sábado, 6 de junho de 2015

Contrato de produtividade é oportunismo. Valdívia está certo em rejeitar

Por Fabio Venturini*

O contrato do camisa 10 palmeirense está acabando. Parte (grande) da torcida não quer a renovação, embora saiba que Valdívia é um talento diferenciado, com a desvantagem de estar pouco disponível por conta de lesões que o tiraram de mais da metade das partidas nos últimos anos.

A diretoria alviverde propõe um contrato de produtividade: o atleta recebe um “pequeno” valor fixo e, para ter o mesmo vencimento atual, precisa jogar cinco ou seis partidas por mês. A imprensa esportiva sentencia que a diretoria palmeirense está certa para proteger o clube. Valdívia não quer.

A despeito desse senso comum alienado, não há como interpretar tal proposta de forma diferente como oportunismo puro. Não se trata de defender o clube, mas de atacar um trabalhador.

Sim, um trabalhador. Se Valdívia não se empenha é uma questão moral. Na essência, o jogador é um assalariado que já tem parte de seus direitos sonegados por conta da figura dos “direitos de imagem”, um subterfúgio para não pagar impostos e direitos trabalhistas.

Quando o Palmeiras tenta vincular a remuneração às entradas em campo exclui do pacote as obrigações de participar dos treinos, estudar adversários, concentrações, preparação física para evitar lesões etc. Tudo isso é trabalho que tem como ponto visível os 90 minutos da partida de quarta ou domingo (tratando-se de Palmeiras, não raro terças e sextas). O clube, não coincidentemente presidido por um banqueiro, classe que não tem lá muito zelo pelo bem estar do trabalhador, quer se aproveitar de uma situação para sugar trabalho não remunerado até a última gota.

Paulo Nobre (dir) com Alexandre Mattos. Presidente do Palmeiras instituiu a
 figura do contrato e produtividade no alviverde (Cesar Grecco/ Divulgação) 
Ah, mas ele machuca muito, não dá para pagar 500 paus para não jogar.

Então estamos com seríssimos problemas de ordem moral.

1) Tratar da saúde com vistas a atuar por um clube de futebol é trabalho. Se Valdívia não gosta de jogar futebol, presume-se que, em outra profissão, não faria os treinos específicos para ser meia do Palmeiras. Logo, quem compra sua força de trabalho, se não quer pagar por toda essa força, apenas por parte dela, está sendo oportunista, quando não desonesto;

Meia sofre lesão. Acidente de trabalho que deixaria o trabalhador sem rendimentos (AE)
2) Se as contusões são fingidas, o trabalhador não é confiável, é desonesto na relação comercial em que a entrega do trabalho é um cânone na moral burguesa. O mais correto a ser feito pelo empregador seria abrir mão de um novo contrato. A produtividade, neste caso hipotético, é, portanto, uma falta de respeito com o dinheiro da instituição administrada por esta diretoria;

3) Se o jogador machuca muito porque seu corpo não é capaz de atuar profissionalmente, a diretoria palmeirense, dentro da moral burguesa que defende diuturnamente na sua presidência banqueira, está I) sendo pouco zelosa com o dinheiro do clube contratando alguém que não poderá dar retorno e II) aproveitando-se de uma fragilidade da saúde de uma pessoa. Se ficar doente, Valdívia não recebe para se tratar e voltar a atuar. Se quiser o mesmo salário precisará jogar mais do que seu corpo aguenta e fatalmente se lesionará, ficando fora, sem receber salários. Se for bem e participar dos jogos da seleção chilena, não recebe, ou seja, a valorização do seu trabalho é sua ruína financeira. Neste caso, a diretoria palmeirense é oportunista e desumana.

Valdívia com o Chile na Copa de 2010. "Castigo" pelo bom desempenho (AP) 
A crônica esportiva apoia como o exemplo mais bem acabado da alienação. Muitos com contratos semelhantes de personalidade jurídica como se os problemas do mundo fossem culpa do trabalhador. Sua formação política chega próximo da estupidez ao defender a arma com a qual é ferida.


Valdívia está certo. Não deve aceitar este tipo de contrato. E não é algo apenas para o bem dele, mas de todos os jogadores no Brasil. E não devemos achar que essa proposta é algo normal.

*Fabio Venturini é jornalista

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