segunda-feira, 20 de outubro de 2014

O dilema de Tostines e as eleições no Brasil


Estive conversando durante a semana com o jornalista Luis Simon, o Menon, sobre o pleito deste mês de outubro e, entre tantas observações, ele me disse que o Brasil é uma jovem democracia.

O que me assusta é que, baseado no que estamos assistindo e lendo, o eleitor brasileiro tem piorado com o passar dos anos e com as eleições (se eu não estiver equivocado, esta é a sétima eleição direta para presidente desde o fim do regime militar). A prova é o nível da campanha eleitoral em curso.

Fica o dilema de Tostines, mas em vez se perguntar se "vende mais porque é fresquinho ou é fresquinho porque vende mais", a questão é se os candidatos são ruins porque o eleitor não é exigente ou se o eleitor não é exigente porque os candidatos são ruins.

 

Assim como no primeiro turno, a campanha é baseada na desconstrução do adversário. É o clássico Nhô Ruim x Nhô Pior. "Ah, o candidato me acusa disso, mas o partido dele fez isso e isso" é o que se tem de um lado. "A senhora está faltando com a verdade, candidata", é a resposta do outro. Propostas? Para quê, se o povo não se importa? 

Tratam a disputa como uma guerra entre torcidas organizadas, que respinga nas redes sociais e transforma parte do seu eleitorado em ignorantes e barulhentos ativistas sem informação e, por consequência, sem argumentos. O tom usado pelos candidatos, pelas siglas e pelos militantes de última hora faz uma briga de reunião de condomínio parecer com crianças mostrando a língua através do vidro traseiro do carro. 





Ao candidato da oposição, a missão fica mais fácil, pois é só apontar os deslizes de quem ocupa o cargo. Se fosse o contrário, seria assim também (como foi em 2001). 

No fim das contas, questões importantes ficam de fora do debate. Reforma política? Esquece. Se quiser, é só reeleição. O resto fica de fora. PMDB? Que importância tem?

É a velha briga do mar contra o rochedo, em que o marisco leva a pior. Só que o marisco, no caso, é o povo.


*Imagens extraídas da internet

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

O 7 a 1 eleitoral

Por Leandro Marçal*

Não importa se a escolha da maioria no próximo dia 26 seja uma "petralha/corruPTa/comuna" ou um "tucanalha/coxinha/reaça" para ocupar a presidência do país. Nós todos já perdemos as eleições. E de goleada.

O primeiro e segundo gols saem quando alguns autointitulados "esclarecidos" e "inteligentes" desrespeitam os que optaram por outra escolha, que exerceram seu direito de ter outra opinião. Logo em seguida, pipocam links, sites e vídeos disseminando o ódio e a intolerância com os que ousam pensar diferente – sejam eles nordestinos ou paulistas. O que importa é menosprezar aqueles que pensam de forma diferente.


Quando nos damos conta de que há uma suposta preocupação com a política e os rumos do Brasil apenas no mês de eleições e ainda assim com o único propósito de conseguir likes e compartilhamentos no Facebook, já está 3 a 0 para eles. Tudo isso num frango coletivo, quando muitos se atrapalham e repetem discursos sem saber o motivo


Quarto gol! Temos no dia a dia uma conduta individualista, egoísta e retrógrada. Brigamos no trânsito, nos estádios, nas baladas. Agredimos os que pensam de outro jeito ou têm outra opção sexual. Por vezes, discriminamos os que têm uma cor de pele diferente da nossa. Ainda assim, a culpa é apenas do governo.

O 5 a 0 sai logo na sequência, quando temos um congresso estúpido e vergonhoso. Os que nos “representam” são despreparados, com más intenções, intolerantes e olham apenas para o próprio umbigo – qualquer semelhança com o seu dia a dia não é mera coincidência. Elegemos aberrações que nos causam um prejuízo bilionário ano a ano para pouco (ou nada) fazer por nós mesmos.

Seis, sete. Hashtags estúpidas, debates rasos, argumentos inexistentes, como se política fosse arquibancada de um estádio de futebol. Intolerância e desrespeito ao que chamamos de democracia. Um verdadeiro chocolate. Oportunismo, manipulação, Empreiteiras, banqueiros, fanáticos dando o tom das campanhas fecham a goleada massacrante.


Talvez o gol de honra seja a liberdade que temos para escolher em quem votar, mas não faz a menor diferença, pois não importa quem vença do lado de lá, nós já perdemos do lado de cá. 

E assim segue o jogo...

*Leandro Marçal é um jornalista de 23 anos, torce pelo tricolor paulista
 e por um mundo menos hipócrita e com mais bom humor.
E, apesar do nome de sambista, é incapaz de tocar um reco-reco.
Ainda assim, é o Rei da Noite de São Vicente.

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

O futebol faz mal ao Brasil

*por Fabio Venturini

Sempre defendi que essa ideia de que o futebol é desimportante, por isso um mundo separado, é conversa para boi dormir. O futebol é dialético com todos os demais momentos e lugares de nossas vidas. Ele é reflexo do que pensamos assim como molda o nosso pensamento, seja na condição de jogador, torcedor, peladeiro, árbitro, juiz do STJD etc.

Esta semana particularmente chamou-me  a atenção três momentos. Relendo Paulo Freire me aparece um trecho memorável de Pedagogia do Oprimido:

“Não haveria oprimidos se não houvesse uma relação de violência que os conforma como violentados, numa situação objetiva de opressão. Inauguram a violência os que oprimem, os que exploram, os que não se reconhecem nos outros; não os oprimidos, os explorados, os que não são reconhecidos pelos que oprimem como outro.”

Freire descreve longamente uma dinâmica em que o opressor responsabiliza o oprimido pelas violências e injustiças a que são submetidos. Nos intervalos da leitura, tive a (in) felicidade de ver um jogo daqueles eletrizantes do campeonato inglês, Manchester City x Chelsea.

No desenrolar da partida, o zagueiro Zabaleta, do City, fez uma falta dura em Diego Costa. Não satisfeito, foi para cima do atacante do Chelsea e iniciou uma ríspida discussão, com troca de afagos que não chegaram a ser agressão. O árbitro expulsou Zabaleta, apenas, pela falta e por ter gerado a confusão.
Qual é a dúvida de que no Brasil ambos seriam expulsos?

Os homens de preto daqui sempre tomam a decisão que os comprometem menos. O maior sintoma é quando Sandro Meira Rici vai à Copa do Mundo e apita como se estivesse na Bundesliga, não nas “arenas” do Brasil.

Toda vez que um comentarista de arbitragem quer justificar os erros absurdos, daqueles que acomodam opinião pública, times em questão e “orientações” da comissão de arbitragem, falam em “imprudência”.
Se um jogador colocou a mão no rosto do adversário que se atirou no chão e foi expulso, sua atitude foi imprudente. Se deu um carrinho, o atacante se atira no chão e o juiz marca equivocadamente o pênalti, a responsabilidade é do zagueiro e sua imprudência, sua inconsequência.

Assim se difundem padrões de opressão pelas telinhas todas quartas à noite e nas tardes de domingo.
O que faz então pessoas como Sandro Meira Rici terem uma postura em torneios internacionais e outra nos campeonatos locais?

Na Inglaterra, na Alemanha e, em menor medida, na Copa do Mundo, o objetivo do árbitro é cumprir a regra. No Brasil, é “controlar o jogo”, como expõem sem o menor constrangimento os comentaristas de arbitragem: Arnaldo Cézar Coelho, Leonardo Gaciba, José Roberto Wright, Paulo César de Oliveira e até Sálvio Espínola, que está na ESPN, uma emissora cujos comentaristas tanto exaltam o futebol europeu, mas, quando se tratam de torneios brasileiros, acomodam-se na ideia de “imprudência” do injustiçado.

Essa mentalidade faz com que uma falta seja digna de expulsão aos 38 minutos do segundo tempo, quando o time da casa já tem um a mais e está ganhando o jogo, mas lances idênticos não sejam punidos com cartão amarelo no primeiro tempo ou sequer se marque falta. O mesmo critério que faz uma bola tocada na mão vire pênalti contra o visitante, mas uma mão intencional na bola no meio de campo pelo atacante adversário não lhe renda o segundo amarelo.

Imagine o seguinte lance: um atacante que desde o começo do jogo está procurando contato com os zagueiros e se atirando dentro da área corre na direção do gol adversário com a bola dominada. Um zagueiro corre e o alcança, mas para dar tempo de impedir o gol estica a perna e se joga à frente da trajetória da bola. O atacante, atrapalhado, erra o chute e na sequência dobra os joelhos. Na sequência ambos se embolam. O atacante, tocado na perna esquerda, dá três rolamentos gritando como se fosse amputado a sangue frio com a mão no joelho direito.

O lance é dentro da grande área. É falta?

A regra do jogo manda avaliar se a bola estava em disputa, mas as orientações de arbitragem no Brasil mandam jogar a partida.

As chances de o juiz ser ludibriado e marcar um pênalti são grandes em qualquer lugar do mundo, mesmo na Inglaterra e na Alemanha, onde joga a maioria dos jogadores dos quatro semifinalistas da última Copa do Mundo. Nesses locais há também uma boa possibilidade de o árbitro, estando próximo da jogada, aproximadamente seis ou sete metros e com visão frontal do lance, perceber a acrobacia do atacante e não botar a bola na marca penal.

No Brasil essas duas possibilidades estão condicionadas aos mesmos critérios que fazem um time ter 60% mais pênaltis em seu estádio do que qualquer outro adversário, os mesmos que fazem uma agremiação perder pontos e ser rebaixada pelos mesmos motivos que outras são absolvidas.

Em poucas horas o jogador expulso e o time rebaixado se tornam “imprudentes”, responsáveis pela violência a que foram submetidos. O jogador vítima do racismo se torna culpado por ter feito uma denúncia e as vaias, tão ou mais racistas do que gritos de “macaco”, se tornam sua obra. Críticos de pastores homofóbicos chegam ao delírio chamando o torcedor adversário de viado. Inconformados com a corrupção “de tudo que está aí” buscam releituras das regras para justificar uma vitória conduzida desde o primeiro minuto pela arbitragem.

E assim, nos dias em que não há futebol, a criança de um ano de idade bombardeada com lacrimogêneo é a culpada por não respirar oxigênio, pois estava onde não deveria. O pobre é culpado por não ter nascido em condições de ficar rico. O camelô que leva um tiro na boca é tão responsável pela sua morte quanto o homicida que puxou o gatilho.

Esporte é para dar sanidade a corpo e mente. Na TV tem feito justamente o contrário.

*Fabio Venturini é jornalista

sábado, 19 de julho de 2014

Sobre Dunga, CBF e o mesmo cheiro

Com a saída do técnico Felipão após a desastrosa Copa do Mundo do Brasil, as atenções estão voltadas para quem será o responsável por encabeçar o projeto de devolver ao país o título de melhor futebol do mundo, embora os ufanistas de plantão ainda considerem este o país do futebol. O nome da vez, pasmem, segundo apurou a ESPN, é o de Dunga, aquele que treinou o escrete nacional na africana Copa de 2010.
CBF estaria conversando com Dunga (Nelson Coelho/Diário de S. Paulo)
A simples possibilidade de recontratar não o capitão do tetra, mas o técnico da Copa de 2010, escancara o que todo mundo sabe, mas ninguém dos que têm o poder (plim-plim!), admite publicamente: não existe um projeto minimamente sério pelos lados da Barra da Tijuca. 

Seja quem for o escolhido, e pelos primeiros movimentos da cúpula da CBF (Marin-Del Nero), a tentativa de retomada do posto de número 1 dará com os burros n'água. O primeiro passo foi contratar Gilmar Rinaldi para ser o coordenador de seleções da entidade. Sabe-se que ele era, até poucos dias, agente de jogadores. Ora, não basta à mulher de César que seja honesta, tem que parecer sê-lo também. 

Del Nero e Marin, com o futebol brasileiro na cabeça
Ainda assim, não será a escolha do coordenador ou do treinador, simplesmente, que mudará este status quo que teve como ápice as duas lavadas levadas pelo time do Scolari. O problema é outro, bem pior. Os time pequenos, fornecedores de craques para os grandes, estão falidos; o dinheiro, que é pouco ante o que se arrecada, é mal distribuído; os times grandes estão com a base entregue a empresários e agentes preocupados apenas em ganhar dinheiro. 

Enquanto o 7 a 1 for tratado resultado de sete minutos de apagão, como tentaram apregoar Pareira e Scolari na cretina entrevista coletiva post mortemduvido que alguém faça alguma coisa porque quem manda, e isso a gente vê por aqui, não vai parar de tratar o futebol como mero produto de grade de TV. Como o torcedor-telespectador é pouco exigente e, portanto, suscetível a opiniões dos Galvões Buenos e Tiagos Leiferts de plantão, ou de outros jornalistas catequizados sob o Evangelho Segundo os Marinho, acreditarão que o futebol daqui é bom e que ver o Olodum na Copa é divertido.
Frieza dos números: Felipão, na coletiva após a
Copa de 2014 (Heuler Andrey/Mowa Press)
 
Voltando a Carlos Caetano, o Dunga, ele chegou à Seleção para ser um contraponto à esbórnia que foi vista na Alemanha, quatro anos antes, quando era Parreira o treinador. No entanto, o trabalho não foi bom, mesmo com os títulos das Copas América e das Confederações. Sob sua gestão, o Brasil jogava fechado e saía no contra-ataque, com a bola saindo diretamente dos pés acéfalos dos volantes para os laterais ou para a disparada do então serelepe Robinho. A Holanda acertou a marcação em apenas meio tempo e deu no que deu. Ou seja, a "renovação" não renovará nada. Vão apenas mudar a cobertura do bolo. O recheio será o mesmo. E não é bom.  

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Já está escrito

Por Vinicius Carrilho*

A “Copa das Copas” se encaminha para seu último ato. A grande final será apenas no domingo, mas já é possível cravar que a história está feita e será justa, premiando uma das melhores, se não a melhor, Copa do Mundo de todos os tempos.

De um lado, a vitória pode ser do trabalho, da organização, de quem se deve ter como espelho. O futebol alemão há 12 anos está entre os melhores nas Copas. Porém, em 2002 o acaso contribuiu. Sábios e serenos, os germânicos compreenderam que a sorte não bate à porta duas vezes e apostaram em algo maior, mais trabalhoso, porém de frutos certos: o trabalho.

Desde então, toda uma geração foi preparada. O serviço, porém, não se resumiu apenas a isso. O futebol por lá sofreu drásticas mudanças. Passados dois mundiais (nos quais ficou na semifinal), a Alemanha conta hoje com uma das ligas mais fortes e ricas do planeta e ela é toda administrada pelos clubes. A federação, preocupada exclusivamente com a seleção, deu tranquilidade a Joachim Löw, no cargo desde 2007. Com um time ótimo, os alemães, favoritos, podem ver todo este trabalho coroado com a taça dourada.

Do outro lado, a Argentina. Com um futebol interno tão desorganizado e pobre quanto o destas terras, o time albiceleste vem para provar que este esporte é cíclico e que pode demorar, mas uma boa geração sempre aparece. Se a defesa – que vai bem no Brasil, faça-se justiça – é o ponto fraco, os argentinos contam com muitos talentos em seu meio-campo e ataque e não se encabulam em utilizar o que há de melhor buscando o gol.

Porém, a história estará toda com Messi. De contestado por duas Copas medíocres a um provável candidato a ídolo eterno, igualando ou até passando Diego Maradona, La Pulga, como El Pibe, é um monstro, jogador raro, daqueles que aparecem no mundo a cada 30 anos.

Caso vença, ambos empatarão em mundiais. Também vão se igualar no protagonismo, é verdade, porém Leo conta a seu favor vencer sem qualquer contestação e com uma carreira muito mais limpa e vitoriosa do que a de Diego (o que não mancha e muito menos diminui seu brilhantismo). Indo para o campo divino, como gostam os vizinhos sul-americanos, seria a oportunidade perfeita de trocar uma vitória com a ajuda de “la mano de Dios” por uma com o auxilio de “la bendición del Papa”. Em resumo, vencer uma copa 28 anos depois e ainda no Brasil seria para Messi e para os argentinos um roteiro que nem Ricardo Darín, no alto de sua inspiração, conseguiria imaginar.

Aconteça o que for, seja como o destino quiser, a história já está escrita e ela virá com páginas douradas, independentemente do resultado. Um capítulo final justo, feliz e merecedor para o verdadeiro drama que foi toda a trama da Copa do Mundo no Brasil, desde que começou a ser escrita, em outubro de 2007.


Aos que ainda velam o jogo entre Brasil e Alemanha – acreditem, ainda tem quem sinta muito aquela derrota – o conselho é de que, ao menos por um domingo, se permita gostar de futebol, sem se importar com as cores que estiverem no campo. Será uma oportunidade única de ver e sentir a história passar sob suas retinas.  

* Vinicius Carrilho tem 23 anos, é jornalista, morador de Osasco e gostaria de ganhar a vida 
fazendo humor, mas escreve melhor do que conta piadas.

quinta-feira, 10 de julho de 2014

O fundo do poço pode ser cavado

*Por Fabio Venturini

A Copa do Mundo apenas mostrou o que tem de pior no futebol brasileiro. Desde 2010 tinha muito medo de que se repetisse uma catástrofe na Copa do Mundo do Brasil. Com o Uruguai bem na África do Sul pensei em um novo Maracanazo ou uma derrota para a Argentina. A vergonha foi diferente e pior, pois se uma derrota para um rival vizinho é dolorida, tomar sete de qualquer adversário que seja é humilhante, desonroso. Porém, brasileiro nenhum pode reclamar de ser surpreendido ou achar que não estava anunciado. Não foi um pesadelo. Pelo contrário, foi um choque de realidade em quem tinha um sonho absurdo de ser feliz em cima de estruturas tão frágeis para o esporte.

Crônica esportiva – Quando era estudante de jornalismo ouvia que jornalismo esportivo era o reduto dos que não teriam condições de trabalhar em outras editorias. Achava absurdo, desrespeitoso. Hoje penso que é incorreto e generalizante, pois uma maioria absolutamente limitada intelectualmente e que sequer sabe fazer uma mínima análise da realidade de forma honesta mancha um setor inteiro do jornalismo. Aqueles "Pachecos" que adoram jargões e agora liderarão a caça às bruxas são os mesmos que em 2010 pressionaram a CBF para mudar tudo na seleção e excomungaram Dunga e Felipe Melo. Os mesmos que fizeram matérias e editoriais em 2011 para criticar a revista inglesa FourFourTwo por ter apontado todos os problemas do futebol brasileiro, como se fosse uma perseguição, não uma análise precisa. Pois bem, atendendo ao apelo do pachequismo liderado pelas Organizações Globo, em vez de ter um time pronto a partir da África do Sul para aperfeiçoar com novos talentos foi tudo recomeçado do zero. Em vez de melhorar a seleção e o esporte internamente, a CBF continuou seu caminho de transformar tudo num zaralho com jogos às 22h. A injustiça com a crônica esportiva, salvo algumas exceções, como a ESPN, se dá no sentido de que asneiras do mesmo nível saem das crônicas política, econômica, policial.

Organizações Globo – Se há o corrupto, devemos encontrar o corruptor. Quem faz de tudo para transformar futebol em um elemento da grade de programação com mera finalidade de garantia de audiência e alienação do telespectador é o grupo da famiglia Marinho. Antecipam cotas a clubes totalmente zoneados, prendem os clubes dirigidos por pessoas de conduta questionável, age como agiota para manter a propriedade sobre o futebol brasileiro. É dona da CBF, lidera as campanhas para troca de treinador, escolha do novo, elege os candidatos a ídolo nacional e seus capos se orgulham de dizer nos bastidores do futebol que podem escolher datas e horários de jogos porque é a TV quem paga por isso. Pois é, ao lado da sua subordinada CBF, as grandes responsáveis não por um 7x1, mas pelo estado de petição de miséria que se encontra o futebol brasileiro. E se um dia os clubes e campeonatos daqui acabarem porque estas duas entidades filhotes da ditadura assim conduziram a situação, a Globo não terá o menor pudor em comprar direitos de outros esportes que se encaixem na sua grade de programação. Nós gostamos de futebol, a Globo de poder. O que faz no esporte fará, a partir de 14/7, com as eleições.

Confederação Brasileira de Futebol – A mesma trupe está na CBF desde 1989, sendo que naquela época já não houve muita renovação do que vinha antes. Ricardo Teixeira liderou a Confederação em episódios como a mudança de fórmula durante campeonato para classificar o Flamengo para a segunda fase, salvação de fluminense (três vezes), Corinthians e Botafogo de rebaixamentos no campo, sucateamento desportivo e embelezamento estrutural às custas de compromissos governamentais com eventos esportivos de grande porte. Sabedor desde 2003 de que a Copa seria no Brasil, Teixeira e seus asseclas não se dignaram a preparar uma seleção decente acreditando no mito de que no Brasil nascem craques por bênção da natureza, não por condições sociais. Dedicaram-se à construção civil, ao turismo, à operação de entretenimento e deixaram o futebol nas mãos de dirigentes de clubes, federações e treinadores, enquanto a especulação imobiliária acabou com campos de várzea, empresários empurraram pernetas de escolinhas de futebol goela abaixo dos clubes grandes e os melhores talentos saíram do País aos borbotões antes de sequer jogarem uma única partida de primeira divisão do lado de cá do Atlântico.

Treinadores péssimos – Por falar na pior derrota, devemos nos lembrar da pior vitória do futebol brasileiro, em 1994. Naquela época havia no Brasil dois times que bateriam hoje em Barcelona e Bayern com desenvoltura. O São Paulo de Telê Santana era um dos melhores times do futebol mundial do século XX. O Palmeiras de Vanderlei Luxemburgo tinha condições de sozinho ganhar a Copa realizada nos Estados Unidos. E fomos com Parreira retrancando até contra Rússia e Camarões, montando um time de brucutus que davam bicão para o Romário decidir lá na frente, assim como Felipão e Parreira tentaram fazer com Neymar este ano. Desde aquela vitória nos pênaltis contra uma Itália que tinha seus dois melhores jogadores (Baresi e Baggio) com os joelhos machucados, o “ganhar feio” virou regra e inspirou uma geração inteirinha de treinadores obsoletos, retranqueiros, desatualizados, marrentos e que foram campeões colocando camisas gigantes atuando como se fossem o Novorizontino. Felipão e Parreira têm culpa, mas deve ser dividida com outros. Enquanto a Argentina produziu Marcelo Bielsa, Tata Martino e José Perckerman, aqui no Brasil a crônica esportiva alienada elevou ao nível de grandes treinadores de futebol senhores como Muricy Ramalho, Celso Roth, Tite, Mano Menezes, Abel Braga e outros retranqueiros incorrigíveis.

No jogo, Felipão dormiu e acordou em 2002 – A extrema arrogância do técnico brasileiro ao achar que basta formar uma “famiglia” e usar autoajuda para ganhar Copa chegou ao nível do ridículo. Obsoleto, desatualizado, sequer teve a capacidade de entender que não poderia ir para cima do melhor time do mundo. Sacou uma escalação de Bernard como técnicos da década de 1960 que escolhiam os jogadores pelo estádio, para conseguir apoio da torcida local. Nem se a partida fosse na Ucrânia poderia colocar o jogador do Dínamo de Kiev para ser engolido miseravelmente pelo poderoso meio-campo alemão. Teve seu método emotivo-metafísico atropelado de tal forma pela racionalidade germânica que os jogadores alemães tiraram o pé em respeito ao país que tão bem os acolheram. Se não fora 10 ou 15x1 devemos agradecer ao povo da Bahia, onde está concentrada a Alemanha, e às belezas de Santa Cruz de Cabrália, não à obsoleta comissão técnica brasileira.

Sem torcida – Nos jogos do Brasil não havia torcedores brasileiros. Os estádios estavam cheios de VIPs que adoram fazer selfie na arquibancada e falar mal da Dilma. Quando a Alemanha fez o segundo gol uma porção de oportunistas que adora dizer que estava lá onde havia o mundo olhando abandonou o barco. Contra o México parecia que o jogo era em Guadalajara, não em Fortaleza. Graças às prioridades de Globo e CBF tivemos uma Copa do Mundo no Brasil em que a seleção local não atuou no Maracanã e o torcedor não pode ver os jogos para dar lugar a um bando de coxinhas que adquiriram ingressos em meio a uma máfia de vendas selecionadas que está sendo desmascarada pela Polícia Federal, como já havia sido denunciado na imprensa inglesa.

Torcedor não cidadão – Foram 12 “arenas” construídas ou reformadas. Em breve teremos de volta um campeonato horroroso, com jogadores ruins ou decadentes e que a qualquer momento é decidido pelo Tribunal Protetor de Cariocas Rebaixáveis. Criciúma é candidato a salvar o Flamengo da Série B enquanto o rebaixado salvo fluminense disputará o título. A justiça do campo fará com que os tricolores do Rio retirem título e vaga em torneio importante de paulistas que calaram pelo descalabro feito com a Portuguesa. E o torcedor doutrinado pelo pachequismo global bate palmas a tudo isso. Acha bonito ganhar estádio com dinheiro público e calote inserido no planejamento, não se escandaliza com torcida organizada servindo de milícia antimanifestação, não se opõe à construção de quarto estádio em cidades com três clubes, como Recife e Natal, cala quando pessoas morrem na Fonte Nova, apoia a retirada dos pobres das arquibancadas para encher de coxinhas nas cadeiras das “arenas”. Há muitos responsáveis que hoje querem atitudes do governo ou de dirigentes.
  

O futebol brasileiro está no fundo do poço. Não é de hoje, deveriam ter percebido quando as principais lideranças eram Juvenal Juvêncio, Andrés Sanches e Marco Polo Del Nero, sucessores de Mustafá Contursi, Alberto Dualib, Ricardo Teixeira e Eurico Miranda. Sinceramente, 7x1 é hoje o menor dos problemas do futebol no Brasil, pois quantifica até modestamente a diferença entre a estruturação do futebol no Brasil, paraíso dos canalhas, e na Alemanha. E no sentido que está tomado é sim possível cavar o fundo do poço. Plim-plim.

* Fabio Venturini é jornalista

terça-feira, 8 de julho de 2014

Sobre trabalho e soberba

Quando o Brasil venceu com sobras a Copa das Confederações, vendeu a ideia de que o time estava pronto para a Copa. Afinal, venceu jogando bem e desbancou, com um indiscutível 3 a 0, a toda poderosa Espanha, àquela altura a mítica campeã mundial e bicampeã da Eurocopa.

Mas não estava. Não só do ponto de vista técnico, mas comportamental. Além de não ter apresentado nenhuma evolução técnica de tática desde então, o Brasil cometeu o maior dos pecados para quem tem uma competição como a Copa do Mundo pela frente, ainda mais em casa: acreditou que estava.

Felipão convocou um time absolutamente cru para o Mundial. Acreditou que Neymar e o Hino Nacional garantiriam a conquista do sexto título mundial. Desde que o time se apresentou com 18 dias apenas para se preparar para a Copa, uma esbórnia se instaurou na Granja Comary. Em vez de treinar, o Brasil ficou fazendo sala para a Rede Globo, que fez o que quis em Teresópolis. Poucas foram as vezes que o time treinou de verdade.

Com o passar dos jogos, a evolução, que seria natural, caso treinasse de verdade, não aconteceu. A Seleção não se encontrou como time em momento algum. Só que a comissão técnica e a dona da alma nacional venderam uma ideia diferente, de que o time já tinha decolado.

No jogo contra o Chile, o que se viu foi um time apavorado, desequilibrado psicologicamente, que já ficou no lucro por ter passado nos pênaltis. O jogo seguinte aconteceu seis dias depois. SEIS DIAS! E quantas vezes o time titular treinou? UMA só. O resto foi folga ou conversa.

Até funcionou, pois o Brasil entrou com sangue nos olhos, embora o futebol em si tenha sido pobre. O time do Felipão apresentou muita luta, marcando alucinantemente a saída de bola colombiana e não deixando o ótimo time dirigido pelo argentino José Peckerman respirar. Quando o gás acabou, levou sufoco, mas passou. E todo mundo achou que, contra a Alemanha, era só repetir a fórmula, que a vaga na final estaria garantida. 

É bobagem achar que a Seleção perdeu a segunda Copa em casa porque deu tudo errado na semifinal do Mineirão. Perdeu porque não trabalhou, porque não se preparou como deveria. Porque o experiente Felipão não deu suporte para que Neymar não fosse a única esperança da torcida. E perdeu porque acreditou que a camisa e a torcida que é brasileira-com-muito-orgulho-e-com-muito-amor seriam suficientes para ser campeão.       

segunda-feira, 7 de julho de 2014

Os vilões, a vítima e a testemunha

Por Vinicius Carrilho*

Não há nada como uma Copa do Mundo. Isso é um fato e o mundial que vivemos neste ano prova a cada dia tal afirmação. Diria Nelson Rodrigues que “sem paixão não dá nem pra chupar um picolé”. Portanto, começo dizendo que esse papo de imprensa imparcial não existe. Quem escreve as letras dos textos, a voz que ecoa pelo rádio ou aquela pessoa que surge na sua TV é um humano e, como tal, carrega consigo emoções, lembranças, preferências, ideologias.

Porém, tal situação não isenta os profissionais de comunicação de um dever básico: a responsabilidade. Em uma dessas passagens da vida, ouvi algo que sintetiza bem o que nós, jornalistas e comunicadores– principalmente os de grandes veículos – deveríamos sempre ter em mente: cuidado para não usar uma bala de canhão tentando acertar pardais.

O caso da contusão de Neymar é emblemático, assustador e triste. Em pouco mais de 24 horas ouvi coisas como: “covarde”, “ele deveria sair algemado” e “lance brutal” sendo atribuídas à fatídica falta cometida por Zúñiga, que acabou tirando o brasileiro do restante do torneio.

No ápice do circo montado em torno da lesão, Luciano Huck, em seu programa de entretenimento, resolveu tratar de futebol. Na verdade, mais especificamente lamentava a lesão de Neymar. Ao vivo, o comunicador, falando para todo o território nacional, abriu seu programa chamando Camilo Zúñiga, profissional do futebol, a quem provavelmente o apresentador sequer conhecia até horas antes, de: “colombiano imbecil”.

Mais tarde, no mesmo “show”, Lais Sousa, atleta brasileira, vitima de um brutal acidente no início do ano, foi entrevistada e perguntada sobre o acontecido no dia anterior. Assim como Neymar, ela teve uma lesão na coluna. Porém, com uma “”“pequena””” (com infinitas aspas) diferença: a jovem de 25 anos, como dito antes, vítima de um ACIDENTE, ficou tetraplégica e provavelmente nunca mais poderá praticar ginástica artística ou um esporte de inverno.

Como uma intervenção divina, vindo como um sopro de racionalidade em meio aquela loucura toda, José Luiz Runco, médico da Seleção Brasileira, entrou no ar e disse que a lesão de Neymar era leve, de recuperação fácil e que não traria qualquer sequela ao jogador e ao cidadão Neymar Júnior. Ele apenas não jogaria mais o mundial por não haver tempo hábil para uma recuperação. Um verdadeiro tapa em tudo que se vinha pregando desde então.

A histeria e balburdia criada por jornalistas, comunicadores e formadores de opinião causou uma reação em alguns cidadãos que não possuem a menor condição de viver em sociedade. Por todo o canto, adjetivos pejorativos, preconceituosos e criminosos à Zúñiga poderiam ser ouvidos ou lidos. Tudo, alimentados por quem tem o acesso à palavra.

No mais triste dos episódios, uma rede social do lateral foi invadida por “brasileiros”. Lá, escolheram uma foto onde a filha dele, de apenas quatro anos, mandava um recado ao pai. Ali, mensagens como “Ela eh outra bosta igual o pai" (sic) e “menina vai ser estuprada” podiam ser lidas a quem quisesse e tivesse estômago para tamanha nojeira.

Sempre fui - e sou- contra atribuir atitudes de terceiros à mídia. Não me parece normal que uma pessoa se permita ser manipulada e ainda assim não seja a única culpada por isso. Porém, neste caso, a imprensa causou a criminalização de um cidadão com cavalares doses de preconceito e exagero.

Se houve ou não a intenção de machucar Neymar (e eu, particularmente, vejo com bastante clareza de que não houve), apenas Zúñiga e sua consciência podem responder com certeza. Ninguém sabe o que se passou ali e muito menos o que pensava o colombiano naquele momento. No fim, a verdade é que o vilão criado para a história virou vítima. Neymar, a vítima – e que nada tem a ver com o que houve – uma testemunha de um show de horrores criado ao seu redor. E os “torcedores”, testemunhas de todo o fato, no fim das contas, são os bandidos de toda essa trama. E a coautoria de tudo é da imprensa.

Ao torcedor, claro que com todas as limitações do bom senso, é concedida a licença (nada) poética do exagero. Ao profissional da mídia, não. E não é por um simples motivo: a palavra pode ser a pior e mais cruel arma da humanidade. Ela mata aos poucos e sem deixar ferimentos aparentes. E nós, pagos para reportar, contar histórias, somos pessoas que temos acesso a tal armamento e por isso deveríamos ser capacitados para manuseá-la.

Daqui pra frente, fica apenas a esperança de que sejamos mais responsáveis e conscientes do poder de uma palavra.

* Vinicius Carrilho tem 23 anos, é jornalista, morador de Osasco e gostaria de ganhar a vida 
fazendo humor, mas escreve melhor do que conta piadas.

sexta-feira, 27 de junho de 2014

A Copa de Cristiano Ronaldo

Por Humberto Pereira da Silva*
O melhor do mundo ferido: longe das suas condições ideais, Cristiano 
Ronaldo não pode fazer a Copa que dele se esperava. (Ivan Pacheco/Veja.com)

Cristiano Ronaldo veio para essa Copa sob grande expectativa. Não sem razão, pois suas últimas temporadas pelo Real Madrid e o modo como carregou Portugal na classificação épica contra a Suécia fazem dele um dos jogadores mais letais e completos do futebol atual. Sua eleição como melhor do mundo pela FIFA no ano passado apenas reverbera o que o craque português fez em campo.

Mas entre as bizarrices a que muitos se prestam numa competição como a Copa do Mundo, sob domínio da mídia em níveis que cada vez mais escapam ao bom senso, está o clichê de que jogadores eleitos pela FIFA no ano anterior à Copa fracassam na competição. Assim, antes do início do torneio, essa cantilena já era cantada.

O prêmio FIFA de melhor do mundo foi criado em 1991. Roberto Baggio, eleito em 1993, fracassou em 1994; o mesmo ocorreu com Ronaldo em 1998; e assim, na sequência, fracassaram Figo em 2002, Ronaldinho Gaúcho em 2006 e Messi em 2010. Nessa Copa de 2014, Portugal não passou da primeira fase. Cristiano Ronaldo, então, manteve a “maldição” de que o melhor do mundo pela FIFA fracassa.

Isso funciona apenas como bizarrice, fanfarronice midiática. Para um jogador do nível de Cristiano Ronaldo, que além de fora-de-série é dono de temperamento que instiga sentimentos extremos de adoração e desprezo, a propalada “maldição” é combustível para a insensatez. Seu fracasso foi a senha de que muitos precisavam para destilar trôpegas pilhérias e gozos de patuleia.

Vejamos: o mantra da “maldição” do melhor do mundo pela FIFA antes de uma Copa é uma falácia. Se se aplica a Baggio em 1994, que perdeu o pênalti decisivo e assim acabou vice-campeão do mundo, não se aplica a Ronaldo em 1998. Se Ronaldo, como Baggio, também acabou como vice, ao contrário dele não perdeu pênalti e, ainda, mesmo que seja controverso, foi eleito melhor da Copa pela FIFA.

Soaria estranho falar em fracasso de Ronaldo em 1998, ou a glória individual diz respeito à conquista do título mundial? Ou seja, a tal “maldição” se refere ao jogador, tomado individualmente, ou ao título que sua seleção perdeu. Pelé era o melhor do mundo em 1962, no Chile, mas ficou de fora da Copa no segundo jogo, por contusão. Com o Brasil campeão mundial Pelé teria fracassado?

O mantra da “maldição”, sejamos sensatos, ganhou corpo após o desempenho de Ronaldinho Gaúcho em 2006 e Messi em 2010. Esperava-se muito deles nessas Copas. Brasil e Argentina tinham grandes seleções e em Ronaldinho e Messi a expectativa de que fossem protagonistas na conquista do título mundial.

Certo, mas agora se alguém esperava que Figo fosse campeão mundial em 2002 e Cristiano Ronaldo em 2014 isso só pode ser entendido como ignorância ou maledicência de quem, ainda que conheça futebol, fica com a voz da galera e abre mão do bom senso. Portugal jamais entrou numa Copa do Mundo com o peso de fazer valer favoritismo.

Assim, falar em “maldição” no caso dele, e também de Figo, só tem sentido para quem faz coro à imbecilização geral que grassa nos comentários mais estapafúrdios a que muitos se prestam, inclusive com pose soi-disant intelectual. Mas, de qualquer forma, alguém mais sereno perguntaria: do melhor do mundo não se esperava mais que ficar na primeira fase da Copa?

Melhor do mundo em 2001, Figo chegou à Copa com
problemas físicos (Clive Brinskill/Getty Images)

Consideremos os problemas da Seleção Portuguesa. Classificou-se para a Copa na repescagem, num jogo dramático em Estocolmo contra a Suécia, teve de conviver com a expulsão de Pepe no primeiro jogo contra a Alemanha e com uma incrível sucessão de contusões. Isso, é óbvio, desestabilizaria uma grande seleção, quanto mais Portugal, que não formou um time para disputar o título.

Mas Cristiano Ronaldo, individualmente, não poderia ter feito mais do que fez? Não, pois ele não veio para o mundial em suas melhores condições físicas, e isso é vastamente conhecido de quem acompanha o futebol europeu. Quem acompanha o futebol sabe o esforço que ele fez para jogar essa Copa.

Nos lances de sorte e azar, calhou de ele não reunir condições físicas para apresentar seu melhor futebol. Assim, numa equipe que não é exatamente uma potência, agregada a problemas surgidos na competição, não é possível imaginar que ele levaria Portugal além da primeira fase. Ou, se levasse, não iria longe.

Qualquer crítica, ou gozação no espírito voz da galera, que se faça à participação de Cristiano Ronaldo nessa Copa, tendo em vista as circunstâncias em que estava, para mim, é molecagem, calhordice de muitos que tomam o futebol para descarregar frustrações pessoais.

*Humberto Pereira da Silva, 50 anos, é professor 
universitário de Filosofia e Sociologia e crítico de
cultura de diversos órgãos de imprensa.

segunda-feira, 23 de junho de 2014

Dizem que é só futebol

Passadas algumas boas horas após o fim do jogo entre Portugal e Estados Unidos, finalmente consigo escrever sobre a partida. A Copa do Mundo é um grande barato e é capaz de devolver, ao menos por um mês, o tesão por futebol que me foi tirado no fim do ano passado. Jogo da seleção pela qual seu coração bate, então, é mais do que futebol.

O meu bate no ritmo de A Portuguesa, o Hino Nacional de Portugal. Sempre que toca, o sangue corre mais rápido e acontece uma espécie de transe do qual sinto orgulho de participar. É o ápice. É mais que futebol, repito. É o orgulho pela bandeira, pela origem, pelo sangue.

Depois eu percebi que, do contrário do que eu imaginei, Paulo Bento escalou André Almeida improvisado no lugar de Fabio Coentrão. "Um erro", pensei cá comigo. "Deveria jogar o Miguel Veloso por ali e o William Carvalho no meio". Quando a bola rolou, a Selecção das Quinas partiu como um rolo compressor para cima dos yankees e abriu o marcador logo aos cinco minutos, com Nani. Bem, minha voz acabou naquele instante.

Mesmo com a vantagem no marcador, o time das Quinas controlava completamente o jogo e dava a impressão de que, no mínimo, descontaria nos americanos a surra que apanhou dos alemães. Mas Jürgen Klinsmann percebeu a lacuna que existia entre o terrível Bruno Alves e o improvisado (e torto) André Almeida. E fez com que seu time atacasse sem parar por ali.

A essa altura, a empolgação inicial já havia virado apreensão. A cada passe errado do Bruno Alves; a cada bola mal dominada pelo Nani; a cada tropeço em si mesmo do medonho Éder. E a cada finalização perigosa deles.  E foram muitos lances assim.

Antes de acabar a primeira etapa, Portugal conseguiu impor-se novamente e poderia ter saído com a vantagem de duas bolas a zero para o intervalo se o chute de Nani não encontrasse o poste esquerdo e o rebote não caísse nos pés de Ederzito. 

Veio o segundo tempo e Paulo Bento arrumou metade do problema quando sacou Almeida e voltou com o trinco William Carvalho, passando Miguel Veloso para a lateral. Mas continuou dando bola para os americanos concentrarem seu jogo por aquele setor. A solução, simples, seria abrir o melhor do mundo por ali e acabar com a festa, mas ele seguiu centralizado. Tudo bem que o próprio Cristiano teve a chance de matar o jogo em um contra-ataque mortal, mas foi afoito e resolveu chutar de qualquer jeito (ou sem qualquer jeito), para fora.

Aí veio o empate, na sobra de um canto mal rebatido. O resultado, a essa altura, já era péssimo, mas não punha termo às chances lusas. Só que os Estados Unidos, outra vez pela direita do ataque, viraram o jogo e instauraram o terror no time português.

Assim que eles passaram à frente, algumas pessoas levantaram-se e foram embora. Eu amaldiçoava, em sepulcral silêncio, cada uma delas. Não sei se por educação ou por falta de forças mesmo, o fato é que eu não falava uma só palavra.

Aí subiu a placa de acréscimos com um belíssimo cinco vermelho. Foi o suficiente para que minhas esperanças se renovassem. E o cruzamento perfeito de Cristiano Ronaldo. E a cabeçada fulminante de Varela. E o meu grito de gol. Enlouquecido. Explosivo. E a luz me faltou. 

A pressão, que caiu, contrasta com a fé de que o impossível é palpável. Um milagre, somente um milagre, apura a Selecção de Portugal  para a sequência da prova. Mas acreditamos e é a nossa fé que nos mantêm vivos. Para quem ainda espera pelo retorno do rei Sebastião, isso não é nada.  

Salvador: o gol de Varela mantém Portugal vivo (Martin Mejia/AP)

domingo, 22 de junho de 2014

O declínio do futebol “africano”?

Por Humberto Pereira da Silva*

Primeiro, o futebol praticado por seleções africanas. Nessa Copa, cinco representam o continente: Argélia, Camarões, Gana, Costa do Marfim e Nigéria. A primeira rodada não foi nada favorável a essas seleções. Já a segunda, mudou de figura. O continente corre o risco de ter até três seleções nas oitavas de final.

O futebol praticado do continente africano, com ocasionais participações em copas do mundo de África do Sul, Tunísia e Egito, é dominado por essas seleções. Mas quando se fala em futebol “africano”, inadvertidamente se toma o todo pela parte, como se a Nigéria, por exemplo, fosse o continente, não o contido.

Mas, então, por que declínio? E o que isso tem a ver com a relação entre o todo e a parte?Até a Copa de 1990, o futebol praticado fora da Europa e América do Sul, exceção a México, praticamente era ignorado, mera figuração. Justamente em 1990, na Itália, Camarões vendeu caro a eliminação nas quartas de final para a Inglaterra: perdeu de 3x2 na prorrogação.

Acreditou-se numa evolução do futebol praticado no continente. A Nigéria despontou em seguida, mas não foi mais longe que Camarões. E assim, em 2010, na primeira Copa disputada na África, Gana repetiu a situação de Camarões e foi eliminada nas quartas de final pelo Uruguai, nos pênaltis, num jogo para lá de dramático.

Ocorre que, passados vinte e quatro anos da Copa de 90, apesar de poder ter três seleções nas oitavas de final dessa Copa de 2014, poucos apostam que, agora, uma seleção “africana” finalmente chegará a uma semifinal. A evolução que muitos esperavam não ocorreu. Mesmo as que passem para a próxima fase, caso alguma se classifique, jogarão sob suspeita.

De fato, o futebol praticado por seleções africanas não vingou. Para isso, algumas... suspeitas. A primeira, e talvez mais notória, é aquela que decorre de se tomar o todo pela parte. Futebol “africano”? Ora, futebol camaronês, ou nigeriano, assim ficaria mais fácil.

Mas, o que é Camarões ou Nigéria num continente em que não há unidade de nação? Num continente cujas fronteiras dos países foram traçadas com régua pelas potências colonialistas europeias no século XIX?

Não há então, no mesmo sentido em que pensamos Itália e Alemanha, Camarões, Nigéria ou Gana e sim um punhado de jogadores talentosos que saíram desses países, foram para a Europa, onde se consagraram, e depois retornaram, se reuniram com outros que nasceram nas mesmas fronteiras para disputar uma Copa do Mundo.

Não há, portanto, declínio do futebol “africano”, simplesmente porque, apesar da crença numa evolução, nunca houve uma seleção, uma escola de futebol praticada num país africano. Questões de natureza extra-campo impedem que se forme uma escola, que o futebol praticado por seleções da África vá além do encontro de um punhado jogadores talentosos ao lado de semi-amadores.

É o que se vê em Gana, Costa do Marfim ou Nigéria. Talentos individuais dessas seleções, em razão de circunstâncias e situações improváveis numa Copa do Mundo, podem levar uma delas a uma semifinal; sendo mais otimista, a uma final. Mas isso não significa evolução ou declínio, pois não há no continente africano o sentido de nação que se forjou na Europa.

O futebol praticado por jogadores de qualquer país da África, para o imaginário ocidental, permanecerá sendo futebol “africano”. Mas um país, uma seleção desse continente que eventualmente chegue a uma semifinal de Copa do Mundo, pode deixar de existir de uma hora para outra.

Em 1974, na Copa da Alemanha, o Brasil venceu o Zaire por 3x0. O que era o Zaire, hoje é a República Democrática do Congo.

PS – No Oriente Médio não se pode falar em nação no mesmo sentido que na Europa. Mas também o futebol praticado no Oriente Médio não gerou expectativa de evolução como o praticado na África.

*Humberto Pereira da Silva, 50 anos, é professor 
universítário de Filosofia e Sociologia e crítico de
cultura de diversos órgãos de imprensa.