Por Leandro Marçal*
A tela do computador mostrava Mick
Jagger dizendo que o público de São Paulo parecia assistir ao seu show pela
tela do celular. No Whatsapp, o debate começou em um grupo com homens e mulheres
ao verem uma selfie de uma menina até então anônima, com cara de ter, quando muito, 16 anos, enquanto
praticava sexo oral.
Aparentemente sem uma ligação mais
clara, as duas situações me chamaram a atenção por escancararem a banalidade da
vida real, engolida pela virtual. Fotos e vídeos, antes ocasiões especiais,
viraram tarefas tão corriqueiras quanto escovar os dentes.
Não que eu ache essa mudança ruim ou que
seja um nostálgico parado no tempo – é para frente que se anda, o que passou,
passou, e mudamos nossos comportamentos o tempo todo. Só fico abismado ao ver
que a “geraselfie” não vê limites ou restrições ao se preocupar apenas e tão
somente a registrar a vida em imagens, aparências.
É evidente que também tive (tenho,
vai) momentos de virar o celular em direção a meu rosto e usar a câmera
frontal, gerando postagens, curtidas, comentários, compartilhamentos, conversas
e outras futilidades das redes sociais.
Mas quando a foto, a selfie, o vídeo e o snap parecem mais importantes do que o momento a ser vivido, me
pergunto se não estamos deixando a vida passar enquanto mexemos no touch de nossos celulares. Tanta coisa
acontecendo ao nosso redor que se não tirarmos uma foto ninguém acreditará que
por ali estivemos.
Criamos o momento com as fotos; antes eram os grandes momentos que tinham exclusividade nos retratos. Não está na foto porque existe; existe porque há o registro.
Criamos o momento com as fotos; antes eram os grandes momentos que tinham exclusividade nos retratos.
Talvez seja um sinal dos tempos.
Tempos de muita velocidade, individualismo, narcisismo, hedonismo, pouca preocupação
com o próximo. Se neste ano 1% da população mundial terá mais dinheiro
acumulado do que todo o restante do mundo, talvez não seja à toa. Talvez a
excessiva e quase exclusiva preocupação com o ego da geraselfie seja a única explicação para que as pessoas parabenizem
a elas próprias no dia de seu aniversário.
Se esse bombardeio de fotos diárias e
banais some com a mesma velocidade com que surge, não deve ser de graça. O que
será de minhas fotos daqui a uma década?
Pés, mãos, unhas, roupas, comida,
lanche, no banheiro, na obra, no lugar diferente... Ainda estranho um pouco ver
as fotos com esses cenários e situações. E mais: sendo apagadas como quem joga
um papel de bala no lixo, sem cerimônia.
Meu álbum da festinha de um ano choraria se pudesse notar esse comportamento.
Longe de ser um profeta do
apocalipse, um crítico, um chato ou inimigo disso tudo. É apenas a constatação de que temos
uma piscina enorme para nos banharmos, mas que é rasa. Se pularmos nela,
bateremos a cabeça ou quebraremos algum osso. A superficialidade parece ser a
marca da geraselfie, de mim, de você,
de todos nós.
Acho estranho, curioso, a ser
observado.
Ainda me vejo abrindo o portão da
antiga casa na Leonardo Nunes, me encaminhando até a esquina e pedindo ao
ex-policial, dono da mercearia na esquina com a Alves do Burgre, um filme da
Kodak, e torcia para que nenhuma queimasse ou, felicidade extrema, revelar uma
ou duas a poses a mais. O filme tinha só 12 poses. Era o mais barato.
*Leandro Marçal é um jornalista de 24 anos, torce pelo Tricolor Paulista
e por um mundo menos hipócrita e com mais bom humor.
E, apesar do nome de sambista, é incapaz de tocar um reco-reco.
Ainda assim, é o Rei da Noite de São Vicente.
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