O primeiro jogo da história da Seleção Portuguesa, que perdeu para a Espanha por 3 a 1, foi uma esculhambação. Começou ainda na convocação. A imprensa, que já era chata pra diabo há um século, questionou a presença de Francisco Pereira, dos Belenenses, fazendo com que ele renunciasse à chamada. Com isso, outros jogadores da equipe lisboeta resolveram recusar a convocação, inclusive seu irmão, Artur José Pereira, considerado o melhor do país na época, o que fez com que Augusto Sabbo, que também era técnico do Sporting, entregasse o boné.
Resolveram então fazer uma junta, formada por seis integrantes da Associação de Futebol de Lisboa, para convocar os jogadores para o tal jogo com os espanhois, que estava de rosca desde 1912, quando nem havia ainda Federação Portuguesa de Futebol, e que não saiu na ocasião porque os vizinhos queriam que Portugal bancasse todas as despesas. O fato de a tal junta ter só o pessoal do Sul causou a insatisfação dos clubes da Associação de Futebol do Porto, principalmente os Dragões. Além do mais, somente Artur Augusto, que jogava no Porto, foi convocado para além dos jogadores de fora da associação lisboeta, o que era mais um motivo de queixa dos nortenhos, que proibiram os seus jogadores de servirem à debutante seleção. Inclusive, Artur Augusto ter nascido em Lisboa reforçaria a tese de que aquela não era uma seleção nacional, mas da Capital.
Ainda assim, Artur resolveu que jogaria. E jogou. E ajudou a escrever a história do futebol português, sofrendo o pênalti convertido pelo irmão, Alberto Augusto, que jogava no Benfica, portanto, o primeiro gol da história de "Equipa das Quinas". Destaca-se aqui o nome do goleiro espanhol: o mítico Zamora, que viria a ser o arqueiro da equipe na Copa do Mundo de 1934, quando defendeu um pênalti cobrado por Waldemar de Brito, o descobridor do Rei Pelé, que hoje dá o nome ao prêmio de melhor goleiro da Liga Espanhola.
A base do time era formada por cinco jogadores do Casa Pia, que também forneceu os belíssimos uniformes negros utilizados na partida. O capitão era Cândido de Oliveira, homenageado com o nome da Supertaça e que ainda foi jornalista e um dos fundadores do jornal A Bola, além de técnico e selecionador nacional. Notabilizou-se também no combate ao fascismo, tornando-se agente secreto a serviço dos aliados durante a Segunda Guerra Mundial. Capturado pela PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado, uma espécie de DOPS da desgraçada ditadura salazarista), foi enviado a um campo de concentração em Cabo Verde, sendo libertado após o fim da guerra.
Outro nome está ligado ao combate ao salazarismo: o benfiquista Vitor Gonçalves era pai do General Vasco Gonçalves, um dos militares que participaram da Revolução dos Cravos e que foi primeiro-ministro de Portugal no II, III, IV e V Governos Provisórios, o chamado PREC (Período Revolucionário em Curso). Outro fundador d’A Bola também alinhou no 11 português: Ribeiro dos Reis, também casapiano como Cândido de Oliveira, que posteriormente foi o treinador de Portugal na primeira vitória da seleção, contra a Itália, quatro anos mais tarde, cujo gol foi marcado pelo leonino João Francisco, que também esteve em campo naquele 18 de dezembro de 1921.
O jogo? Bem, o jogo foi 3 a 1 para a Espanha, que já tinha alguma experiência internacional, tendo inclusive conquistado a medalha de prata nos Jogos Olímpicos da Antuérpia, no ano anterior. Com 10 minutos, Meana e Alcantara já haviam feito 2 a 0 para os espanhóis e, só depois, Portugal conseguiu equilibrar as ações e evitar uma goleada. No início do segundo tempo, a Espanha voltou melhor, mas fez o terceiro só aos 21, novamente com Alcantara. Nove minutos depois, Portugal diminuiu com Alberto Augusto, fechando o placar.
Portugal alinhou com Carlos Guimarães (CIF); Pinho (Casa Pia) e Jorge Vieira (Sporting); João Francisco (Sporting), Vitor Gonçalves (Benfica) e Cândido de Oliveira (cap, Casa Pia); José Gralha (Casa Pia), António Augusto Lopes (Casa Pia), Ribeiro dos Reis (Casa Pia), Artur Augusto (Benfica) e Alberto Augusto (Porto), tendo Carlos Villar, presidente do CIF, como treinador. A Espanha foi a campo Zamora (Barcelona); Meana (Gijón) e Fajardo (Atlético); Balbino (Fortuna), Pololo (Atlético), Arrate (cap. Real Sociedad); Sesúmaga (Sama), Arbide (Real Sociedad), Pagaza (Racing Santander), Olaso (Atletico) e Alcantara (Barcelona) - Técnicos: Manuel Castro e Julian Ruéte.
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