bruno Lage assumiu o comando
do Benfica, a diferença para o Porto era de sete pontos, e ainda havia Sporting
e Braga a separá-los na tábua de classificação. Para complicar, os do norte
eram os atuais campeões, lideravam seu grupo na Liga dos Campeões, prova na
qual o Benfica caiu com estrondo na primeira fase, e estavam a dois jogos de
baterem o recorde nacional de vitórias consecutivas (19), do próprio Benfica.
Como se não bastasse, os cinco adversários mais bem colocados na tabela – Braga,
Moreirense, Porto, Sporting e Vitória de Guimarães – seriam enfrentados em seus
redutos na segunda volta, que começaria três rodadas depois.
Não era, pois, uma missão das mais
fáceis à turma encarnada a reconquista do título que escapou na temporada que
seria a do inédito penta. Quase uma utopia, inclusive para mim. Aí veio Bruno
Lage e as ideias arejadas de quem passou um bom tempo a respirar os ares do
futebol inglês no Swansea, de Carlos Cavalhal.
A primeira missão foi recuperar jogadores
desmoralizados no plantel, como Gabriel e Samaris, e fazer subir Ferro,
Florentino e Jota dos bês, de onde já havia saído o novo titular João Felix, ao
passo que Sporting e Porto iam às compras.
Só quem tem na alma a chama imensa
acreditaria que, quatro meses e meio depois, um empate bastaria para o 37 e apenas
um gol seria preciso para chegar aos 100 na prova, algo que aconteceu pela última vez pelos lados de Cosme Damião quando o Pantera Negra ainda rugia na Europa. Claro que a
inconstância de Braga e Sporting, mais os quatro tropeços do Porto, ajudaram,
mas a marca de 18 vitórias e 72 gols em 19 partidas não deixam dúvidas sobre quem
foi o grande time da época.
Para além de recuperar mais valias
no elenco e abrir espaço para novas, também era claro que nomes como Rafa e
Pizzi precisavam voltar a brilhar. E Bruno Lage assim o fez ao mudar o 4-3-3 habitual
para o 4-4-2, que fez seus comandados gostarem de ter a bola mais que qualquer
adversário. Salvio se machucou, Cervi, Krovinovic e Zivkovic perderam espaço e
Pizzi, que era quase um terceiro trinco, saiu do meio e virou o extremo, mais
próximo dos atacantes a ponto de ser o maor passador para gols da Europa. No
corredor central que era do General, Rafa finalmente fez sua grande temporada
desde que chegou do Braga após ajudar Portugal a conquistar a Europa em
gramados franceses em 2016. Promover o brasileiro Gabriel a organizador de toda
a malta a partir do círculo central foi a grande mudança tática de um time que
deixou de pensar pouco quando havia a bola ao pé ainda na intermediária, marca
que vinha desde Jorge Jesus, a uma equipe que bastava para si ter a bola para
buscar oportunidades.
Com Jonas às voltas com problemas
físicos, coube ao miúdo João Felix fazer Portugal render-se ao novo prodígio do
país. 19 anos, frieza de veterano e atributos de craque que precisam ser
lapidados, como a finalização e a tomada de decisão, mas, como diria Rui
Vitória, o talento lá está. Como também esteve nos garotos que tomaram conta do
onze com a temporada de afirmação do já internacional Ruben Dias e de duas
joias que logo pedirão passagem na Seleção e nas grandes ligas europeias, Ferro
e Florentino, que, ao lado do “novo menino bonito da Luz”, formaram a trinca de
principais revelações da competição.
Se Luiz Felipe Vieira errou na
formação do elenco que perdeu o penta, acertou em cheio quando resolveu que era
a vez dos miúdos e que Jorge Jesus não era o nome ideal para tocar o projeto rendendo Rui Vitória,
mas sim o Bruno Lage que conhecia bem o que florecia no Seixal, terreno que
também ajudou a fertilizar. O resultado aí está: a melhor campanha do returno
da história do futebol nacional, 103 gols marcados e um futebol vistoso em
quase todo o tempo, algo que raramente aconteceu no histórico, mas enfadonho,
tetracampeonato português, quando a época de sofrimento contra os grandes era
recompensada com o trofeú erguido ao fim. Desta vez, ser campeão foi apenas a
consequência de um trabalho fantástico de um time que dá gosto aos pés de seus
jogadores e aos olhos de toda a malta que veste vermelho com a águia ao peito em
Portugal e no mundo.
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