segunda-feira, 24 de junho de 2024

PORTUGAL - O altruísmo, a sorte e o domínio absoluto

 Texto originalmente publicado no Netlusa

CASA PORTUGUESA A alegria está na riqueza de dar e
ficar contente (Federação Portuguesa de Futebol)
 

Já está! O primeiro dos objetivos de Portugal no Euro foi atingido já na segunda jornada do Grupo F, com a vitória por um insuspeito 3 a 0 contra uma tão perigosa quanto inocente Turquia.

Se a passividade vista na estreia ligava as luzes de alerta, a concentração para não cair na esparrela das respostas fáceis notou-se quando o onze de Portugal foi anunciado. Por muito menos, revoluções já foram promovidas depois de uma partida mal conseguida, mas a atuação cinzenta em Leipzig esteve mais ligada à abordagem ao jogo do que problemas técnicos ou exibicionais. Por nomes, Roberto Martinez trocou somente Diogo Dalot por João Palhinha, que era o que o jogo com os turcos, ricos de talento no setor de criação, exigia.

Assim, o trio de centrais que se esfumaçou às condições com o tchecos não retornou sequer em eventuais descidas de Palhinha ou encaixes de Nuno Mendes. Pelo contrário, uma clara e sólida linha de quatro defensores foi formada com João Cancelo e Nuno Mendes nas laterais e os habituais Pepe e Rubén Dias ao centro.

À frente, eram protegidos pelo médio-centro-limpa-trilhos que deve deixar o Fulham, e pelo multifuncional Vitinha, novamente soberbo em campo. Livre das amarras da cabeça-de-área; o ataque se manteve com o trio da estreia: Bernardo Silva, Cristiano Ronaldo e Rafael Leão.

Diversos comentadores pediam Palhinha, mas queriam que Bernardo e Leão dessem lugar a Chico Conceição e Diogo Jota, como se as condições da primeira partida se repetissem. Não existem jogos iguais e as características do jogo da Turquia indicava dificuldades – e oportunidades – diferentes. Se os tchecos eram praticamente herméticos e mal se aventuravam no ataque, os turcos podiam até ter jogadores de qualidade inquestionável, mas nunca foi um time confiávle defensivamente – já o mostrara na estreia.

Do lado turco, o italiano Vincenzo Montella poupou o ótimo Arda Guler, apoquentado por problemas físicos, mas ainda assim havia quem espalhasse perfume no Signal Iduna Park, casa do Borussia Dortmund e da temida Muralha Amarela, tingida de vermelho e branco numa proporção 4 x 1 em que as vozes portuguesas mal eram ouvidas.

Com Kökçü, Çalhanoglu e Aktürkoglu capazes de causar problemas, a presença de Palhinha foi essencial para impedir que a bola chegasse aos pés de Yilmaz, bem vigiado pelos centrais. Pepe, a cada lance, dava uma aula de vitalidade, posicionamento e liderança em campo. O lance, já no segundo tempo, em que desarma um abusado Arda Guler, como a dizer “tens muito o que aprender, miúdo, fez levantar o estádio em reverência à lenda brasileira que chegou a Portugal e teve que optar entre comprar uma sandes ou ligar para a mãe.

Na frente, Rafael Leão se aproveitava da companhia de Nuno Mendes para causar dores de cabeça a Çelik. O primeiro gol português nasce de uma jogada deles, em que o lateral do PSG foi ao fundo e procurou Cristiano Ronaldo, mas o desvio no pé de Kökçü levou a bola a Bernardo Silva, que bateu com gosto, com curva, com a alegria de quem marcou seu primeiro gol em fases finais de competições.

Lembram-se da sorte da estreia? João Cancelo roubou a bola no meio e deu um passe completamente disparatado para Cristiano, que desatou a ralhar. A câmera fechou no lateral e só abriu depois de que o sorriso repentino do português denunciou a trapalhada de Akaydin, que desrespeitou um dos princípios básicos do jogo: não se deve atrasar a bola ao goleiro na direção do gol. Mais que isso, recuou no contrapé, e um eventual mal-estar acabou na comemoração do insólito gol que basicamente definiu o jogo ainda antes dos 30 minutos.

A partir daí, Portugal empilhou chances de ampliar, mas viu Rafael Leão simular uma falta e receber o segundo cartão amarelo na prova, e pelo mesmo motivo. Palhinha, um dos responsáveis pela exibição em grande de toda a equipe, também foi advertido e, para não correr o risco de recolocar a Turquia no jogo, Roberto Martinez deixou ambos no balneário e voltou para a segunda parte com Pedro Neto e Rúben Neves. Havia quem esperasse Diogo Jota ou mesmo Francisco Conceição, mas o treinador quis manter o sistema com um jogador que abrisse o jogo e desse espaço para o jogo interior de Nuno Mendes, que pode ter feito sua melhor partida pela equipa nacional.

Com os turcos entregues, exceto por um ou outro fogachinho no ataque, Portugal usou o segundo tempo para gerir a partida. Logo no décimo minuto, um lance que pode marcar uma nova era: antes, a paciente troca de passes de um lado para outro do campo com o objetivo de criar espaços e desorganizações defensivas, com Nuno Mendes a buscar Bernardo Silva e este a acionar Rúben Neves, o homem dos passes teleguiados, que encontrou Cristiano Ronaldo livre, somente com o goleiro Bayindir para tentar evitar que escrevesse seu nome pela sexta vez na lista de goleadores em que já é o líder com folga, mas Bruno Fernandes estava livre ao seu lado para receber o passe do solidário CR7.

A partir daí, a missão portuguesa passou a ser fazer de Cristiano um dos goleadores do dia, ao passo que aos turcos coube tentar evitar. Assim, o jogo perdeu algum fulgor, mas serviu para demonstrar que Pepe, aos 41 anos, é um dos melhores zagueiros do mundo e que o Porto cometerá um erro terrível se não prolongar por mais um ano o vínculo com este monumento de jogador.

Com seis pontos e a liderança do Grupo F garantida, Roberto Martinez deverá usar o jogo com a Geórgia para dar minutos a quem não teve e descansar algumas pernas. É mister, porém, notar que entre o jogo de ontem e as oitavas, vão nove dias, tempo suficiente para perder ritmo de jogo. Uma revolução no onze é perigosa, pois.

O adversário dos oitavos-de-finais será um dos terceiros colocados dos grupos A, B ou C, e só o saberemos ao final da primeira fase.

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As avaliações a seguir têm um certo exagero, galhofa e quase nenhuma base técnica. É favor não levar tão a sério.

Diogo Costa: Foi tão bem com os pés que usou um deles para defender a única investida no alvo dos turcos;
João Cancelo: Mais uma atuação dessas e é capaz de o Guardiola pedir desculpas e chamar de volta. Façamos votos para que estejas assim até 15 de julho (Nelson Semedo: façamos assim: o Cancelo joga 60 e tu, os outros 30. E todos ficam felizes pra caraças);
Rúben Dias: “Eu é que não vou perder a vaga para este miúdo do Sporting”, terá pensado o Rúben. Segue assim, ao mais alto nível, e é capaz de seres o capitão quando o Cristiano se retirar, depois de ser o primeiro acima de 50 anos a jogar a fase final de uma grande competição;
Pepe: Foi visto no vestiário adversário devolvendo os 16 turcos que estavam no bolso ao fim do jogo porque eles ainda jogam com os tchecos (António Silva: Poderá dizer aos netos que substituiu o maior zagueiro da história do futebol português);
Nuno Mendes: O Nuno Alexandre Tavares Mendes é o único Nuno Tavares do mundo que sabe jogar como lateral. E dos bons. E se precisar, ainda é um extremo bem porreiro;
Bruno Fernandes: Não sendo brilhante, esteve ligado ao segundo gol e marcou o terceiro porque estava disponível para receber a prenda do Cristiano;
João Palhinha: Tivesse jogado além do primeiro tempo, teria sido o melhor em campo. Um polvo a esticar os tentáculos por todo o campo – ou algures havia algum turco mal-intencionado com a bola e chance de causar estragos. Quanto não esteve para cobrir, fez a falta tática perfeita que resultou no cartão amarelo (Rúben Neves: Desculpa lá pelas vezes em que disse que a falta de competitividade do Arabão deveria contar para não ser chamado. A capacidade do passe teleguiado não se perde);
Vitinha: Procure um jogador melhor que o Vitinha na Eurocopa e falhe miseravelmente (*João Neves: Cinco minutos hoje, seis no próximo jogo, até a final, com alguma sorte, jogas uns 10 minutinhos;
Bernardo Silva: Já prometa ao João Cancelo que, se continuarem assim juntos, voltarás com ele para Manchester. Duvido que o mister Martinez se oponha;
Cristiano Ronaldo: Este camisola 7 lembra bastante aquele outro camisola 7 que só encheu o saco no Qatar. Gostamos mais deste, que fique claro;
Rafael Leão: Já que não vais acertar o passe depois do drible mesmo, que bom que o mister meteu ao seu pé o Nuno Mendes para fazer a parte mais difícil. Mudando de assunto, tens andado a tomar dicas com o Taremi? Que mania do caraças essa de se jogar, pá (Pedro Neto: entrou para manter o desenho tático e a capacidade de errar os passes. Cumpriu à risca);
Roberto Martinez: Se ele se aprofundar na cultura portuguesa, já terá aprendido alguns clássicos, como Casa Portuguesa, que poderá ter cantado que "essa franqueza fica bem e o povo nunca desmente que a alegria da pobreza está na riqueza de dar e ficar contente", quando Cristiano ofertou o golo quase certo a Bruno Fernandes. Espero que ele saiba a Caninha Verde e não caia numa esparrela, caso pense em trocar toda a malta para o próximo jogo. Seja como for, temos um técnico.

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