sábado, 5 de março de 2016

“Geraselfie” e a piscina rasa

Por Leandro Marçal*

A tela do computador mostrava Mick Jagger dizendo que o público de São Paulo parecia assistir ao seu show pela tela do celular. No Whatsapp, o debate começou em um grupo com homens e mulheres ao verem uma selfie de uma menina até então anônima, com cara de ter, quando muito, 16 anos, enquanto praticava sexo oral.

Aparentemente sem uma ligação mais clara, as duas situações me chamaram a atenção por escancararem a banalidade da vida real, engolida pela virtual. Fotos e vídeos, antes ocasiões especiais, viraram tarefas tão corriqueiras quanto escovar os dentes.

Não que eu ache essa mudança ruim ou que seja um nostálgico parado no tempo – é para frente que se anda, o que passou, passou, e mudamos nossos comportamentos o tempo todo. Só fico abismado ao ver que a “geraselfie” não vê limites ou restrições ao se preocupar apenas e tão somente a registrar a vida em imagens, aparências. 

É evidente que também tive (tenho, vai) momentos de virar o celular em direção a meu rosto e usar a câmera frontal, gerando postagens, curtidas, comentários, compartilhamentos, conversas e outras futilidades das redes sociais.

Mas quando a foto, a selfie, o vídeo e o snap parecem mais importantes do que o momento a ser vivido, me pergunto se não estamos deixando a vida passar enquanto mexemos no touch de nossos celulares. Tanta coisa acontecendo ao nosso redor que se não tirarmos uma foto ninguém acreditará que por ali estivemos. 

Criamos o momento com as fotos; antes eram os grandes momentos que tinham exclusividade nos retratos. Não está na foto porque existe; existe porque há o registro.

Talvez seja um sinal dos tempos. 

Tempos de muita velocidade, individualismo, narcisismo, hedonismo, pouca preocupação com o próximo. Se neste ano 1% da população mundial terá mais dinheiro acumulado do que todo o restante do mundo, talvez não seja à toa. Talvez a excessiva e quase exclusiva preocupação com o ego da geraselfie seja a única explicação para que as pessoas parabenizem a elas próprias no dia de seu aniversário.

Se esse bombardeio de fotos diárias e banais some com a mesma velocidade com que surge, não deve ser de graça. O que será de minhas fotos daqui a uma década?

Pés, mãos, unhas, roupas, comida, lanche, no banheiro, na obra, no lugar diferente... Ainda estranho um pouco ver as fotos com esses cenários e situações. E mais: sendo apagadas como quem joga um papel de bala no lixo, sem cerimônia.

Meu álbum da festinha de um ano choraria se pudesse notar esse comportamento.

Longe de ser um profeta do apocalipse, um crítico, um chato ou inimigo disso tudo. É apenas a constatação de que temos uma piscina enorme para nos banharmos, mas que é rasa. Se pularmos nela, bateremos a cabeça ou quebraremos algum osso. A superficialidade parece ser a marca da geraselfie, de mim, de você, de todos nós.

Acho estranho, curioso, a ser observado.


Ainda me vejo abrindo o portão da antiga casa na Leonardo Nunes, me encaminhando até a esquina e pedindo ao ex-policial, dono da mercearia na esquina com a Alves do Burgre, um filme da Kodak, e torcia para que nenhuma queimasse ou, felicidade extrema, revelar uma ou duas a poses a mais. O filme tinha só 12 poses. Era o mais barato.  

*Leandro Marçal é um jornalista de 24 anos, torce pelo Tricolor Paulista
 e por um mundo menos hipócrita e com mais bom humor.
E, apesar do nome de sambista, é incapaz de tocar um reco-reco.
Ainda assim, é o Rei da Noite de São Vicente.

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