quinta-feira, 31 de outubro de 2024

Pílulas amadoras - 22

*Por Humberto Pereira da Silva

¡JUNTOS! Vinicius Jr publicou em sua conta no X
uma foto de todo o elenco madridista.

Sobre o boicote do Real Madrid à cerimônia de premiação da Bola de Ouro, ouvi comentários condenando a decisão do Real, que os merengues se apequenaram, fizeram birra, foram maus perdedores, desrespeitaram o Rodri, que ao cabo ficou com a honraria de melhor jogador do planeta.

No mundo de liberdade de expressão, é ótimo ver que todos expressem opinião. E a decisão do Real, é inevitável, se presta às mais diversas opiniões. Vai a minha, portanto: considerando a maneira como as coisas ocorreram - havia um avião pronto para levar a trupe para Paris e a viagem foi cancelada de última hora - há algo nos bastidores que jamais se revelará e que levou à decisão tão extrema. A decisão poderia ter uma discussão séria e inteligente, mas ficou, até onde vi, na superfície das condenações. "Um papelão, o Real se apequenou...'

Pensemos e extraiamos implicações. Até a divulgação oficial ninguém sabia que Rodri seria eleito o Bola de Ouro. Ninguém. Mas Vini Jr.  era "favorito". As palavras traem. Como favorito numa escolha que envolve votos um a um? A palavra favorito para mim cabe quando no auge da forma se põe Usain Bolt numa disputa. Ninguém vota em quem vai ganhar. O favoristismo de Bolt não tem nada de subjetivo. 

Quando a delegação do Real cancelou voo a Paris na manhã da entrega do prêmio da France Football, Vini Jr deixou de ser "favorito" e o favoritismo ficou com Rodri. Ninguém sabia, até então, quem seria o vencedor e o Real boicotou sem saber que nenhum de seus jogadores, três, além de Vini Jr, Belligham e Carnaval, seriam escolhidos. 

Pois é. O Real não foi a Paris e o então "favorito" Rodri confirmou o favoritismo. Não há charme, birra, nem meros rumores plantados pela imprensa. Antes do anúncio, o Real sabia que Vini Jr não seria eleito.  Mas como o Real, para tomar decisão radical, teve a certeza do que só se saberia no anúncio oficial?

Pois é, com uma certeza assim não é preciso ser vidente para se extrair outra certeza: até a noite anterior o Real sabia que Vini Jr seria escolhido. Tanto que teria reservado, segundo o que chegou da Espanha, voo e hotel para cerca de 50 pessoas. O que a decisão do Real revela é o teatro, o fingimento de que não se sabe o que se sabe. O Real não poderia saber que o Rodri seria eleito. Boicotou porque "vazou"... não! Boicotou porque "vazou" que o Vini Jr seria eleito. 

Foi extrema a decisão. Mas ela trouxe elementos que poderiam ser pensados em eventos em que o público é tratado como idiota. Eis minha modesta opinião. Movimento nos bastidores e Rodri foi escolhido. E não mera soma com critérios amplamente divulgados e objetivos? Então como se daria o que se deu? Por que Vini Jr perdeu? Pois é.  Nunca saberemos. Mas só sendo idiota para supor que o Real tomaria a decisão que tomou ignorando os bastidores da escolha. 

Ou seja, para o público, o poderoso Real e o jogo das manipulações nos bastidores, no submundo das manipulações de bastidores, não teve força e foi traído.

Um bom roteiro para um filme de máfia, ou de espionagem. Coppola para mim é o emblema com seu O Poderoso Chefão. Noves fora, fica pros incautos fazer piadas, memes e emitir opiniões pueris tipo o Real se apequenou.

*Humberto Pereira da Silva é professor de Ética em Jornalismo

quarta-feira, 11 de setembro de 2024

SELEÇÃO BRASILEIRA - Exclusão e desconexão: o aumento da desigualdade no acesso ao futebol brasileiro e o enfraquecimento do vínculo seleção/torcedor

PELE CLARA O perfil do torcedor presente nos jogos do
Brasil (Marcello Casal Jr./Agência Brasil)  


Não bastasse o baixo nível apresentado em campo, ver a Seleção Brasileira na cancha é um privilégio para poucos, algo proibitivo para a imensa maioria das população brasileira. Em 2021, quando fiz um levantamento para o Ludopédio sobre o custo para ver jogos de Brasil e Portugal nas Eliminatórias para a Copa de 2022, a diferença entre o que era cobrado nos dois países já era grande. Três anos depois, porém, o fosso aumentou.

Para comparar, à época, peguei jogos com o mesmo peso (Brasil x Uruguai e Portugal x Sérvia) e condição: um assalariado que recebia o salário mínimo vigente, desconsiderando os descontos. Resumindo, em 2021, o trabalhador brasileiro que recebia R$ 1.100  teria que pegar no batente por 50 horas para comprar a entrada mais barata, vendida a R$ 250,00 (desconsiderando o benefício da meia-entrada); o português, por sua vez com vencimentos em €665, trabalharia por 3h06min para receber o montante necessário para comprar o ingresso, que custava € 10.

Em 2024, a coisa piorou: com o ingresso mais barato tendo um reajuste de 60% e custando 400 pilas para ver Brasil x Equador no Couto Pereira, quem recebe o salário mínimo (R$ 1.412,00 para uma carga mensal de 220 horas) teve que trabalhar por 62h24min. Portugal x Croácia, no estádio da Luz, custou o equivalente a 2h44min a um gajo nas mesmas condições (€ 820 por 200 horas trabalhadas, segundo a legislação trabalhista portuguesa). Se optasse pela entrada mais cara, o custo seria 50% maior. Ou seja, no Brasil, 93h36min; em Portugal, 4h06min. 

Em termos percentuais, o português comprometeu 1,53% dos seus vencimentos em 2021 e, pasmem, 1,22% três anos depois, já que não houve reajuste no preço das entradas face ao aumento no salário; o brasileiro, esse trouxa, teria amarrado 22,72% há três anos. Agora? 28,3%. Isso se pensarmos no preço "popular". Obviamente, quem recebe um salário mínimo sequer chegou perto da entrada do estádio Couto Pereira.

Pensando ainda no futebol português, jogos de clubes são bem mais caros. Um jogo do FC Porto pela Liga sai, no mínimo, a € 28 euros para não sócios. Do Sporting, pela Liga dos Campeões, o tíquete mais baixo sai por €31, praticamente o mesmo para ver um jogo do Benfica pela Liga, isso sem considerar os planos de sócio-torcedor que os clubes mantêm.  

No entanto, diferentemente dos clubes, as confederações nacionais não têm que pagar por multas de quebras de contratos para contar com jogadores. Basta que eles sejam elegíveis para vestirem suas camisas. A CBF, por exemplo, bateu seu recorde de faturamento em 2023, com R$ 1,17 bilhão em receitas e superávit de R$ 238 milhões graças aos ganhos com repasses de direitos de transmissão e comerciais. Nas bilheterias, houve uma queda no faturamento que, somado às premiações das seleções, caiu de R$ 103,7 milhões para R$ 45,8 milhões, o que mostra que não precisa lubrificar as engrenagens da sua máquina com o dinheiro de quem paga os ingressos para ver os jogos da Seleção. 

É óbvio que o futebol abaixo da crítica afasta os torcedores, sobretudo os que têm um comportamento de consumidor, que é o perfil mais comum atualmente em eventos mais caros, mas não é só isso. Existem estudos, como este, este e este, que relacionam o torcer com o sentimento de pertencimento, que é negado a quem não é bem-vindo nos estádios, locais repletos de simbolismo e de sedimentação. 

Um dos livros mais cultuados sobre o assunto é Febre de Bola, do inglês Nick Hornby, fanático pelo Arsenal, mas que forjou seu amor nas arquibancadas, sejam do antigo e histórico Highbury ou em pelejas fora de casa. Esta obra ensejou estudos como este, que classificam o estádio como "espaço autobiográfico". Afastado dos locais de convívio, o laço afetivo é rompido e corre-se o risco de ver novos torcedores se afeiçoarem por camisas vestidas por seus ídolos, cada vez mais afastados das figuras dos clubes - e seleções nacionais, por conseguinte - ainda mais em tempos em que jogos de todas as equipes estão a um click de distância, como mostra a pesquisa CNN/Itatiaia/Quaest, divulgada em 2023, apontando que quase metade dos entrevistados entre 16 e 30 anos torcem também por clubes do exterior.

Ao cabo, é o dinheiro que cria as conexões, que duram até que outros dinheiros as quebrem e novas conexões sejam feitas. Por ser um país onde culturas se sobrepõem a outras mesmo regionalmente, é comum torcedores que vestem a camisa de clubes de outros estados, fenômeno que explica a força do futebol carioca nas regiões norte e nordeste do Brasil desde a Era Vargas. Neste sentido, não é pelo clube da cidade ou do bairro que se torce, como é comum acontecer em lugares como Buenos Aires e Londres, e que de certa forma é explicado no À Sombra de Gigantes - uma viagem ao coração das mais famosas pequenas torcidas do futebol europeu, do jornalista Leandro Vignolli.

Neste sentido, o futebol varzeano está imune porque é o lugar que conecta  pessoas a lugares, independentemente de conquistas ou poder de mercado e é exatamente esse "fazer parte", como mostra o jornalista Leandro Marçal, que une comunidades em torno de equipes de futebol amador.

Ao cabo, como animal social, o homem busca conexões, mas não fica onde não se sentir bem-vindo. 

terça-feira, 10 de setembro de 2024

PORTUGAL - Renovar ou garantir, mas e o futuro?

DUPLA INFERNAL Félix e Cristiano estiveram em grande (Profimedia)

A versão portuguesa pré-competições voltou a dar as caras em Lisboa, para os dois primeiros jogos da Liga da Nações. E nem parecia aquele time sonolento e previsível que conseguiu ficar três jogos sem ir às redes, com as poderosas Geórgia e Eslovênia a anteceder a França, quando finalmente os de Martinez deram luta e justificaram a fama. 

Se por um lado haverá quem diga que já viu este filme antes, com as 10 vitórias em outros tantos jogos na fase de classificação ao Euro, por outro, o nível dos adversários é melhor que as peras doces à catrefada que o sorteio indicara. 

Ao que tudo indica, tendo tido três oponentes relativamente acessíveis - Croácia, Escócia e Polônia -, o maior desafio ao selecionador será arrumar formas de testar soluções além das que já conhecia. Das novidades em relação aos 26 que estiveram na competição vencida há quase dois meses pela Espanha, Rui Silva, Pedro Gonçalves e Francisco Trincão retornaram ao lote de convocados, mas Tiago Santos (defesa direito do Lille), Renato Veiga (que joga a central e defesa esquerdo no Chelsea) e Geovany Quenda (extremo/avançado do Sporting) foram chamados pela primeira vez para a seleção principal.

Destes, apenas Pote teve direito a minutos - um, para ser exato - no jogo com a Croácia. A ideia, portanto, seria dar tempo de jogo aos novos internacionais, mas a dureza dos jogos impediu, segundo o mister, que experiências fossem realizadas, já que é importante garantir o apuramento aos quartos da competição para garantir, sem depender do posicionamento no ranking de seleções, uma vaga como cabeça de chave de um dos 12 grupos das eliminatórias da Copa do Mundo.

Este ponto faz levantar algumas questões? Com um lote alargado a 35 jogadores, por que Roberto Martinez confia nos mesmos? Trincão e Pote, que já mereceram um lugar na comitiva que foi ao Euro, não têm tido nível para as primeiras jornadas da Liga das Nações? Nem falo de Quenda, cuja expectativa era que pudesse derrubar a marca de mais jovem de sempre a defender as Quinas, honraria que pertence desde 1983, portanto há 40 anos, a Paulo Futre, mas seria bom ter um leque mais amplo.
 
Em campo, porém, alguns dos erros vistos na Alemanha não se repetiram, como a demora a reagir em condições adversas que fizeram com que resultados, como a vitória sobre a Chéquia, fosse arrancada a ferros. Nestes dois jogos que marcam o início do novo ciclo, Portugal fez um primeiro tempo de excelência com os croatas, que deverão ser, ao cabo, com quem discutirá a primeira colocação da chave. As dificuldades vistas nesta partida estão mais relacionadas às qualidades dos axadrezados que a alguma quebra de rendimento da turma lusitana.

O segundo jogo teve drama, reviravolta no fim e bons indicadores, embora fragilidades defensivas ainda sejam marca de Portugal, que terá que aprender a andar sem Pepe e procura seu substituto - por ora, Gonçalo Inácio parece estar à frente de António Silva, que tem demonstrado alguma insegurança "trazida", afinal, do mesmo estádio da Luz, e que será missão de Bruno Lage resolver neste retorno ao Benfica.

Sem Vitinha, em grande na estreia, dispensado por lesão, coube a João Palhinha ser o amálgama entre os setores, tendo recuado Bernardo Silva para auxiliá-lo na função. Na frente, Cristiano Ronaldo ficou no banco e Diogo Jota foi o jogador mais adiantado, ladeado por Rafael Leão e Pedro Neto, com Nelson Semedo a dar largura, ocupando a vaga que foi do mais acutilante Diogo Dalot. Como o gol escocês saiu muito cedo, o jogo acabou condicionado e os britânicos atuaram em bloco mais baixo ainda. Martinez recorreu no intervalo a um passador melhor - Ruben Neves - para render o mais garantidor de posse Palhinha e a produção ofensiva resultou no golo de empate, em chute longo do aniversariante Bruno Fernandes.

Steve Clark respondeu adiantando a marcação e, com maior imposição física, a Escócia cresceu na partida e teve uma mão cheia de jogadas perigosas e maior domínio territorial, o que só acabou quando João Neves, o pequeno gladiador do meio-de-campo português, foi lançado para o lugar de Bernardo Silva, muitos furos abaixo do habitual, e João Félix rendeu Rafael Leão para ter mais jogo pelo meio e mais espaço para Nuno Mendes fazer o que faz de melhor, que é atacar e aterrorizar defesas contrárias. A partir daí, o que se seguiu foi uma blitz que só não deu em gol antes porque o goleiro Gunn e os postes resolveram contrariar.

Já perto do fim, Cristiano iniciou a contagem regressiva para o milésimo golo. Ele, que tinha feito gosto ao pé no seu tento 900 frente aos croatas, repetiu a dose a dois minutos do fim ao completar, como no jogo anterior, um passe teleguiado de Nuno Mendes para definir, como de costume, a vitória portuguesa nesta, na prática, eliminatória para definir os oito que avançarão na disputa pelo título. Sem dramas ao ficar como suplente, Cristiano parece ter entendido, depois da malograda prestação no Euro, sua importância mesmo fora do onze inicial.

A ver se será assim nos jogos a doer mais à frente, como também fica no ar a utilização de mais jogadores que os habituais. Não que isso garanta alguma coisa, porque nada garante, mas afasta a frustração de ver bons jogos somente contra grandes seleções, invariavelmente nas partidas que marcam as eliminações. 

    

segunda-feira, 9 de setembro de 2024

Pílulas amadoras - 21

 * Por Humberto Pereira da Silva

Cr7 e a inalcançável régua real (Fabrice Coffrini/Getty)

Cristiano Ronaldo chegou, contra a Croácia, aos 900 goles. É o primeiro jogador de futebol a alcançar, oficialmente, essa marca. Claro, "todos" sabem que Pelé fez mais de 1200 goles. E não muitos, que o austríaco Josef Bican teria feito em torno de 1800 goles entre os anos 20 e 50 do século passado. 

Números são números, pois não. Mas neles, além da frieza, não se deve ignorar o simbolismo. O mito do milésimo gole de Pelé simboliza um dos feitos do Rei. O que, justamente, oferece ponto de partida para qualquer feito posterior. 

Ao milésimo gole agregam-se três Copas do mundo, 58 goles numa edição do Campeonato Paulista (aos 17 anos), parar uma guerra..., que fazem de Pelé o maior mito da história do futebol. 

O feito de Cristiano Ronaldo, assim, ganha enorme poder simbólico porque tem como ponto de partida para que se ponha a régua à marca Pelé. Agora, entre a frieza dos números e o simbolismo, o futebol também é feito de circunstâncias e circunstâncias de momento. 

Na conta dos quase 1300 goles do Rei, mais de 500 ajustados em jogos que causam constrangimento saber precisariam ser contados. Na frieza dos números, o mito Pelé, para ser Pelé, não precisa do registro de goles na Seleção do Exército (10 em 14 jogos), tampouco de goles contra equipas "amadoras" nas inúmeras excursões do Santos nos anos 60 para exibir a Majestade. 

Certo. Nas circunstâncias e circunstâncias do futebol, o feito dos 900 goles de Cristiano Ronaldo se deve a um oportuno final de carreira no futebol árabe. Sua última passagem pelo Manchester United mostra que ele não atingiria essa marca no futebol europeu. Igualmente, Pelé não teria chegado a essa marca sem as convenientes contas para se ensaiar contra o Vasco da Gama o dia do mítico milésimo gole. 

Aí, me faz questão de lembrar o editor deste blog, há o "problema" de ignorar goles marcados em partidas amistosas, mas contra grandes equipas do futebol mundial: nestas excursões para fazer um pé de meia que pudesse, além de preencher o calendário, pagar as contas - e manter o próprio Rei -, perdem-se tentos marcados contra Internazionale (8)Barcelona (4), Benfica (4), Juventus (2) e Real Madrid (1), esquadrões repletos de craques e donos de troféus internacionais. Pela América do Sul, 22 goles divididos entre River Plate (7), Boca Juniors (5), Racing (4), Independiente (2), Millonarios-COL (2) e Nacional-URU (2) viram fumaça. 

Isso se não contarmos os grandes brasileiros: Atlético Mineiro (5), Cruzeiro (4), Bahia (2), Botafogo (2), Palmeiras (2), Corinthians (1), Flamengo (1), Grêmio (1) e Portuguesa (1). Eibares, Numancias, Al Qualquer Coisa e quetais, para ficar em termos do editor, não oferecem um átimo das dificuldades impostas pelos times citados neste parágrafo.

Ontem, Cristiano saiu do banco para desenroscar um jogo que exigiu a persistência lusitana até praticamente o último minuto para superar o ferrolho escocês. O gole da vitória do Tugas foi marcado aos 43 minutos do segundo tempo por ele, que já havia atirado duas vezes ao ferro, iniciando a contagem regressiva para o tal milésimo, que deve, se acontecer, sair quando a Terra de Cristiano estiver na 43ª volta em torno do Sol, justamente a idade em que Josef Bican deu seus últimos pontapés. 

A título de comparação, o milésimo do Rei foi marcado aos 29 anos. Dito isso, o que resta? Números são... não mais que... números. Por isso, fico com Fernando Pessoa, para ter a dimensão do feito de CR7: "O mito é o nada que é tudo", primeiro verso do poema "Ulisses".

*Humberto Pereira da Silva é professor de Ética em Jornalismo

quarta-feira, 4 de setembro de 2024

BENFICA - Procura-se um líder. Tratar no Estádio da Luz



Rui Costa é, inegavelmente, um dos grandes nomes da história do futebol português. Iniciado no Benfica, onde deu seus primeiros e últimos pontapés, foi um dos nomes mais sonantes da chamada "Geração de Ouro", que conquistou o bicampeonato mundial de juniores nos anos de 1989 e 1991, este com aquele que seria apelidado de "O Maestro" em campo e a converter o último pontapé de pênalti na decisão contra o Brasil, na casa que conhecia bem, embora tenha feito a prova como atleta emprestado ao Fafe. Depois, brilhou pela equipa principal, resistiu ao assédio de Sousa Cintra quando o Sporting quis se aproveitar de uma fase de dificuldades financeiras do rival da Segunda Circular para levar alguns dos principais nomes benfiquistas - ao cabo, somente Paulo Sousa e Pacheco foram aliciados, tendo João Vieira Pinto voltado atrás - e, a contragosto, rumou ao fim da época para a Itália, onde defendeu Fiorentina e Milan antes de voltar para se retirar em casa. Ficou famoso o choro do meia quando marcou ao seu clube do coração em uma partida de pré-temporada pela Viola. À mistura, uma caminhada muito respeitável a vestir a camisola das Quinas em três Europeus e uma Copa do Mundo.

Um ídolo indiscutível, pois. 


Rui Manuel César Costa tem sido, inegavelmente, um dos dirigente de pulso mais molenga da história do futebol português. Tendo se tornado presidente "sem querer" em julho de 2021, quando foi alçado ao cargo após a renúncia ao cargo de um Luiz Filipe Vieira afundado em denúncias de corrupção numa altura em que era presidente da SAD e vice do Sport Lisboa e Benfica, Rui Manuel César Costa foi eleito três meses depois, e com 80% dos cerca de 40 mil votos. Era o casamento perfeito: o líder de dentro do relvado levando para o gabinete uma lufada de ar fresco em lugar das práticas que cheiravam a mofo - e a coisa pior.

"Mar calmo não faz bom marinheiro", diz o adágio. Tampouco faz bom presidente. O ídolo de dentro do relvado tem colecionado decisões ruins, como o prolongamento de contrato do técnico Roger Schmidt sem estar nas melhores condições para tomar uma decisão desta importância. Afinal, fazê-lo quando estava deslumbrado pelo futebol apresentado nos primeiros nove meses da primeira época, como o próprio assumiu quando anunciou o desligamento tardio do treinador, não é algo que se espere de um presidente de uma instituição como o Benfica.

Demitir o treinador, a quem confiou a montagem do elenco e a preparação que antecedeu uma das épocas mais importantes da história do clube, com a nova Champions e o Mundial de Clubes no horizonte, pode até indicar que tentou-se corrigir a tempo estes erros - ou tem outro nome manter um profissional que se mostrou incapaz de alterar a forma de jogar, ou mesmo perceber quando as coisas iam mal, preferindo duvidar da percepção da bancada a assumir que era preciso mais? -, mas tomar a atitude a dois dias do fechamento do mercado não é o que se espera de quem já anda nisso há tanto tempo.

Isso sem contar a incrível insatisfação de jogadores que preferem deixar o clube a lutar por um lugar. Manter Di María, tapando David Neres; deixar sair João Mário, mesmo este não fazendo lá muito esforço para contrariar as vaias de quem, justa ou injustamente, tem direito ao recurso do apupo, são outros sinais de que falta quem tenha força e moral para impedir episódios assim. A propósito, não fazia sentido algum esticar a segunda passagem do craque argentino, por mais identificado que ele seja com o clube e com os adeptos. Esta é uma das decisões que foram tomadas com o coração.

Foi difícil para mim escrever este texto, com críticas contundentes ao meu maior ídolo no futebol. Mas é preciso separar Rui Costa, o Maestro, do Rui Manuel César Costa, o dirigente. Espero que ele possa fazer o mesmo da agora em diante.

sexta-feira, 30 de agosto de 2024

PORTUGAL - Novo ciclo, discurso antigo

QUEM DISSE? Ideias e práticas não têm andado juntas (Reuters)

Passados dois meses da decepcionante participação no Euro 24, o selecionador Roberto Martinez anunciou a convocatória para a jornada dupla pela Liga da Nações. Com alterações, ausências e novidades, saltam aos olhos dois que lá não estão se tivermos como parâmetro o discurso anterior à malograda competição de seleções: Toti Gomes e Ricardo Horta.

O defensor do Wolverhampton, que esteve em bom plano em alguns jogos durante a preparação, era, segundo palavras do treinador, o sexto na hierarquia de centrais (foram cinco os chamados para o torneio na Alemanha), logo, o primeiro na fila para a sucessão de Pepe, que se retirou. Já o jogador do Braga foi o único a merecer um telefonema do próprio Martinez para justificar sua ausência. Era, portanto, expectável que eles estivessem na calha para o início do novo ciclo, a exemplo dos sportinguistas Francisco Trincão e Pedro Gonçalves, o popular Pote, que só não estiveram entre os 26 da lista final porque se lesionaram e perderam o penúltimo estágio antes da definição dos que foram tentar o troféu conquistado em 2016.

É notável como as ideias do mister mudam ao sabor dos ventos. Samuel Soares, João Mario, Diogo Leite, Jota Silva e Bruma estiveram na lista de março e, segundo Martinez, era seguro que estariam no início do ciclo para o Mundial.

Estreando, temos as surpresas Renato Veiga (Chelsea), Tiago Santos (Lille), há muito reclamando um lugar, e a maior delas, o leonino Giovany Quenda, além do retorno do goleiro Rui Silva (Bétis). Por outro lado, saltaram da lista Pepe (aposentado), Gonçalo Ramos (lesionado e fora de ação por pelo menos quatro meses), Danilo, João Cancelo, Matheus Nunes, Francisco Conceição e Rui Patrício. Segundo Martinez, os que não tiveram minutos na pré-época por estarem em negociações para trocar de time não estariam no primeiro lote, como é o caso de Cancelo, Chico Conceição, Rui Patricio e Danilo. João Félix, que trocou o Atlético de Madrid pelo Chelsea, participou da pré-temporada colchonera, e em bom plano - até estreou com gol no retorno aos azuis -, por isso está lá.

Matheus Nunes, por sua vez, que só apanhou o comboio para a Alemanha já andando para substituir o machucado Otávio (que segue de fora pelo mesmo motivo), parece não gozar do prestígio do selecionador e parte em desvantagem justamente numa posição em que talentos não faltam, visto que Florentino (Benfica), Daniel Bragança (Sporting) e Tomás Händel (Vitória SC) reúnem argumentos para as próximas chamadas. Até Renato Sanches, se estiver em forma, conta com mais simpatia da parte do careca espanhol.

Portugal enfrentará a Croácia na próxima quinta-feira (5) e a Escócia no domingo seguinte (8), pelas rodadas iniciais do Grupo 1 da Liga das Nações A, com ambos os jogos no Estádio da Luz. A Polônia completa a chave.

quarta-feira, 28 de agosto de 2024

Pílulas amadoras - 20

Por Humberto Pereira da Silva


A imprensa, com um bocadinho de atenção, podia ter percebido na fala desbocada do Abel sobre as mulheres algo além do clichê machismo. Há uma zona de atrito bem visual entre ele e QUALQUER COISA externa ao Palmeiras. Abel é inteligente, muito bem ligado, falou sabendo que causaria repercussão para esconder alguma coisa que não está bem. Basta o ABC da filosofia da linguagem: perguntado se gosta de bolo, ele ficou irritado e respondeu que o inverno na Patagônia é rigoroso...

Palmeiras teve sorte. Agora caminho livre pro TRI noBbrasileiro. 

Fla enroscadíssimo em três disputas e ainda tendo que lidar com o fogo amigo da imprensa flamenguista que, para mim, calculadamente e com os olhos voltados ao próprio umbigo, boicota uma diretoria, contaminando o ambiente.

Fogão???? Sinceramente, com a eliminação do Palmeiras na Libertadores, abriu-se o caminho para o Tri Verdão no Brasileiro. Fogão na Libertadores??? Nunca cri. Bem, mas o Flu levou ano passado... O mundo do futebol é bem estranho... Tenho para mim, na Libertadores, como concorrente o peso da camisa do São Paulo.

*Humberto Pereira da Silva é professor de Ética em Jornalismo

sexta-feira, 9 de agosto de 2024

Pílulas amadoras - 19

*Por Humberto Pereira da Silva

VITÓRIA DE PIRRO? Pedro comemora classificação após
duelo com o Palmeiras (Gilvan de Souza/Flamengo)

Para quem acompanha o futebol brasileiro, o planejamento das grandes equipes deixa a impressão de que onde se movimenta tanto dinheiro, decisões são tomadas no calor da hora. A parte submersa do iceberg é invisível. Refiro-me aqui a Palmeiras e Flamengo, que têm polarizado disputas e atenções na linha de frente das competições que participam. 

Para eles, qual a importância da Copa do Brasil? E, com a importância que tiver, as do Brasileiro e Libertadores?

A torcida, e a imprensa reverberando a torcida, congelam o momento. Não há antes nem depois. O que importa é ganhar. Mas, planeja-se para saber onde se quer chegar, óbvio. 

E inimaginável na realidade do futebol brasileiro disputar Copa do Brasil, Brasileiro e Libertadores com a mesma intensidade, pra ficar no clichê. Como a Copa do Brasil é disputada em mata-mata, se em um planejamento ela não é alvo, cair fora o quanto antes é "ganhar". Na porção inviável de decisões que parecem aleatórias, não tendo sido calculada, a derrota do Palmeiras para o Flamengo foi vitoriosa.

Stricto sensu, ao vencer a Copa do Brasil, a equipe o que o fizer garantirá uma vaga na Libertadores da temporada seguida. Não é razoável imaginar que tanto Palmeiras quanto Flamengo estarão entre os qualificados pelo certame nacional após 38 rodadas.

O Flamengo, vencedor, agora está enroscado em três competições, com torcida e imprensa nos calcanhares. O Palmeiras, perdedor, teria num planejamento o Tri Brasileiro por alvo? A Libertadores é pedra no meio do caminho, com torcedores e imprensa no encalço. 

Enquanto isso, o Botafogo, também eliminado na Copa do Brasil, tem pela frente só o Brasileiro. Sim, o Fogão vai se deixar seduzir pela conquista da Libertadores, com torcida e imprensa a cobrar uma resposta à altura depois da queda de rendimento mal ainda mal digerida de 2023?

Na Libertadores, quis o destino, Palmeiras e Botafogo vão se encontrar.  Capricho do destino e, sem que se veja planejamento, eis a sorte do Flamengo no Brasileiro... supondo que o Flamengo tenha a sorte, claro, de cair no próximo mata-mata da Copa do Brasil.

*Humberto Pereira da Silva é professor de Ética em Jornalismo


sexta-feira, 12 de julho de 2024

PORTUGAL - Qual é o preço da gratidão?

RESPECT Cristiano deveria ser o primeiro a proteger o seu legado
(Robbie Jay Barratt - AMA/Getty Images)

As contas são simples: antes de Cristiano Ronaldo, a presença de Portugal nas fases finais das competições era intermitente. Mais que isso, eram raras as vezes em que a bandeira de Portugal aparecia ao lado de estandartes habituados aos papelinhos de bolso com os jogos, datas e programações, como Brasil, Alemanha, Argentina e Itália, mais acostumados a estas andanças. Duas destas seguidas, só uma vez, com os Infantes, que estiveram nas fases finais do Euro em 84 e da Copa do Mundo de 86, na França e no México, respectivamente.

Não fosse pela fome de gols de Cristiano, Portugal teria falhado a Copa do Mundo de 2014. Sem ele, o Euro de 2016 não passaria de mais uma desilusão, assim como a Liga das Nações de 2019, em que estreou somente na fase final, também tem as marcas das suas botas. A lista a espalhar os feitos alcançados graças a parte dos 130 golos que fazem dele o maior artilheiro, com folga, do futebol de seleções é enorme. E os serviços prestados também. Se Portugal hoje é uma potência quando fala-se de equipes nacionais, o maior responsável é Cristiano Ronaldo dos Santos Aveiro. Em grande parte do percurso, um supersónico a rasgar os céus em forma de chão verde.

EU ESTOU AQUI! Três vezes na rede para garantir a vaga
à Copa de 2014 
(Jonathan Nackstrand/AFP/VEJA)

O problema é que o avançado imparável, explosivo e insaciável ficou no passado, como acontece com qualquer um quando o tempo é o marcador. Mesmo que demore, ao cabo, o tempo levará a melhor. Mas faltou-nos o miúdo de Hans Christian Andersen a avisar que o rei ia nu pelas ruas da Alemanha e, a despeito de tanto talento espalhado em todas as posições e para vários tipos de jogo, o Cristiano Ronaldo procurado era o dos golos à Suécia, à Espanha ou à Suíça, em vez do jogador de 39 anos que os 50 e poucos jogos pesaram como nunca às pernas.

Se em 2022, Cristiano quis usar o Mundial do Catar para mostrar ao mundo que seu clube, Manchester United, e seu treinador, Erik Ten Hag, não lhe davam o valor que merecia - e essa obsessão deitou tudo por terra -, o caminho até o início deste Euro mostrou um jogador ainda com faro de gols e marcas, e útil. Dizia-se, e eu também o disse, que havia dois Portugais diferentes, mas a melhor versão era a que tinha Cristiano Ronaldo, desde que fosse associativo e jogasse para o time, como fez no amistoso contra a Irlanda e nos dois primeiros jogos do Euro, não coincidentemente os únicos em que Portugal venceu. Mais que isso: os dois em que Portugal marcou golos.

Até que...

Até que veio a necessidade de ser o primeiro e único a levar o pão à sopa em seis fases finais - ou manter limpo e estatuto de marcar em todas as competições em que participou com a camisola das quinas. Jogou quando não precisava, foi mantido em campo apesar do rendimento que, de insuficiente, passou a miserável conforme o tempo cerrou a marcação.

Então, o jogador associativo deu lugar a alguém que visava estar o mais próximo possível do gol, que pouco se ligou ao jogo coletivo. Portugal, ao longo de toda a prova, cruzou 153 vezes na área. Nos quartos de final contra a França, a bola foi despejada na área em busca de um avançado facilmente domado pela dupla Upamecano-Saliba 30 vezes, e em só duas Cristiano levou vantagem. Para ilustrar melhor sua participação direta no Euro, Cristiano tocou na bola em média 31,4 vezes por partida, seu pior registro em todas as Euros e Copas do Mundo. Em 2016, na vitória contra a Croácia, o camisa 7 encostou na bola 42 vezes e essa havia sido a menor marca até então. No mesmo jogo, Rui Patrício teve contato com a bola 46 vezes.

Como se não bastasse, a simples presença do jogador demandava alterações no posicionamento de peças fundamentais no sistema de jogo do treinador Roberto Martinez, que funcionou à perfeição nos duelos contra os oponentes mais macios das eliminatórias. Bruno Fernandes, que melhor joga quando apanha a bola na intermediária ofensiva, onde há mais espaços e tempo, tinha que pisar terrenos mais altos para compensar a falta de pressão à saída de bola, já que não se pode exigir este tipo de esforço de um avançado de 39 anos, mesmo sendo supostamente um robô; com a subida do 8, Bernardo Silva cumpria um papel de extremo para o qual nunca foi preponderante. Ou seja, a influência dos dois jogadores mais talentosos de grupo foi diminuída em troca da sombra do que Cristiano já foi. E nenhuma entre as 24 participantes do Campeonato Europeu dispôs de seis amistosos desde o fim das eliminatórias e a prova.

Discutir o papel de Cristiano não é um sinal de ingratidão a quem tanto nos deu. Tê-lo em campo nas segundas partes, quando sua fome tenderia a ser maior contra adversários possivelmente com as ideias e movimentos prejudicados pelo desgaste, só faria sentido se testes assim fossem feitos. Além da hipótese de aumentar a influência do capitão nos momentos em que estivesse em campo, ainda pouparia sua imagem e seu legado. E ainda passaria a ideia de alguém mais comprometido com os objetivos do grupo, em vez de suas próprias marcas. 

Mbappé foi substituído contra Portugal; Harry Kane deixou a meia-final contra os Países Baixos quando o placar ainda apontava a igualdade, desfeita justamente por quem o rendeu; na Copa América, Luis Suárez foi suplente do Uruguai e Messi sequer calçou chuteiras para ficar no banco contra o Peru, na última rodada da primeira fase. Cristiano só viu o número da sua camisola na placa que aponta as substituições aos 66 minutos contra a Géorgia, quando as contas no grupo já estavam feitas e sequer deveria ter jogado. Menos sentido ainda fará se quem tanto serviu à seleção insistir em se servir dela em nome de uma gratidão que ao cabo poderá ficar dispendiosa demais.  

Se calhar, faltou o miúdo a dizer que o rei estava nu. A diferença para o conto de Hans Christian Andersen é que toda a gente já havia notado.

quinta-feira, 11 de julho de 2024

PORTUGUESA - Haverá amanhã?

*Originalmente publicado no NetLusa

TEMPO FECHADO Nova penhora pode asfixiar as contas e
inviabilizar a continuidade da Lusa (Ronaldo Barreto/NetLusa)
 

O volte-face no acordo que a Portuguesa tinha na Justiça do Trabalho é a pior notícia em anos para o clube. Conforme noticiado pelo jornalista Luiz Nascimento, do Paixão Lusa, e cujos desdobramentos foram publicados no NETLUSA, trata-se de uma medida que pode inviabilizar a existência da Lusa a curto prazo caso não seja revertida.

Sem a verba de patrocínio, cotas de participação no Campeonato Paulista e outras receitas que garantiam o pagamento em dia do acordo que havia sido celebrado e que foi suspenso, não haverá sequer garantia de que o clube funcionará.

A boa notícia, se é que há alguma, é que cabe recurso. A má, ao menos uma delas, é que ficará mais complicado de trazer novas fontes de receita, como uma bola de neve nefasta em que a pior notícia é sempre a próxima.

Pelo que Luiz Nascimento disse, no ritmo em que os pagamentos eram realizados (foram cerca de R$ 11 milhões pagos nos três anos de vigência do acordo), o prazo de seis anos para o pagamento de todos os processos incluídos dificilmente seria cumprido. Mesmo porque não ocorreu o crescimento de receitas que faria com que o valor da parcela (30% das receitas ou o mínimo de R$ 250 mil) também aumentasse e o processo fosse acelerado.

Haverá saída? A SAF será a tábua de salvação? Em que condições a Portuguesa fechará a venda do futebol para investidores se realmente houver esse aumento da divida a curto prazo?

Não é o equilíbrio das contas que está em jogo, é a existência da Portuguesa que está em risco.

segunda-feira, 8 de julho de 2024

BRASIL - Por que o Brasil piorou 10 anos depois do 7 a 1?

DA DOR AO RISO: tratar a tragédia como chacota só piorou
o futebol brasileiro (Imagem: Jamie McDonald/Getty Images)

O maior vexame da história do esporte completa 10 anos hoje, 8 de julho. A efeméride, data redonda, ganhou mais força com a precoce eliminação da seleção brasileira na Copa América disputada nos Estados Unidos, a nova casa do futebol sulamericano – e brasileiro, ao menos quando se trata da seleção, mas vamos a isto mais adiante.

Gentes muito melhores que eu, como o comentarista Carlos Eduardo Mansur, do Grupo Globo, não gostam dos adjetivos, que (des) qualificam o episódio como vergonha e vexame. Eu considero que servem à perfeição para falar da hecatombe que acometeu a camisa mais pesada do esporte mais popular do mundo, ainda mais jogando em casa. Logo, o termo cabe.

Se o 7 a 1 serviu para algo, foi para redimir a geração que foi empurrada para a derrota pelo oba-oba de políticos, que não tinham intenções das mais puras – nunca as têm – e da imprensa no jogo que decidiu a Copa do Mundo de 1950. Passados 10 anos do atropelamento alemão, que nem cumpria uma campanha tão brilhante assim naquele mundial, o futebol brasileiro regrediu. Mesmo os incrementos financeiros resultantes do aumento da média de público podem ser considerados como avanços sem o senão dos efeitos da gentrificação, do afastamento do povo pobre e preto das arquibancadas.

A seleção brasileira está mais afastada do torcedor do que há 10 anos, quando as piadas pelo Mineiraço já surgiam no intervalo, no colo do 5 a 0 que ainda aumentaria para o sete-a-um que virou verbete informal para as agruras do cotidiano. A capacidade de rir da própria desgraça é tão brasileira quanto quem nasce, vive e morre no país. Por um lado, ajuda a aliviar as mazelas da vida de quem sofre e não tem muitas perspectivas. Por outro, porém, ao aceitar as agruras em vez de combatê-las, ajudamos a perpetuar este sistema que insiste em normalizar o inaceitável, seja qual for o setor.

Pouco de concreto foi feito para corrigir a rota do futebol nacional. No ano seguinte, a CBF promoveu uma reunião com ex-técnicos da Seleção para buscar respostas. Para participar do encontro, que reuniu o então treinador Dunga e Parreira, Zagallo, Carlos Alberto Silva, Paulo Roberto Falcão, Sebastião Lazaroni, Candinho e Ernesto Paulo, bastava ter sido treinador da seleção e estar vivo na ocasião. Mano Menezes, Felipão, Vanderlei Luxemburgo e Leão foram convidados, mas não participaram de um evento que resultou num sem número de chavões, discursos vazios e constatações óbvias.

No mesmo ano, a entidade criou seu curso de treinadores, com o nome pomposo de CBF Academy. No entanto, os efeitos práticos são indetectáveis. Dez anos depois, o Campeonato Brasileiro foi iniciado com metade dos clubes tendo treinadores estrangeiros, boa parte deles vindos de Portugal e da Argentina. O curso de treinadores da Argentina, o AFTA Campus Virtual, teve treinadores portugueses como instrutores, tanto que é válido na Europa, e essa limitação impede um intercâmbio que favoreceria o desenvolvimento do futebol nacional. Não se trata de copiar os métodos, e sim de entender os conceitos e utilizar o que pode ajudar, dentro das bases do futebol nacional, a desenvolvê-lo. 

Ao cabo, passamos por uma profunda crise de identidade, sem uma cultura tática estabelecida e tentando emular os sistemas da moda na Europa, mas não entendemos ou respeitamos os processos necessários para que os tais sistemas sejam compreendidos. Hoje, a busca é pela posse de bola, pela transição rápida, pelo jogo que transforma os meias em meros passadores de bola e o futebol posicional. Técnicos seguem promovendo sistemas táticos que tentam evitar a derrota para protegerem seus empregos. Programas de debate barulhentos, cujo objetivo maior é criar engajamento por meio de opiniões enfáticas, polêmicas e rasas, buscam respostas fáceis para segurar a audiência de torcedores que preferem acompanhar canais segmentados ou influenciadores sem o menor compromisso com a informação. Atende-se assim aqueles que não querem contraditório, mas querem endosso.

Respostas fáceis. Muitas delas voltaram com força com a eliminação para o Uruguai. E tome falar de seres hipotéticos, como o amor à camisa, a falta que o Neymar faz, a falta de protagonistas, a seleção de 2006. Obviamente, o comportamento dos jogadores, ralhando com a torcida a cada gol contra a poderosa esquadra paraguaia, o bate-boca público de Vini Jr a um jornalista que fez críticas técnicas ao seu desempenho no mesmo jogo, ou a desastrosa entrevista de Andreas Pereira, sugerindo que jogar na Premier League seja o suficiente até para causar inveja aos jogadores do Uruguai, histórico rival e orgulhoso de sua própria e gigante história, é contraproducente, não ajuda e ainda atrapalha. Isso vindo de um jogador que no Flamengo era reserva de um uruguaio, que nem é titular na Celeste.

Este ambiente forjado à base do "nós contra eles" pode ter dado certo com Felipão em 2002, mas foi uma completa tragédia com Dunga. O capitão Danilo foi ao pé da torcida cobrar apoio após um medonho 0 a 0 com a Costa Rica; Endrick deu a entender que alguns ali faziam um favor ao defender a seleção quando poderiam estar de férias. Endrick precisava dar a entrevista após a eliminação? Passou pela cabeça de Andreas que suas declarações seriam combustível para um adversário que, além de estar em um melhor momento, não precisa de um estímulo extra? Neste sentido, há jogadores uruguaios que o torcedor brasileiro gostaria de ver usando a camisa amarela. É sinal de que falta, além de autocrítica, gestão.

Ainda assim, é só mais um aspecto nessa profunda crise, e não dá para dissociar do 7 a 1. A primeira resposta fácil foi o retorno de Dunga, que já havia sido escolhido para o ciclo seguinte a 2006 porque representava entrega, disciplina e identificação com a camisa da seleção. Não funcionou porque o problema certamente não era esse. Veio Tite e o Brasil saiu do nada para o muito bom, vencendo todos os jogos de uma eliminatória tida como “a mais difícil de todos os tempos”. Foi um suspiro de modernidade e eficiência, mas que fez ressurgir o ufanismo tão nosso de cada dia que causa estragos desde 1950.

Pela melhora imediata apresentada logo à chegada de Tite e sua comissão técnica, seu trabalho passou a ser incensado por quem deveria manter uma distância segura para evitar a contaminação, mas a cobertura da seleção brasileira, mais do que qualquer outra no mundo – e não por acaso –, é acompanhada pelo exagero para o bem ou para o mal, e não havia a contestação necessária para não vender a ilusão de favoritismo absoluto.

Deve-se admitir que Tite, no comando da seleção, fez com que houvesse um trabalho diário, com método, processos e profissionalismo, mas não o suficiente para que o Brasil fosse além das quartas-de-final da Copas de 2018 e 2022. Pecado dos maiores, também não foi o bastante para delimitar ao gramado a influência do melhor jogador da geração, a ponto de aceitar bovinamente o acesso dos “parças” e que seu pai, eminência parda da seleção brasileira e que sequer deveria estar próximo, corroesse o cronograma hierárquico necessário a qualquer organização.  

Outro ponto, já abordado aqui, é o afastamento do torcedor. E são diversos os vértices a ligar as arestas dessa figura cheia de faces: Pegando o recorte específico abordado aqui, desde o 7 a 1, o Brasil jogou 49 amistosos. Destes, somente cinco foram jogados no país. Em termos de comparação, o Brasil jogou 11 vezes nos Estados Unidos e seis na Inglaterra. Nem quando havia a possibilidade de buscar uma reaproximação, e a melhor oportunidade se ofereceu antes da Copa de 2018. O único amistoso realizado naquele ano antes do Mundial ocorreu em março. E não foi no Brasil, foi na Rússia. Jogos oficiais são proibitivos pelo preço. O ingresso mais barato do último jogo de eliminatórias disputado em terras brasileiras custou R$ 200,00 (a meia entrada). O preço cheio variou entre R$ 400 e R$ 600. 

O calendário também não ajuda, com a imposição das 38 rodadas do Campeonato Brasileiro e a necessidade de proteger os campeonatos estaduais, que garantem a subsistência de inúmeros clubes, postos de trabalho e setores da economia local. Queiram ou não os defensores do planejamento hipotético dos maiores clubes, o futebol não se restringe aos 13 que criaram a Copa União, em 1987, nem os outros estão fadados a serem seus entrepostos. A resposta? Não sei, mas defenestrar os clubes menos ricos ou menores jamais será o caminho.

Um dos impactos é a impossibilidade de parar os campeonatos para que seleção possa atuar. E nem adianta falar que no dia dos jogos da seleção não há jogos, já que eles acontecem no dia seguinte. Como acomodar isso? Haverá quem possa dar as respostas. Por aqui, fazemos as perguntas e fomentamos o debate. O jornalista Júlio Gomes sugeriu, em sua coluna do UOL, inverter estaduais e o Brasileiro para coexistirem de maneira mais inteligente e poder haver uma parada de verdade para que os jogos da seleção não desfalquem os clubes e causem a revolta de torcedores e jornalistas mais figadais, digamos assim. Eu considero a ideia do Júlio muito boa, portanto, viável. A minha seria mandar às favas os pontos corridos. Não acontecerá.

Mas voltemos à eliminação na Copa América. Ela é o resultado de todas as barbeiragens cometidas pela CBF, sobretudo pelo seu presidente, Ednaldo Rodrigues. Não a eliminação em si, mas a forma, que até foi previsível. A queda nas quartas de final, no Catar, foi encarada como fracasso e, em vez de esperar pelo rescaldo e analisar o que foi feito de bom e de mau, que é o mínino que se espera quando existe algum direcionamento, tudo o que foi trabalhado até ali foi jogado fora. O Brasil ficou sem supervisor e diretor de seleções e todas as decisões foram tomadas monocraticamente por Rodrigues, que não é lá um sujeito a quem se possa atribuir todas as qualidades de um grande gestor. Se fosse, não compraria a ideia, praticamente platônica, de que Carlo Ancelotti ocuparia o cargo de treinador da seleção. Mais que isso, caso Carlo realmente tivesse assinado o contrato, a transição jamais poderia ser feita por um treinador com características tão diferentes.

Até Ednaldo sabe disso, tanto que vendeu a ideia de que Fernando Diniz e Carlo Ancelotti tinham conceitos parecidos. O problema é que claramente não são. De toda forma, qualquer que fosse o resultado desse “espera aí que eu vou depois”, o treinador pegaria um trabalho a partir do zero, que é o que aconteceu com Dorival Júnior. A Copa América, portanto, não poderia ser o ponto de análise do trabalho, e sim o de partida, e o resultado é o que menos deveria importar.

No entanto, como não existem verdades absolutas ou garantias de vitórias no futebol, não é possível notar que o período entre a apresentação dos convocados e a despedida do torneio não trouxe evolução alguma. O que pudemos perceber foi o contrário: a incapacidade de sair jogando – o jornalista Leonardo Bertozzi trouxe, no Linha de Passe seguinte ao jogo com o Uruguai,  um dado insuspeito: os jogadores que mais tocaram na bola no primeiro tempo foram o zagueiro Marquinhos e o goleiro Alisson, além de que apenas um passe foi concretizado no último terço do campo defensivo uruguaio – e a falta de rotinas que pudessem potencializar o talento dos principais jogadores, que, sim, existem e atuam destacadamente em alguns dos principais clubes do mundo.

Este texto não tem a intenção de dar as repostas e interditar o debate. Pelo contrário, é preciso analisar e tentar entender o que levou o futebol brasileiro para além do fundo do poço, que, imaginava-se, era perder de 7 a 1 em casa numa semifinal de Copa do Mundo.

sábado, 6 de julho de 2024

PORTUGAL - Que pena, Portugal

Texto originalmente publicado no Netlusa

LENDAS DAS ÁREAS Estes senhores dispensam legendas, mas
é preciso que um deles entenda seus limites (Hassan Ammar)

“O único erro foi a bola não ter entrado”. Assim, Roberto Martinez definiu a prestação de Portugal nas meias-finais do Euro-2024. Também disse que não se deve avaliar a participação portuguesa por três jogos. Um a mais que a metade dos cinco, sem contarmos a hora adicional em forma de prolongamentos.

Foram 364 minutos sem meter a bola, este ser que ganha vontades quando as nossas intenções não se concretizam, nas balizas contrárias. E há muitos nomes aqui a responderem por isso: Mamardashvili, Oblak, Maignan, Martinez, Ronaldo.

O que Martinez disse é que a bola não quis entrar. Noutro sentido, o ótimo Francisco Martins, jornalista do Expresso, sacou no podcast No Princípio era a Bola a frase que melhor resume e responde: “A bola não quis entrar e Cristiano Ronaldo não quis sair”. Reduzindo a este jogo em específico, foi o que faltou a Portugal.

Se há algo sobre o qual ninguém poderá apontar o dedo a Martinez é pela sua capacidade de preparar a seleção para os jogos. Exceto pela abordagem desastrosa – como todo o resto naquele dia – para a partida contra a Geórgia, o selecionador português sempre apresentou a melhor formação possível para os contextos que se avizinhavam. 

Contra a poderosa França, de prestações à medida em todos os jogos até aqui, mas com claras hipóteses de crescer de acordo com a exigência apresentada – e Portugal exigiu o melhor que os gauleses poderiam dar –, Martinez apostou no seu onze base, mas com alguma diferença nas funções, diferenças essas há muito solicitadas. 

A mais flagrante e necessária: Bernardo Silva foi descolado da linha lateral e buscou associações com João Cancelo, dividido entre apoiar o ataque – e fê-lo muito bem – segurar Mbappé, figura opaca em campo graças ao trabalho defensivo do lateral português e aos incômodos proporcionados pela máscara que trazia colada à cara. Do outro lado, Nuno Mendes manteve a tendência de crescimento e formou uma dupla diabólica com Rafael Leão, ligeiramente abaixo porque ainda não dá a melhor continuação às jogadas quando vence a marcação.

Esses elementos, somados a João Palhinha e Vitinha, fizeram com que o melhor de Portugal fosse melhor que o melhor da França, capaz de bascular o jogo de extremo a extremo com seu espetacular trio de médios formado por Camavinga, Tchouaméni e Kanté. Ainda assim, foi um duelo equilibrado e que, caísse para o lado que fosse nos 90 e tantos minutos, não haveria voz lúcida em Hamburgo, Paris, Lisboa ou em Diadema a sugerir uma injustiça.

Os pontos de desequilíbrio estavam justamente nas outras extremidades do campo, onde Rúben Dias e Pepe – este é um caso à parte e já voltaremos a isto – engoliam quem quer que surgisse por ali e Upamecano e Saliba sobravam para neutralizar um destoante Cristiano Ronaldo.

E aqui talvez esteja a resposta para o desempenho abaixo do possível de figuras de proa da equipa nacional como Bruno Fernandes, posicionado mais perto da área para compensar a ocupação de espaços que o capitão já não pode dar. E Cristiano deu pouco na maior parte da prova, sobretudo quando não foi poupado quando deveria.

Já lá voltaremos também.

A França é uma equipa que, sob Deschamps, pode ser classificada como a seleção mais cínica do mundo. Parece adormecida, adepta da lei do mínimo esforço, somente o necessário. Aí, quando o oponente abaixa os braços, vem o golpe. Suas capacidades acabam por moldar o adversário, e com Portugal não foi diferente. A primeira parte foi de estudos de parte a parte, poucas excursões ao coração da área adversária mais pela superioridade dos defensores do que pela vontade dos avançados, tanto que, remates, foram poucos concretizados.

O senso de urgência adquirido nos balneários após passadas a limpo as impressões trazidas do relvado trouxe duas equipes acutilantes, determinadas a evitar o drama da prorrogação e com a faca nos dentes. Palhinha travava Mbappé, Camavinga esteve a centímetros de fazer a festa gaulesa e Kolo Muani reviu Dibu Matinez na pele de Rúben Dias, dono e senhor de uma intervenção daquelas que valem por um gol a socorrer um Diogo Costa, cujos milagres não seriam suficientes naquele instante.

Do outro lado, Maignan esteve magnânimo para aplacar Leão. Depois, para fazer a defesa da noite quando Bruno Fernandes apareceu livre, em movimento a rasgar e recebendo passe açucarado tal uma bola de Berlim, que era onde Portugal queria estar no dia 14, mas o braço esticado do guardião francês não permitiu. Depois contou com a sorte para ver o chute colocado de João Cancelo ter outro destino, que não a vértice contrária.

A essa altura, Dembelé já estava em campo, rendendo um inoperante Griezmann. A resposta dada por Martinez foi lançar Francisco Conceição e Nelson Semedo. Deschamps ainda lançaria folego novo e pernas frescas com Marcus Thuram e Barcola. Na mesma altura, já no tempo-extra, João Félix voltaria a ser utilizado após inexplicavelmente fiar de fora de todas as opções contra a Eslovênia.

Se és um atacante e vestes a camisola da França, terás sido devorado por Pepe, possivelmente na melhor atuação desde que estreou pela Selecção Nacional. Aos 41 anos, que só foram notados naquele lance já no prolongamento contra os georgianos, o melhor zagueiro português da história – e um dos melhores do século em qualquer que seja a lista mundial que for feita se esta for minimamente séria – deu uma aula de posicionamento, leitura de jogo e vigor. Limpo, na bola, sempre na bola.

Os minutos se arrastaram até a necessidade de haver outros 30, que começaram com Francisco Conceição a levar de vencida toda a gente francesa que estivesse à sua frente antes de oferecer o gol a Cristiano Ronaldo. Aquele que fez cinco golos na última Euro não enviaria a bola à lua, como fez este, a versão pré-reforma que não venceu o tempo. 

O minuto além do 120 talvez tenha feito a pergunta a ser respondida: precisávamos do drama do prolongamento frente à Eslovênia. Em Hamburgo, este minuto teve dois ataques, de parte a parte, em que ficou nítido que o cansaço impediu que Portugal marcasse quando Nuno Mendes escolheu o pé menos usual para dar seguimento ao passe de Bernardo Silva. Thuram, na resposta, teve a porta fechada por Pepe, o melhor de todos os que estavam em campo. Pouco antes, Félix e Barcola tiveram suas hipóteses, mas as malhas que receberam a bola foram as do lado externo.

A esperança residiu ao fim no milagreiro da fase anterior, São Diogo, mas nem com asas ele pegaria as cobranças perfeitas de Dembelé, Fofana, Koundé, Barcola e Theo Hernandez. Chamado a abrir a série portuguesa, Cristiano não tremeu. Bernado, como havia sido nos oitavas, também foi perfeito, mas João Félix, que substituiu o outro batedor, Bruno Fernandes, acabou acertando o poste. A cobrança sem reparos de Nuno Mendes serviu somente para manter a fé dos portugueses por alguns segundos.   

Se a França fez por onde passar, Portugal talvez tenha feito mais, mas o futebol é isto. Como é perceber o que foi feito de mau, reforçar o que foi feito de bom e, pelo amor de Deus, resolver o que fazer com o maior jogador português de sempre, que precisa ser convencido de que não há mais nada a provar.

O melhor jogo foi o último e há ótimos indicadores para o futuro, mas é preciso ter coragem.

***

As avaliações a seguir têm um certo exagero, galhofa e quase nenhuma base técnica. É favor não levar tão a sério.

Diogo Costa: nem se voasse pegaria as cobranças francesas. Milagres não são feitos todos os dias; 
João Cancelo: se a Eurocopa serviu para algo, foi para recuperar o futebol de quem sequer sabe onde jogará na próxima temporada (Nelson Semedo: outro a recuperar a dignidade na relva alemã. Se quiseres, a lateral de um certo time vermelho da Segunda Circular estará à sua espera); 
Rúben Dias: o bloqueio ao chute do Kolo Muani teria sido aplaudido por Dibu Martinez; 
Pepe: vai voltar para Portugal com a mala carregada de atacantes de 10 a 20 anos mais jovens e incapazes de superá-lo. Um monumento de jogador; 
Nuno Mendes: a bola do jogo calhou-lhe ao pé errado. Melhor a cada jogo. 2026 estará à porta; 
João Palhinha: olhem o mapa mundi e reparem: a superfície é coberta por 60 e tal por cento de água. O resto é coberto pelo João Palhinha (Rúben Neves: era bonito seus passes teleguiados serem vistos mais vezes na Alemanha); 
Vitinha: o único azar é pisar os mesmos lugares de Bruno Fernandes (Matheus Nunes: perdeste suas férias para isso?);
Bruno Fernandes: poderia ter baixado mais vezes para organizar o jogo desde trás, onde há mais espaços. Nas duas vezes em que conseguiu, Portugal quase marcou. E ter saído é uma das tolices que ficaram na conta do mister (Francisco Conceição: seu pai certamente ficou mais orgulhoso pelo que viu do que o pai do Marcus Thuram. O problema é que eles saíram felizes, nós não); 
Bernardo Silva: juro que não entendo que caral** faz com que jogues como extremo. Entra técnico, sai técnico, e não há um corno pra te deixar jogar solto. Fez isso contra a França e, obviamente, Portugal cresceu; 
Rafael Leão: Koundé deveria passar por terapia para se livrar dos traumas causados pelos avanços de Rafael Leão. Nós todos também teremos que passar por terapia para esquecer que Rafael Leão ganha todas as jogadas e não acontece nada depois disso, a não ser uma ou outra ecrã quebrada por quem esperava pelo golo (João Félix: merecias mais respeito e minutos, mas nunca no lugar de Rafael Leão);
Cristiano Ronaldo: por quê, Cristiano? 
Roberto Martinez: havia muito potencial, flexibilidade tática, jogadores acima da média em todas as posições. Mas havia um treinador que dispôs de seis amistosos - mais um jogo para cumprir tabela - para preparar um time que ficou amarrado às vontades de seu capitão, que começou bem, mas deitou tudo ao chão conforme seu golo não saiu. O que dói é que poderia ser melhor. Uma pena, Roberto, mas simpatia não basta nos grandes palcos.