quarta-feira, 13 de março de 2024
PORTUGUESA - a estupidez e a hipocrisia
segunda-feira, 11 de março de 2024
Cuca, Bauermann, Robinho e a ética masculina do torcedor de futebol
*texto originalmente publicado no site Ludopédio (ligar)
Protestos abreviaram a passagem do treinador, então condenado por estupro, pelo Corinthians (foto: Meu Timão) |
Cuca foi anunciado como novo treinador do Athletico paranaense e o caso da condenação por estupro quando ainda era um jogador no início da carreira e defendia o Grêmio voltou ao centro das discussões, como era esperado. Da mesma forma, também, discutimos uma porção de coisas: se ele poderia ou não voltar a trabalhar, se pode ocupar um lugar de liderança ou idolatria, mesmo se é culpado, já que o processo foi anulado e o crime prescreveu, portanto, sem haver a possibilidade de um novo julgamento. Até sobre a legislação suíça nós palpitamos a rodo nos últimos dias, como se estivéssemos falando de trivialidades como o preço da cerveja. Falamos de quase tudo, exceto o essencial. Não falamos sobre a vítima.
Precisamos discutir a ética masculina do torcedor de futebol e o que a constrói. Atenção! Não é a ética do torcedor masculino, é a ética masculina, pois há mulheres que reproduzem o discurso machista e duvidam da palavra da vítima, suposta ou não, como se o homem não fosse o agressor, apenas uma vítima da mulher ou das circunstâncias.
É uma construção social complicada de ser desfeita, mas é necessário. As escrituras, no nono mandamento da Lei de Deus, coisificaram a mulher. O que hoje é “não cobice a mulher do próximo”, era “Não cobice a mulher. Não cobice a casa do seu próximo, nem a sua propriedade, nem o seu servo, nem a sua serva, nem o seu boi, nem o seu jumento, nem coisa alguma que pertença ao seu próximo”. A mulher era reduzida a uma propriedade.
Segundo a ética masculina do torcedor de futebol, é mais grave quando um Bauermann combina um cartão amarelo ou troca um pênalti por alguns trocados do que agredir, violentar ou matar uma mulher. Robinho, condenado por estupro na Itália, está livre a ponto de frequentar churrascos no Santos e ser tietado por um jogador que até outro dia respondia por violência doméstica.
“Ah, a moça retirou a queixa”, mesmo com farto material probatório. A retirada da queixa não significa que a agressão não existiu; a prescrição do crime não faz o estupro desaparecer. E discute-se se o jogador estragou a carreira. “Que pena, tinha tanto potencial”. “Quem poderia imaginar? O jogador com mais títulos na história do futebol jogou sua história no lixo”. Que se lixe a história, a carreira. O valor disso é ínfimo ao pé do que destruiu.
Milly Lacombe, no UOL, questionou brilhantemente a formação do indivíduo. A mulher é educada a saber se portar, a se vestir sem provocar, a não se colocar em situações que favoreçam que seja violentada, como se seu comportamento justificasse o crime. Ao homem é ensinado a caçar e interpretar qualquer sinal de simpatia feminina como uma possível abertura de pernas. Seu capital social, e aqui reproduzo exatamente o termo que Milly usou porque não há forma melhor para se referir a isso: o capital social do homem aumenta conforme ele pega mais mulheres. Ela é a vagabunda; ele, o fodão.
Da mesma forma que o menino espanhol chamou Vini Jr. de macaco porque reproduz o que observa no seu entorno, é ensinado que a mulher está em uma categoria inferior e deve servir ao homem, querendo ou não. Mais importante que discutir a punição e a recolocação profissional é rever como estamos educando nossas crianças, principalmente os futuros homens, para que eles não vejam as mulheres como mero instrumento para uma noite de farras, a tal travessura irresponsável, como qualificou na ocasião o colunista do jornal Zero Hora, Paulo Santana. Para o homem pode ser somente uma noite. Para a mulher, a vítima, é uma vida. É a vida dela, da família dela.
Não cabe mais repetir a célebre e infeliz frase atribuída a João Saldanha, "eu o quero para jogar no meu time, não para se casar com a minha filha", tão comum nos anos 1990, os tais anos de ouro dessa bobagem que chamamos de futebol raiz, o “futebol que respira”. Porque a mensagem é mais importante que o gol. Não é sobre ganhar ou perder, é sobre ser decente.
E só seremos decentes quando interrompermos este processo, entendermos o valor e lutarmos de verdade para que as mulheres sejam respeitadas e tratadas como iguais.
sexta-feira, 8 de março de 2024
Pílulas amadoras - 8 - O Palmeiras tem Mundial
*por Humberto Pereira da Silva
A Copa Rio. Foto: Divulgação |
O Palmeiras tem mundial! A FIFA reconheceu em 2014 e documento recente ratifica: Palmeiras campeão da Copa Rio 51.
Futebol envolve paixões, gozações e jardim d'infância. Corinthianos, são-paulinos, santistas gritam: Palmeiras não tem mundial!
O jardim d'infância escamoteia, pois coisa de criança, o patético, o constrangimento, a HUMILHAÇÃO: o reconhecimento oficial da FIFA de que o Palmeiras tem mundial.
A FIFA reconheceu, sim, a Copa Rio 51 como primeira competição internacional entre clubes. Mas, atropelos do que é tão só reconhecimento formal, burocrático, pois: não equiparou a Copa Rio 51 aos mundiais da FIFA a partir de 2000; mais, pois reconhecimento formal, o Fluminense, vencedor da Copa Rio 52, a última Copa Rio, pois, não tem mundial.
Há um dado simbólico que as paixões, manobras de dirigentes e mesmo a imprensa fazem de conta não ver: um clube do tamanho do Palmeiras se HUMILHAR para ter reconhecido um título que nos áureos anos das academias Ademir da Guia simplesmente não tomava conhecimento e exibia seu gênio.
Nos anos 60/70, o PALMEIRAS de Ademir da Guia e o Santos de Pelé desdenhavam a Libertadores. Uma competição na qual teriam de enfrentar a brutalidade de argentinos e uruguaios - e a complacência das arbitragens.
Desdenhavam, portanto, um mundial que ao fim e ao cabo não movia os interesses econômicos de hoje. Santos preferia exibir Pelé em excursões pelo mundo a enfrentar argentinos e uruguaios em batalhas campais.
O mundo gira, a bola gira, os interesses giram, interesses subterrâneos de dirigentes giram.
Simbolicamente, para mim, o que o Palmeiras perde com esse título postiço? A VERGONHA. Não se constrange ao se HUMILHAR para dizer TENHO MUNDIAL.
Uma camisa com o peso da do Palmeiras não precisa se rebaixar a alguns gramas numa balança viciada. Mas se assim palmeirenses, torcedores, desejam com um quê de masoquismo, então: há 73 anos o Palmeiras não tem mundial; de lá pra cá o São Paulo tem três, Santos e Corinthians, dois; nessa perspectiva, o Olimpia do Paraguai tem um (1979); logo, o Olimpia é do tamanho do Palmeiras.
Humilhantes tentativas recentes de PALMEIRAS, Grêmio, Flamengo, Fluminense nos tais mundiais não preveem sorte diferente de outras aventuras nos anos vindouros... a bola gira, no giro, hoje, ser campeão mundial para sul-americanos como Olímpia e PALMEIRAS é obra divina, que faz Davi vencer Golias.
segunda-feira, 4 de março de 2024
BENFICA - carapaus, tubarões e a óbvia vergonha
Nem precisa de legenda. Imagem: x/fcporto |
Tubarão em águas nacionais, dentro do ecossistema do futebol, o Benfica é um carapau a nadar em águas repletas de predadores quando vai para longe da costa portuguesa. Ponto. É preciso entender isso para perceber que raio aconteceu a uma equipa que na temporada passada tanto fez e que, agora, mal se sustenta na briga pelo título nacional.
Se o Benfica, como o Porto e o Sporting, pesca os destaques dos outros clubes portugueses, quando está às vistas das grandes ligas, perde os seus. E só há um jeito de suavizar essas perdas: planejar, antever, perceber quem vai e ter à mão quem vem, de preferência já ambientado dentro do elenco.
O livro Soccernomics mostra como o Lyon se preparava para montar seu elenco. Mandava no futebol francês, antes do PSG ser adquirido pelo fundo de investimento do Catar, mas ainda assim não tinha como fazer frente a alemães, espanhóis, italianos ou ingleses, que sempre levavam seus destaques. Então identificava quem poderia sair e já tinha sob os olhos quem chegaria. E assim foi campeão sete vezes seguidas.
Grimaldo, Enzo Fernández e Gonçalo Ramos saíram. Era óbvio que sairiam. E como foi o processo para amainar isso?
Sequer houve. Para o lugar de Grimaldo, vieram Bernat (apoquentado por uma lesão crônica desde o PSG), Álvaro Carreras e Jurásek. E nenhum deles tem características semelhantes ao espanhol que hoje brilha sob as ordens de Xabi Alonso no Leverkusen, tanto que Morato e o faz-tudo Aursnes têm jogado por ali, onde poderia estar Ristic, melhor que os outros três, mas que foi dispensado para que Jurásek fosse contratado por €14 milhões. Após perder Ramos para o PSG, cerca de €40 milhões foram gastos com os avançados Marcos Leonardo e Arthur Cabral, mas quem joga é Tengstedt, o mais tosco deles, mas que é capaz de pressionar a saída de bola mais que os outros. E ainda havia Musa. E, para ser Enzo, chegou Kökçü, melhor jogador do campeonato dos Países Baixos na temporada passada e aposta pessoal do treinador, que queria porque queria, mesmo com fartas opções no plantel para o setor. O problema é que ele não é Enzo.
A chegada de Di María, um dos maiores jogadores da história, fatalmente faria o time perder um pouco do poder de pressionar após a perda da bola, que era uma das armas mais fortes no primeiro ano da gestão Schmidt, forçando o treinador a encontrar soluções para amenizar o impacto e aproveitar todos os benefícios ofensivos que Fideo poderia dar à equipa. Mas isso está longe de acontecer, pois o craque argentino, aos 36 anos, tem que correr atrás de lateral e ponta e quem mais cair por ali porque não há laterais e porque a entrada de Kökçü desequilibrou o time. Não por culpa dele, mas porque Roger Schmidt é teimoso e arrogante. E não há laterais porque Gilberto, reserva imediato de Bah, foi liberado para assinar com o Bahia antes que seu substituto fosse encontrado. A aposta em João Victor para o setor mostrou-se um equívoco fácil de prever pelas suas prestações a serviço dos franceses do Nantes.
O plantel foi mal montado, mas Schmidt, que em 2022-23 mal rodava o onze, razão que forçou Lucas Veríssimo a buscar minutos fora, agora raramente repete não só nomes, mas o sistema.
Florentino, o maior ladrão de bolas da última Champions, que dava sustentação defensiva e liberava o prodígio João Neves para ser o homem mais influente, mal sai do banco. Com ele a trinco, a linha com os três médios funcionava, qualquer que fosse a composição do trio. Quando Arthur Cabral começou a entender o jogo de pressão de Schmidt, voltou para o banco, tendo cinco ou dez minutos para jogar, dependendo do placar. Para caber Kökçü, recuou João Mario para a posição de 6 (ou segundo volante) porque não quer abrir mão da calma e do critério do jogador para o achar o melhor caminho. O problema é fazer isso na cabeça de área.
E fica tudo às costas de João Neves. Perde-se tudo assim: estraga o jogo de João Mario, obriga Di María a correr como um louco, anula Rafa Silva, que quando recebe a bola as defesas já estão postas e o espaço entre zagueiros e volantes, seu habitual parque de diversões, deixa de existir porque a bola é recuperada longe do gol adversário. Neves, coitado, é obrigado a viver como Sísifo e empurrar morro acima a pedra que fatalmente voltará ao pé da montanha, e perde seu melhor, que é a pressão no campo de defesa adversário, onde rouba a bola e avança com ela ou encontra, com passes medidos, gajos com camisolas iguais àquela que veste em espaços em meio a defesas desorganizadas.
Vieram dois clássicos: Sporting, pela Taça; e Porto, pela Liga, com a possibilidade de abrir 12 pontos de vantagem aos azuis. Ora com avançado, ora sem, o Benfica apostou em formações com o meio-campo leve demais para enfrentar duplas como Hjulmand e Morita ou Alan Varela e Nico González, de bom trato à bola e fortes no combate. O futebol, desde sempre, é a luta por espaços, e não é somente com atletas pouco afeitos à imposição física que o Benfica terá a bola para servir seus tipos mais habilidosos. Fosse mais eficaz, a goleada teria sido aplicada pelos leões, que jogaram como quiseram e só não marcaram mais porque foram perdulários. Os sinais, porém, não foram notados e o Porto, sabedor das mazelas das gentes encarnadas, jogou para juntar sua melhor característica - a agressividade - às maiores deficiências benfiquistas.
Aí Schmidt tem a desfaçatez de falar que o time se preparou da melhor forma. Desculpas, não as deve porque perder é do jogo e é preciso entender isso para tirar a carga negativa que toda derrota traz e perder, ora, não só faz parte como é um dia três resultados possíveis, mesmo que a malta que consuma o jogo - atentem-se ao verbo consumir, não por acaso escrito aqui - só admita vencer. Obviamente, ninguém entra em campo para perder. Clara também é a dependência de uma série de fatores para que goleadas como esta aconteçam entre equipas niveladas.
Ninguém se prepara para fazer 5 a 0 em um clássico, como respondeu o treinador Rogério Ceni, do Fortaleza, após uma pergunta imbecil feita durante uma entrevista. No entanto, dificuldades além das naturais para um jogo deste tamanho eram previsíveis quando insiste-se no que deu errado e o adversário é o Porto, que é forte nos duelos, tem atacantes móveis e é rápido a atacar pelas alas, sobretudo contra jogadores improvisados e mal protegidos pelos alas ou pelos centrais, que tinham que se preocupar com os gajos de azul.
No fundo, somente um dos lados se preparou para o jogo. Sérgio Conceição minou os pontos fortes, como o espaço para Rafa e a possibilidade de Di María fazer a diagonal para bater no gol ou servir algum tipo de vermelho.
Era de se esperar, afinal.