domingo, 21 de junho de 2015

Segue o enterro

Vivas ao Brasil! Classificado na Copa América! Bateu a Venezuela e se classificou em primeiro lugar no grupo. Missão cumprida! Mas e o futebol?

Que futebol? - eu pergunto. Até pouco tempo, a Seleção Brasileira era a mais admirada do mundo porque jogava um futebol alegre, vistoso. Havia beleza. Havia poesia. Havia brilho nos olhos e chuteiras menos coloridas. E cabelos menos feios. E menos agentes. E menos marketing. E menos medo.  

A vitória a todo custo. A qualquer preço, mesmo que este seja amputar a beleza que fez do Brasil o Brasil; que fez do Brasil o país do futebol, um sinônimo de futebol bem jogado, uma fonte de inspiração.


Não há brilho. Não há poesia. Não há futebol brasileiro. Não há nada. Mas sobra medo. O Brasil mordido de cobra joga com dois volantes absolutamente improdutivos, que não deram um mísero chute a gol contra o adversário mais medonho de todos, o saco de pancadas mais contumaz da Sul-América - como diria o lateral Daniel Alves.

A cereja do bolo foi acabar o jogo com quatro zagueiros. Sim, leitor, você leu isso mesmo: QUATRO ZAGUEIROS! Quatro beques para enfrentar a Venezuela, de quem o Brasil ganhava de cinco ou seis.

Com 2 a 0 no placar, Dunga, um mero rascunho de treinador, tirou os dois pares de pés criativos do time, Phillipe Coutinho e Robinho, manteve os ociosos volantes e terminou o jogo os 835 zagueiros, com medo da bola aérea venezuelana. E tomou gol. Tomou gol em rebote. Tomou gol em rebote com os quatro zagueiros na área.    

Nem o maior ufanista da literatura brasileira, Policarpo Quaresma, aprovaria essa "seleção". Se bem que Lima Barreto detestava futebol. Assim como a CBF. E segue o enterro.

quarta-feira, 17 de junho de 2015

Sobre a braçadeira

Antes do jogo em que a Colômbia de Pékerman deu um banho de bola no Brasil de ninguém, o volante Zito, capitão do grande Santos bicampeão mundial, foi homenageado. No banco, como técnico (ou algo parecido), estava o capitão do tetracampeonato mundial do Brasil, o Dunga, que, pela sua liderança, foi um dos mais simbólicos capitães que o Brasil já teve.
Dunga: liderança em duas Copas (foto: Placar)
O tempo passou; chegou a Copa do Mundo de 2014. O capitão do Brasil sofre uma crise de nervos e se recusa não só a bater um dos pênaltis na decisão das oitavas-de-final contra o poderosíssimo e tradicional Chile, como também ficou de costas para o gol.

Vem a Copa América, a primeira competição depois do vexame do mundial. Uma boa oportunidade para começar a apagar a péssima impressão deixada. Aí a braçadeira vai para o Neymar, um craque em formação. O único fora-de-série de uma geração desgraçadamente ruim. Na estreia, sozinho, vira o jogo contra o Peru.

E vem o segundo jogo, agora contra a forte Colômbia. E o Brasil perde. E não vê a bola. Mas o Neymar vê a bola. E chuta a bola nas costas de um colombiano que comemorava. E tinha cartão amarelo. E deu confusão. E foi expulso. E está fora do jogo decisivo contra a Venezuela que, se vencer o Peru, será líder isolada do grupo. Aí o incrédulo leitor pode falar: "Pô! É a Venezuela!" Sim, é a Venezuela, histórico saco de pancadas, mas que venceu a Colômbia na estreia. A mesma Colômbia que deu um baile no Brasil.

A braçadeira de capitão representa liderança, respeito e representatividade dentro do gramado. Na Holanda, para citar um exemplo, ela é dada sempre ao jogador mais velho do grupo. O jogador que a ostenta tem a possibilidade de entrar para a História por receber e, desde 1958, com Bellini, erguer o troféu de campeão. Uma honra, pois.

Robben recebe braçadeira de Van Persie. Idade determina o dono da
tarja na seleção holandesa (Foto: AP Photos/Michael Sohn)
No último amistoso antes da Copa América, o Brasil fez uma partida safada e foi vaiado pela torcida presente no Beira-Rio. Neymar, o capitão, sugeriu que os jogadores não cumprimentassem os torcedores, que pagaram 350 mangos para ver aquilo. "Mete o pé! Mete o pé!", disse a sair do gramado.

Pela destemperança, Neymar fica de fora do próximo jogo e também das quartas-de-final. Isso se o brasil se classificar. Sim, brasil, minúsculo mesmo. Como o futebol, ou algo parecido, que vem jogando.  

domingo, 14 de junho de 2015

Fado tropical


Após um ano do histórico 7 a 1, o Brasil volta a jogar uma competição oficial, a Copa América. Como na Copa-do-Mundo-que-não-foi-nossa, a Seleção estreou jogando mal e vencendo. Como na Copa-dos-dez-gols-sofridos-em-dois-jogos, o time foi Neymar e o resto.

Mas o que mudou? Fora a figura no banco, nada. Aliás, nem a mudança do comando técnico é uma mudança de verdade. Vemos um Dunga com a mesma visão de cinco anos atrás, quando conduziu um Brasil pragmático e pobre na África do Sul. A diferença de 2010 para cá é que o time tem um craque em fase exuberante.

Desde que o capitão do tetra voltou, são dez jogos e outras tantas vitórias, inclusive contra adversários fortes, mas o time não evoluiu nada e não há nada que nos mostre algo maior que a "Neymar-dependência" já vista em terras tupiniquins há menos de um ano. 

Chico Buarque adivinhou. Mal comparando, o Brasil é um imenso Portugal, com 20 vezes mais habitantes. Ou seja: a chance de ter um time melhor aqui é enorme, dado a oferta. São 20 Portugais, mas com um Cristiano Ronaldo só.

Ah, essa terra ainda vai cumprir seu ideal. Ainda vai tornar-se um imenso Portugal.

sábado, 6 de junho de 2015

Contrato de produtividade é oportunismo. Valdívia está certo em rejeitar

Por Fabio Venturini*

O contrato do camisa 10 palmeirense está acabando. Parte (grande) da torcida não quer a renovação, embora saiba que Valdívia é um talento diferenciado, com a desvantagem de estar pouco disponível por conta de lesões que o tiraram de mais da metade das partidas nos últimos anos.

A diretoria alviverde propõe um contrato de produtividade: o atleta recebe um “pequeno” valor fixo e, para ter o mesmo vencimento atual, precisa jogar cinco ou seis partidas por mês. A imprensa esportiva sentencia que a diretoria palmeirense está certa para proteger o clube. Valdívia não quer.

A despeito desse senso comum alienado, não há como interpretar tal proposta de forma diferente como oportunismo puro. Não se trata de defender o clube, mas de atacar um trabalhador.

Sim, um trabalhador. Se Valdívia não se empenha é uma questão moral. Na essência, o jogador é um assalariado que já tem parte de seus direitos sonegados por conta da figura dos “direitos de imagem”, um subterfúgio para não pagar impostos e direitos trabalhistas.

Quando o Palmeiras tenta vincular a remuneração às entradas em campo exclui do pacote as obrigações de participar dos treinos, estudar adversários, concentrações, preparação física para evitar lesões etc. Tudo isso é trabalho que tem como ponto visível os 90 minutos da partida de quarta ou domingo (tratando-se de Palmeiras, não raro terças e sextas). O clube, não coincidentemente presidido por um banqueiro, classe que não tem lá muito zelo pelo bem estar do trabalhador, quer se aproveitar de uma situação para sugar trabalho não remunerado até a última gota.

Paulo Nobre (dir) com Alexandre Mattos. Presidente do Palmeiras instituiu a
 figura do contrato e produtividade no alviverde (Cesar Grecco/ Divulgação) 
Ah, mas ele machuca muito, não dá para pagar 500 paus para não jogar.

Então estamos com seríssimos problemas de ordem moral.

1) Tratar da saúde com vistas a atuar por um clube de futebol é trabalho. Se Valdívia não gosta de jogar futebol, presume-se que, em outra profissão, não faria os treinos específicos para ser meia do Palmeiras. Logo, quem compra sua força de trabalho, se não quer pagar por toda essa força, apenas por parte dela, está sendo oportunista, quando não desonesto;

Meia sofre lesão. Acidente de trabalho que deixaria o trabalhador sem rendimentos (AE)
2) Se as contusões são fingidas, o trabalhador não é confiável, é desonesto na relação comercial em que a entrega do trabalho é um cânone na moral burguesa. O mais correto a ser feito pelo empregador seria abrir mão de um novo contrato. A produtividade, neste caso hipotético, é, portanto, uma falta de respeito com o dinheiro da instituição administrada por esta diretoria;

3) Se o jogador machuca muito porque seu corpo não é capaz de atuar profissionalmente, a diretoria palmeirense, dentro da moral burguesa que defende diuturnamente na sua presidência banqueira, está I) sendo pouco zelosa com o dinheiro do clube contratando alguém que não poderá dar retorno e II) aproveitando-se de uma fragilidade da saúde de uma pessoa. Se ficar doente, Valdívia não recebe para se tratar e voltar a atuar. Se quiser o mesmo salário precisará jogar mais do que seu corpo aguenta e fatalmente se lesionará, ficando fora, sem receber salários. Se for bem e participar dos jogos da seleção chilena, não recebe, ou seja, a valorização do seu trabalho é sua ruína financeira. Neste caso, a diretoria palmeirense é oportunista e desumana.

Valdívia com o Chile na Copa de 2010. "Castigo" pelo bom desempenho (AP) 
A crônica esportiva apoia como o exemplo mais bem acabado da alienação. Muitos com contratos semelhantes de personalidade jurídica como se os problemas do mundo fossem culpa do trabalhador. Sua formação política chega próximo da estupidez ao defender a arma com a qual é ferida.


Valdívia está certo. Não deve aceitar este tipo de contrato. E não é algo apenas para o bem dele, mas de todos os jogadores no Brasil. E não devemos achar que essa proposta é algo normal.

*Fabio Venturini é jornalista