quarta-feira, 15 de maio de 2019

Sidão, Rede Globo e a quinta série



Ao entrar em campo para o jogo com o Santos, Sidão era mais que o Sidão. Era o Sidney Aparecido Ramos da Silva, 36 anos, que perdeu a mãe aos 18 e que, naquele Dia das Mães, tinha o nome da dona Vera Lucia na camisa. Ele entrou em campo disposto a dedicar a partida à sua memória e, ao fim do jogo, certamente só tem motivos para esquecer este dia.

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Nem tanto pela atuação ruim. Não foi a primeira, não será a última, tampouco foi o único a passar por isso. Porém, a humilhação à qual foi submetido por causa da desastrosa e desastrada ação da Rede Globo, que deu o direito ao “amigo internauta” decidir o “craque do jogo” e, mesmo diante de uma clara demonstração do quanto o brasileiro é galhofeiro, resolveu ir até o fim de “premiar” o jogador.

Não fosse por isso, seria um jogo que em três ou quatro anos pouca gente se lembraria. Trivial, com um Santos bem treinado e triturando o que sobrou do Vasco da Gama, o desempenho dos times era previsível e, mesmo sem o erro do primeiro gol, o Peixe tinha tudo para vencer com relativa facilidade.

A atuação de gala de Rodrygo e a pavorosa exibição do time da Cruz da Ordem de Cristo ficaram em segundo plano diante do embaraço da repórter Julia Guimarães e da resignação de Sidão. Duas vítimas da falta de tato de quem deu a ordem de entregar a tal honraria.

Já houve quem dissesse que o goleiro errou ao abandonar a entrevista ou que a jornalista deveria se recusar a fazê-lo. É fácil falar quando o julgamento será feito de qualquer maneira. Mas a questão é que quem julga é, na verdade, o grande culpado.

Vivemos uma era de idiotização constante, em que tudo é razão de chacota, mesmo que o preço seja a humilhação. Um dia de trabalho ruim é motivo de riso, como se quem faz troça não estivesse sujeito a isso. É como a assistência que ia às arenas sedenta de ver o polegar apontado para baixo. De um modo geral, quem colaborou com isso não é muito diferente deles, à espera de uma falha para fazer o movimento giratório e virar o dedão para o chão, fazendo dos atletas a nova versão dos cristãos a serem servidos aos leões.

Só que o torcedor - e só o torcedor - pode. Pode e é bom que faça, para o bem do próprio esporte. Não, não estou relativizando. Desde que não haja crime de injúria racial, homofobia ou de qualquer outra espécie, o sujeito que paga o ingresso pode provocar o adversário para tentar desestabilizá-lo. Ora, eu mesmo fui uma das vozes que gritaram que o Junior Baiano tinha afundado a Seleção em um Portuguesa x Palmeiras de 1998, poucos minutos antes de o zagueiro fazer o gol da virada – e da vitória – palmeirense por 3 a 2. É do jogo e acabou ali.

O problema existe quando quem deveria mediar a situação abraça os urros que vêm das redes sociais. Por mais que a Globo tente, o futebol é um produto jornalístico, não do Departamento de Entretenimento da emissora, e deve ser tratado com o mesmo cuidado que é tomado quando uma informação é trabalhada. Quando parte da imprensa dá os braços para o jornalismo engraçadinho, o que se vê é aquele espetáculo deprimente de pós-jogo do Pacaembu, como já havia acontecido com o também goleiro Muralha, outra vítima da perseguição travestida de deboche.

Repito: a troça cabe ao torcedor. Por mais leve que possa ser, o Jornalismo deve primar pela responsabilidade. Assusta saber que o movimento que “elegeu” Sidão ganhou força a partir desses perfis que se dedicam a tirar o sarro de todo mundo, mas que, desgraçadamente, formam opinião o suficiente para reverter a palhaçada em 90% dos votos. Faz parte, ainda mais com o aspecto e o espaço para a diversão existente na rede. Que isso, no entanto, fique restrito a elas. À imprensa, sobretudo à Rede Globo, que o episódio sirva de exemplo para abandonar coisas do tipo Inacreditável Futebol Clube e outras dessas bobagens que vivem da exposição alheia para agradar quem pensa que a verdade do mundo se resume ao YouTube, ao Desimpedidos e aos programas do Danilo Gentili.

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