Por Humberto Pereira da Silva*
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Cristiano Ronaldo veio para
essa Copa sob grande expectativa. Não sem razão, pois suas últimas temporadas
pelo Real Madrid e o modo como carregou Portugal na classificação épica contra
a Suécia fazem dele um dos jogadores mais letais e completos do futebol atual.
Sua eleição como melhor do mundo pela FIFA no ano passado apenas reverbera o que o
craque português fez em campo.
Mas entre as bizarrices a que
muitos se prestam numa competição como a Copa do Mundo, sob domínio da mídia em
níveis que cada vez mais escapam ao bom senso, está o clichê de que jogadores
eleitos pela FIFA no ano anterior à Copa fracassam na competição. Assim, antes
do início do torneio, essa cantilena já era cantada.
Isso funciona apenas como
bizarrice, fanfarronice midiática. Para um jogador do nível de Cristiano
Ronaldo, que além de fora-de-série é dono de temperamento que instiga
sentimentos extremos de adoração e desprezo, a propalada “maldição” é
combustível para a insensatez. Seu fracasso foi a senha de que muitos
precisavam para destilar trôpegas pilhérias e gozos de patuleia.
Vejamos: o mantra da “maldição”
do melhor do mundo pela FIFA antes de uma Copa é uma falácia. Se se aplica a
Baggio em 1994, que perdeu o pênalti decisivo e assim acabou vice-campeão do
mundo, não se aplica a Ronaldo em 1998. Se Ronaldo, como Baggio, também acabou
como vice, ao contrário dele não perdeu pênalti e, ainda, mesmo que seja controverso,
foi eleito melhor da Copa pela FIFA.
Soaria estranho falar em
fracasso de Ronaldo em 1998, ou a glória individual diz respeito à conquista do
título mundial? Ou seja, a tal “maldição” se refere ao jogador, tomado
individualmente, ou ao título que sua seleção perdeu. Pelé era o melhor do
mundo em 1962, no Chile, mas ficou de fora da Copa no segundo jogo, por
contusão. Com o Brasil campeão mundial Pelé teria fracassado?
O mantra da “maldição”, sejamos
sensatos, ganhou corpo após o desempenho de Ronaldinho Gaúcho em 2006 e Messi
em 2010. Esperava-se muito deles nessas Copas. Brasil e Argentina tinham
grandes seleções e em Ronaldinho e Messi a expectativa de que fossem
protagonistas na conquista do título mundial.
Certo, mas agora se alguém
esperava que Figo fosse campeão mundial em 2002 e Cristiano Ronaldo em 2014
isso só pode ser entendido como ignorância ou maledicência de quem, ainda que
conheça futebol, fica com a voz da galera e abre mão do bom senso. Portugal
jamais entrou numa Copa do Mundo com o peso de fazer valer favoritismo.
Assim, falar em “maldição” no
caso dele, e também de Figo, só tem sentido para quem faz coro à imbecilização
geral que grassa nos comentários mais estapafúrdios a que muitos se prestam,
inclusive com pose soi-disant intelectual. Mas, de qualquer forma, alguém mais
sereno perguntaria: do melhor do mundo não se esperava mais que ficar na
primeira fase da Copa?
Melhor do mundo em 2001, Figo chegou à Copa com problemas físicos (Clive Brinskill/Getty Images) |
Consideremos os problemas da Seleção Portuguesa. Classificou-se para a Copa na repescagem, num jogo
dramático em Estocolmo contra a Suécia, teve de conviver com a expulsão de Pepe
no primeiro jogo contra a Alemanha e com uma incrível sucessão de contusões.
Isso, é óbvio, desestabilizaria uma grande seleção, quanto mais Portugal, que
não formou um time para disputar o título.
Mas Cristiano Ronaldo,
individualmente, não poderia ter feito mais do que fez? Não, pois ele não veio
para o mundial em suas melhores condições físicas, e isso é vastamente
conhecido de quem acompanha o futebol europeu. Quem acompanha o futebol sabe o
esforço que ele fez para jogar essa Copa.
Nos lances de sorte e azar,
calhou de ele não reunir condições físicas para apresentar seu melhor futebol.
Assim, numa equipe que não é exatamente uma potência, agregada a problemas
surgidos na competição, não é possível imaginar que ele levaria Portugal além
da primeira fase. Ou, se levasse, não iria longe.
*Humberto Pereira da Silva, 50 anos, é professor
universitário de Filosofia e Sociologia e crítico de
cultura de diversos órgãos de imprensa.
universitário de Filosofia e Sociologia e crítico de
cultura de diversos órgãos de imprensa.