Essa espécie de loteria, desejo do torcedor, ficou ainda mais forte quando Ronaldo Fenômeno comprou o Cruzeiro e a venda do Botafogo para o investidor americano John Textor está a ponto de ser sacramentada. Textor, vale lembrar, detém 18% das ações do Crystal Palace-ING e andou balançando seu gordo cofre para a SAD do Benfica, que não quis saber de negócio.
Naturalmente, a torcida da Lusa não é diferente - ou ao menos a parte que costuma se manifestar em redes sociais. Quando a Red Bull tornou-se parceira do Bragantino, muito foi falado nas alamedas do Canindé que o negócio poderia ter sido feito com a Lusa. Aí está um ponto importante e pouco agradável de ser tocado: o Bragantino, à época, disputava a Série B do Brasileirão e a Série A1 do Paulista, estando numa posição muito mais interessante para a empresa austríaca, que já tinha seu time aqui, o Red Bull Brasil, que, como não conseguia avançar no cenário nacional ameaçava largar o projeto. Ou seja, a Portuguesa não tinha - e ainda não tem - condição de oferecer o que eles queriam. O que vinha depois, que era a mudança do distintivo, do nome e das cores, é outro ponto de discussão que não cabe aqui, no momento.
É isso o que a malta rubro-verde precisa perceber: o que temos a oferecer hoje, além da nossa tradição e da nossa história? Claro que isso é um cenário que pode mudar em dois ou três anos, mas até lá a Portuguesa ainda luta para voltar à Série D e à A1 do Paulista, e, é bom que se diga, não é algo lá que atraia os investidores mais graúdos para os nossos lados. E é importante também entender que um investidor não é um mecenas. Muito pelo contrário. Relações como a que tínhamos com o saudoso dono dos Armarinhos Fernando são bem diferentes de alguém - ou algum grupo - que queira usar a Portuguesa para ganhar dinheiro, que é, afinal, o resultado esperado em todo investimento.
A mudança para que a Lusa se transforme em uma SAF é o caminho natural - e até aconselhável -, mas que isso não faça o torcedor achar que todos os problemas serão solucionados. Não é raro haver uma espécie de fetiche com relação às chamadas gestões empresariais, como se elas significassem boa governança e garantia de sucesso. Empresas quebram todos os dias e por diversos motivos, e a Portuguesa, ou outro clube qualquer, não estão livres disso, mesmo sendo SAF ou não. Vejam casos como o do Desportivo das Aves, e d’Os Belenenses, em Portugal, ou no Chile, onde o Colo-Colo passa por aperto desde que foi comprado. São estes, bem como a Espanha, os países que serviram como modelos para os autores da Lei 14.193/2021. Para tanto, sugiro a leitura do livro “Clube-Empresa - Abordagens críticas globais às sociedades anônimas no futebol”, de diversos autores, organizado pelo jornalista Irlan Simões.
Além do mais, a legislação, por obra e desgraça do presidente, não obriga o investidor a ter sua identidade revelada sob o pretexto de que isso poderia espantar eventuais interessados que preferem se manter no anonimato (diferentemente do que era previsto no PL e foi um dos itens vetados pelo presidente. O Senado Federal ainda derrubou alguns vetos, mas este foi mantido), justamente o ponto que garantiria transparência no negócio. Em outras palavras, abre as portas dos clubes para quem quer lavar dinheiro sujo e não quer, obviamente, mostrar a origem da grana.
E é aí que está o negócio - ou o ponto mais importante dele. Devemos ter muito cuidado com quem irá colocar o dinheiro, de onde ele vem, o modelo da gestão e, principalmente, as diferenças no plano de negócios nas ações de curto, médio e longo prazo. É isso ou será mais um capítulo a ser lamentado na nossa história. E, convenhamos, capítulos lamentáveis não nos têm faltado.
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