sábado, 30 de novembro de 2019

Portugal e o sorteio da Eurocopa - maldito sorteio


COM EMOÇÃO? Lahm "sorteia" Portugal (Daniel Mihailescu/AFP)
A fatura pela caminhada claudicante ao Euro'20 chegou quando Lahn tirou a bolinha com o nome de Portugal no pote 3 do sorteio para a formação dos grupos da segunda maior competição de seleções do mundo. O atuais donos da Europa foram colocados para nadar no tanque onde estarão Alemanha e França, os últimos campeões mundiais.

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Portugal, que não é nenhum coitadinho e é bom que se diga, não foi para o pote dois por causa de um ponto. Sabe aquela bola na barra de Danilo no jogo contra a Ucrânia? Não foi isso não. Foi a postura engessada e pouco criativa da turma de Fernando Santos ao longo da partida contra a equipe mais bem organizada e treinada do grupo que lançou a Equipa das Quinas aos outros tubarões. Se tivesse empatado, Portugal teria 18 pontos - os mesmos da Ucrânia, na melhor das hipóteses - e escaparia das mãos sedentas por vingança dos franceses.

Historicamente, Portugal se dá bem em grupos complicados. Na Eurocopa de 2012, alinhou com Alemanha - para quem perdeu, claro - e Holanda - de quem ganhou, claro -, além da Dinamarca, que também superamos; em 2000, fez o pleno de pontos contra Alemanha, Inglaterra e Romênia. Já em grupos mais acessíveis, costumamos nos enrolar, como aconteceu nas Copas do Mundo de 2002 (Estados Unidos, Coreia do Sul e Polônia) e 2014 (Alemanha, Estados Unidos e Gana). Até em 2016, contra as apatecíveis Austria, Islândia e Hungria, passamos com as calças em uma mão e o rosário na outra.

O problema nem é esse, já que a gestão Fernando Santos teima em desafiar a lógica e ganhar títulos. Se a tradição mostra que os Tugas superaram adversários fortes, é exatamente contra eles que o futebol apresentado ultimamente não costuma dar para as contas, exatamente o oposto do que aconteceu quando vencemos os ingleses e despachamos os alemães em 2000 ou quando eliminamos os holandeses em 2012. Naquelas ocasiões, Portugal vinha jogando muito bem, o que tem sido raríssimo com o Engenheiro do Penta.

A sorte é que a estreia é contra quem vier do Grupo A da repescagem, que pode ser Bulgária, Hungria ou Islândia (se passar a Romênia, ela irá para o Grupo C, já que é uma das anfitriãs, vindo o time que vencerá entre Geórgia, Bielorrússia, Macedônia do Norte ou o perigoso Kosovo), e uma vitória poderá bastar para não quebrar a escrita de nunca ter ficado na fase de grupos, nas sete vezes anteriores em que Portugal disputou o europeu. 

São sete participações: seis seguidas, com cinco semifinais, duas finais e um título. É um dos cartéis mais respeitados do futebol europeu, e com dois dos dez melhores jogadores do mundo, mais o sem número de talentos que garante a Fernando Santos o melhor grupo de jogadores que nem Oto Glória ou Felipão tiveram à disposição. Basta ver se Portugal será o time leve que colocou a Holanda na roda na final da Liga das Nações ou a equipe com poucas ideias, mas difícil de ser batida - e de vencer também -, que tem sido praxe nos últimos tempos.   

quarta-feira, 27 de novembro de 2019

RasenBallsport Leipzig 2 x 2 Benfica - a nova vergonha europeia

TF Images

Quando Julian Nagelsmann disse que o jogo entre o seu RB Leipzig e Benfica seria um duelo entre Davi e Golias e que os alemães eram os gigantes do confronto, houve uma gritaria em Portugal. Onde já se viu um time que está em sua segunda participação na Liga dos Campeões colocar-se tão acima do remoto bicampeão europeu?

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Mas é exatamente este o tamanho europeu do atual Benfica. Não adianta nada ser um tubarão em Portugal se, para além das fronteiras, não passar de um carapau. Já são três temporadas seguidas sem superar a fase de grupos, que irrompeu apenas três vezes nesta década, na qual a presença não falhou uma vez sequer. E são apenas quatro vitórias nos últimos 20 jogos, contando uma edição com seis derrotas.

O empate que ditou a eliminação da edição 2019-2020, por si só, nem é um descalabro. Afinal, na Alemanha, foi a primeira vez que o Benfica pontuou pela competição. Havia perdido os 11 jogos anteriores. O que faria prever uma situação diferente hoje?

Abrir 2 a 0 aos 60 minutos poderia supor a quebra de tal escrita, além de deixar os Encarnados às portas das oitavas-de-final, bastando vencer o Zenit em casa na última rodada do grupo. Mas aí pesou a inexperiência de Bruno Lage em jogos deste calibre. Foram três substituições após o minuto 80, sendo duas equivocadas e a terceira após o 2 a 2, quando mais nada havia a fazer.

Bruno Lage, que colocou o Benfica na fase de grupos ao protagonizar a improvável arrancada da época passada, errou desde o primeiro jogo da liga milionária. Escolheu jogadores errados, escalou como titulares quem sequer ficava no banco de reservas nos jogos anteriores e, esta noite, mandou a campo o avançado Caio Lucas quando a prudência mandava Florentino entrar, já que o RB Leipzig agigantou-se ao diminuir o placar ante uma equipe animicamente morta em campo, e ainda com seis minutos a contar nos acréscimos.

O jogo, mesmo, seguiu o roteiro que poderia ser comum e aceitável caso o Benfica não dependesse desesperadamente de vencer para seguir vivo. O time fechado, organizado e contra-atacando quando podia, ao passo que os donos da casa chegavam e desperdiçavam tantas quantas chances foram criadas. 

E assim foi até os 82 minutos, com 2 a 0 a favor porque Bruno Lage não inventou ao lançar no 11 jogadores menos utilizados n'outros jogos, como Tomás Tavares, Jardel e Gedson Fernandes. André Almeida, por exemplo, fez sua estreia nesta edição, e teve mais ações defensivas que a soma de Tavares nos jogos em que atuou. Até que Lage começou a promover as trocas. 

Raúl De Tomas, que acabara de entrar no lugar de Carlos Vinicius, quase fez um gol antológico do meio-campo, o que segurou o ímpeto do Leipzig por oito minutos. Esse foi o tempo em que os da Saxônia ficaram sem incomodar, o suficiente para baixar a guarda benfiquista e a desgraça se desenhar na Red Bull Arena Leipzig a partir do início dos acréscimos de nove minutos de intenso terror para os encarnados.

Quando foi preciso fazer a leitura correta da partida, Lage falhou com louvor. Primeiro, colocando De Tomas para executar o mesmo papel de Carlos Vinícius. O touro que segurava os defensores na área dando lugar a um avançado altamente técnico, mas pouco combativo, o que fez que a troca não surtisse o efeito desejado. Pizzi, melhor homem em campo, saiu para ser rendido pelo desastroso e injustificável Caio Lucas, que nem vinha sendo relacionado e, de repente, apareceu entre as opções. Ao entrar, o camisa 7 deixou o lado direito, onde Pizzi e André Almeida controlavam o jogo na medida do possível, como uma autêntica autoban, por onde o porsche alvirrubro atropelou o adversário sem a menor dificuldade. Em vez dele, se era para ter em campo um jogador que agredisse o adversário, Lage poderia ter feito entrar Gedson Fernandes, jogador com mais argumentos para fazer a função, mas que estava, por opção do mister, a ver o jogo das tribunas. Ou manter Pizzi, o melhor e mais lúcido benfiquista em campo, colocando Florentino no lugar Chiquinho, que se arrastava. 

Ao fim e ao cabo, a sensação que ficou é que, caso Bruno Lage desse à Liga dos Campeões a importância que merecia e mandasse a campo um time sem invencionices e com os melhores disponíveis a cada jogo, o Benfica teria chegado à Alemanha podendo até perder e ainda teria a chance de garantir a classificação na última jornada. 

Para deixar de ser o Bate Borisov que fala Português e assumir a tal dimensão europeia que tanto se orgulha de ter, há de ser mais ousado no mercado, contratando pés e cabeças qualificadas e experimentadas para segurarem o rojão que os verdes anos dos recém-promovidos do Seixal não permitem fazê-lo.

Não adianta planear chegar às finais com uma equipa cuja base vem do Seixal se, à primeira investida mais forte, perde os valores que mais se destacam. E só há duas maneiras de se fazer isso: pagando salários que permitam segurar os melhores jogadores; e tendo um projeto desportivo ambicioso, e que funcione na prática, coisa que o Benfica não tem. 

Vlachodimos: prolongou o sonho com defesas monumentais;
André Almeida: por que diabos não jogou antes?
Rúben Dias: o futuro melhor zagueiro do mundo mostrou por que ainda não é o melhor zagueiro do mundo ao cometer o pênalti que originou o primeiro gol alemão;
Ferro: por que diabos não jogou antes?

Grimaldo: renovou contrato essa semana. Por quê, meu Deus? Por quê?
Gabriel: fez o que podia, mas tem podido cada vez menos;

Taarabt: atuação de gala enquanto teve fôlego. Participou dos dois gols;
Pizzi: alguns já se recusaram a deixar o relvado. O Pizzi poderia ter feito o mesmo (Caio Lucas: é o menos culpado por estar em campo quando deveria estar no Benfica-B, isso se devesse estar);
Cervi: o Rafa só volta em fevereiro, né? (Jota: pfff!);
Chiquinho: esteve abaixo, mas ainda abaixo faz mais que o Caio Lucas. Suspeito que também assim era quando estava lesionado;
Carlos Vinícius: queimou minha língua pela nona vez, mas vai errar passes em contragolpes assim lá na...(Raúl De Tomas: ah, se aquela bola entra...)

Bruno Lage: só de reclamações, caberia aqui um texto maior que este. 

sexta-feira, 22 de novembro de 2019

No caso da 'morte' de Gugu Liberato, só quem morreu foi o Jornalismo

Foto: Antonio Chahestian/Record TV
É desastroso o papel desempenhado por alguns jornalistas e veículos de comunicação no caso do acidente do apresentador Gugu Liberato. O diz-que-diz, para não chamar de fofoca, que envolve o trabalho de porco feito por parte da imprensa, é um nojo. É tudo aquilo que um jornalista, de qualquer editoria, quem quer que ele seja, não pode fazer. 

Ninguém pode dar notícia que não existe, por mais que seja de algo iminente. É iminente, ou pode ser, mas não é fato. O trabalho da imprensa é informar, só que isso envolve uma série de observações a serem feitas: é necessária, antes de qualquer coisa, uma apuração cuidadosa, cujo único critério a ser observado é o respeito aos familiares, aos amigos.

E daí que os outros podem dar? É furo? Morte de celebridade não é furo. É uma notícia que deve ser dada quando puder ser dada, com ética, respeito e cuidado. Como qualquer outra. Ou melhor, envolve muito mais cuidado do que algo que somente justifique uma "errata" num cantinho de uma página qualquer.  

Não se usa "suposta morte". Não se pode escrever ou falar "teria tido morte cerebral". Não é o caso de divulgar e depois apurar e, se for o caso, retificar. Jornalismo não é fofoca. Prestação de serviço que não presta é desserviço.

Quando o imenso Ricardo Boechat faleceu, muita gente já sabia, mas não se noticiou antes que a família soubesse, e antes que a Band, onde ele trabalhava, divulgasse. Aí podemos discutir se a prioridade à emissora é válida. Aos familiares, é mais que obrigação profissional, é questão de caráter, de dignidade. Eles nunca devem saber pela imprensa. Nunca, em tempo algum. Não há hipótese ou mas que justifique o contrário. Se houver, reveja. Se ainda assim, você achar que há, levante-se e saia: você não serve para ser jornalista.

Talvez nem para ser gente você preste.

Atualização: Augusto Liberato, 60, teve seu falecimento confirmado algumas horas depois de este texto ser publicado.

domingo, 17 de novembro de 2019

Luxemburgo 0 x 2 Portugal - Campeão garantido na Euro, mas há muito o que melhorar

PARA O GASTO Deu para superar o gramado, o adversário
 e o pragmatismo, mas é preciso mais para revalidar
 o título europeu (Foto: Catherine Steenkest)
 
Já está! Portugal garantiu a presença na Eurocopa pela oitava vez, a sétima consecutiva, como era de se esperar. O que não era lá tão previsível assim foi o custo para garantir a possibilidade de defender o estatuto de campeão dentro de um grupo acessível, olhando à partida.


Ou melhor, era sim. Ou pior. Ao menos contra Luxemburgo, ainda mais depois que o 11 inicial foi divulgado. Tudo bem que o relvado do estádio Josy Barthel mais parecia um campo de batatas, mas o histórico de partidas irritantes pela pouca ousadia do treinador mais vitorioso da história da Selecção Portuguesa faz com que dividamos a culpa pela partida difícil de se assistir entre o verde e marrom campo de jogo e as escolhas do mister. E foi justamente o futebol irritante e arrastado de outros jogos que se viu novamente.

Antes da partida, Santos havia alertado que Luxemburgo é um time melhor que a terrível Lituânia e que o gramado seria outro obstáculo a ser superado, mas que os jogadores achariam o caminho. Isso explica o retorno de Danilo Pereira, excelente na cobertura dos alas e na marcação, mas de passe burocrático e previsível. Portugal tinha mais segurança, mas os espaços criativos diminuíram consideravelmente. Mas é preciso, contra Luxemburgo, tantos dedos? Tantos cuidados? As outras mudanças iniciais foram André Silva no lugar de Gonçalo Paciência, de grande atuação contra os lituanos, mas que sequer saiu do banco; e Raphael Guerreiro no lugar de Mário Rui. Aqui, melhor seria uma caixa de madeira com rodas e alguém a empurrá-la no lugar de qualquer um dos dois.

Marcação alta dos da casa, jogo amarrado e a Sérvia ganhando à Ucrânia logo de cara. Tudo para dar cores dramáticas à jornada, mas havia Bernardo Silva. E o melhor jogador de Portugal nestas Eliminatórias tratou de tirar o coelho da cartola e dar um passe milimétrico de mais de 40 metros, digno de Tom Brady, para Bruno Fernandes dominar com rara beleza e bater seco, rasteiro, para acalmar as coisas e recolocar Portugal na rota da Eurocopa.

O segundo tempo foi um exercício de paciência para o torcedor. Luxemburgo queria jogo, mas não conseguia; Portugal queria o fim do jogo e nada fazia para espantar a possibilidade de ser surpreendido, o que poderia deitar por terra o apuramento direto, já que os sérvios novamente estava à frente e dependiam de um golito de Luxemburgo. E assim foi até quase ao cabo da partida, quando Bernardo Silva, só para não variar, deu outro passe teleguiado, achando Diogo Jota no segundo pau. Domínio bonito, chute torto mas feliz o suficiente para tirar o goleiro Moris da jogada e, já dentro do gol, literalmente, Cristiano Ronaldo, em má jornada, puxar dos galões para colocar o pé na bola e marcar o seu gol de número 99 a serviço da Equipa das Quinas.


ANDA LÁ ÀS REDES, Ó, MIÚDA! Cristiano beija a bola, mas
gol 99 só foi sair no fim do jogo (Foto: Soccrates Images) 
Dos males o menor: não foi num jogo insosso desses que Cristiano marcou o centésimo tento, até porque não teve lá muitas chances para isso. Além do gol, que deveria ser anotado para Diogo Jota, pois Ronaldo tocou na bola após esta passar a linha completamente, teve mais dois remates, ambos perigosos. Em compensação, foi uma vitória duplamente histórica: a de número 300 de Portugal (coincidentemente contra o mesmo freguês das vitórias 100, 200 e 250) e também o triunfo que garante a Fernando Santos o status de treinador com mais vitórias à frente dos Tugas: 43, uma a mais que Felipão.

Alternando bons e maus momentos, Portugal se classificou, o que era sua obrigação. Porém, terá que jogar mais para superar equipes melhores, o que raramente consegue, apesar do excelente elenco que tem, levando em conota ainda a hipótese clara de estar no pote 3 do sorteio do próximo dia 30, o que pode colocar os lusos em um grupo com outros dois tubarões. Ser campeão, então, será praticamente um milagre. A não ser que sejamos merecedores de dois. O primeiro milagre já aconteceu em 2016. 


Rui Patrício: dois jogos, nenhuma defesa, mas passou bastante frio.
Ricardo Pereira: ao menos o calor que tomou de Gerson Rodrigues aqueceu sua alma - e gelou a nossa.
José Fonte: após a folga de dentro do campo que teve contra a Lituânia, trabalhou um bocado.
Rúben Dias: o futuro melhor zagueiro do mundo nos livrou de tomar o golo que poderia nos mandaria para a repescagem e nos jogar ao pote 4 na melhor das hipóteses.
Raphael Guerreiro: será este o irmão gêmeo daquele lateral seguro que nos ajudou a conquistar o Euro?
Danilo Pereira: erra passes com a mesma facilidade com que destrói sonhos de armardores adversários. 
Pizzi: gastou a bola contra a Lituânia. Gastou tanto que ficou sem para hoje (João Moutinho: entrou, mas foi como se não tivesse entrado).
Bruno Fernandes: a felicidade ao comemorar o gol contrastou com a tristeza ao se lembrar de que, na segunda, volta ao Sporting (Rúben Neves: três minutos em campo só para justificar o aquecimento).
Bernardo Silva: brilhante até mesmo quando não quer ser. O suficiente para me fazer voltar a gostar de futebol. 
André Silva: ficou sem jeito de chutar ao gol quando viu que Cristiano Ronaldo estava livre, mesmo pior colocado. Como avançado vive de golos - ok, Tite e Bruno Lage discordam -, perdeu terreno na briga por um lugar no Euro (Diogo Jota: teve seu primeiro golo pela Seleção "roubado" por Cristiano Ronaldo, mas não reclamou de nada, nem fez cara feia. Deve ter garantido assim o lugar no Euro). 
Cristiano Ronaldo: os golos que sobraram no Algarve faltaram hoje, mesmo o gol que "marcou".  
Fernando Santos: foi o velho Fernando Santos que conhecemos: burocrático, chato, e foi assim que nos deu o Euro 2016. Para 2020 será preciso mais. 
   


sexta-feira, 15 de novembro de 2019

Portugal 6 x 0 Lituânia - Enfim, futebol

DESDE CABRAL Portugal não apresentava um centroavante
 tão bom (Octavio Passos/Get Images)


Em setembro, a Federação Portuguesa de Futebol lançou a campanha #DeixaJogar para tentar coibir maus comportamentos em todos os segmentos ligados ao futebol português. Clique aqui e veja. Pouco mais de dois meses depois, finalmente, foi a vez de Fernando Santos encampar a iniciativa e deixar seus miúdos a jogar sem as amarras táticas de seu treinador, um mau hábito que já vinha há tempos incomodando.


Após o desaire contra a Ucrânia, que deixou Portugal alijado do lote de cabeças-de-série da Eurocopa, o Engenheiro recebeu um grupo com oito desfalques por lesão: Nelson Semedo, Pepe, William Carvalho, André Gomes, João Mário, Rafa Silva, João Félix e Gonçalo Guedes. Ainda assim, mandou a campo o melhor 11 possível para enfrentar o time mais fraco do grupo, a Lituânia.

A revolução contou com sete mudanças com relação aos que começaram o sofrível jogo de Kiev: nas laterais, Ricardo Pereira e Mario Rui renderam a Nelson Semedo e Raphael Guerreiro (nunca sei onde colocar o raio da trema do nome dele. Deixa como está); Pepe cedeu o lugar a José Fonte; o meio-de-campo foi inteiramente modificado, com Rúben Neves, Pizzi e Bruno Fernandes nas vagas que foram de Danilo Pereira, João Moutinho e João Mário; na frente, sem Gonçalo Guedes, o escolhido foi outro Gonçalo, o Paciência. Apenas Rui Patrício, Rúben Dias, Cristiano Ronaldo e Bernardo Silva foram mantidos no time titular.

Mais do que nomes, o essencial foi a mudança na forma de atuar. Finalmente houve em campo um time que tinha qualidade para trocar passes e se movimentar em busca de criar oportunidades, valendo-se do melhor de cada um dos 11 que estiveram em ação no Algarve, numa espécie de 4-3-3 que andou a ser um 4-1-3-2 na maior parte do jogo, sem que ningúem guardasse posição, com destaques para Ronaldo, pelos três golos; Paciência, pelo jogo coletivo; e Bernardo Silva. Claro que o nível - ou a falta de um - do adversário facilitou o trabalho, mas era muito mais cômodo manter-se fiel ao sistema de jogo que tem sido utilizado e fiar-se numa vitória tranquila para convencer que sim, estamos num bom caminho, do que alterar tudo o que fosse possível, como fez Fernando Santos.

E lá foi o time com Rúben Neves a começar com classe e lucidez desde os primeiros movimentos na criação das jogadas, ainda na zona intermediária de jogo, pouco habituais quando é Danilo Pereira quem joga; com Pizzi, Bruno Fernandes e Ricardo Pereira fazendo o diabo pelo corredor direito; com Gonçalo Paciência a parecer que jogava na equipa desde que seu pai o fizera, ainda nos anos 1990; com Cristiano Ronaldo letal como quase sempre; e com Bernardo Silva, o Pequeno Genial, carimbando e organizando todas as jogadas portuguesas, pelo meio, pelos flancos, dentro ou fora da área. Dos seis golos, três tiveram participação direta dele. Onde estivesse Bernardo, para lá ia a bola também.

Este foi o ponto crucial que dá esperança para jornadas melhores contra seleções melhores. Tudo bem que não se deva levar a sério a Lituânia, que em momento algum impôs qualquer tipo de dificuldade aos lusos, que não impediu que Pizzi se colocasse atrás dos volantes e tivesse apenas os zagueiros à frente em boa parte da partida, e que era incapaz de aglutinar até seus dois beques, oferecendo espaços para quem quisesse por ali, mas o fato é que as ideias de jogo apareceram.

TOCANDO O TERROR Quarteto da foto causou estragos
 na Lituânia (Octavio Passos/Getty Images)

Repito: o mais importante na partida em que um vento na direção contrária daria mais trabalho que a Lituânia é que, mesmo com as facilidades. Fernando Santos não caiu na tentação de usar o sistema de três atacantes pouco móveis que, invariavelmente, não funciona. Mesmo Portugal perdendo a chance de fazer uma goleada histórica, de dois dígitos, o caminho esteve lá e isso é o que importa.    

Para carimbar o passaporte à sétima Eurocopa seguida - e oitava no total - e defender o estatuto de dono da Europa, basta a Portugal que neste domingo vença Luxemburgo, para quem perdeu somente uma vez na história, justamente na estreia de Eusébio pela equipe nacional. Um empate ou uma derrota ainda bastam, desde que a Sérvia, terceira com um ponto a menos, não faça nada melhor contra a já classificada Ucrânia, que será cabeça-de-chave na Euro caso vença. Há ainda a hipótese de Cristiano, que somou mais três golos à conta, chegue ao tento de número 100 somente pela Seleção. A ele, que já marcou 10 nos sete jogos desta fase eliminatória, faltam somente dois.

Que o #DeixaJogar seja o mote lá também.

Rui Patrício: foi aplaudido quando tocou na bola pela primeira vez, já depois de uma hora de jogo. Há quem diga que saiu para jogar uma sueca, mas ninguém terá notado, pois a bola não andou pela sua área.
Ricardo Pereira: lembrou-me os treinos contra cones, exceto pelo fato de os cones atrapalharem mais que os lituanos. Em todo caso, entrou na briga por uma das vagas na lateral direita.
José Fonte: pode ser que tenha acompanhado Rui Patrício na sueca. Não sabemos, pois a bola raramente esteve perto de si.
Rúben Dias: o futuro melhor zagueiro do mundo terminou o jogo sem um pingo de suor no rosto e o penteado impecavelmente preservado.
Mário Rui: não deixem que Luis Felipe Vieira saiba que teve uma boa atuação.
Rúben Neves: na falta de Willian Carvalho, devolveu a Portugal a classe na saída de bola. Que o faça também em jogos maiores, pois bola para isso ele tem. 
Pizzi: surpresa na escalação, foi mais espantoso o fato de ter combinado à perfeição com Ricardo Pereira, que era do Porto, e Bruno Fernandes, que ainda é do Sporting. Poderia, no momento do golo, agradecer a Fernandes o convidando para ter consigo à Luz, em vez de voltar a Alvalade. Seria mais feliz, certamente.
Bruno Fernandes: a felicidade ao abraçar Pizzi na comemoração do gol contrastou com a tristeza ao se lembrar de que, na segunda, volta ao Sporting. (João Moutinho: entrou para treinar um bocadinho mais).
Bernardo Silva: brilhante até mesmo quando não quer ser. O suficiente para me fazer voltar a gostar de futebol. Que o mister não o prenda à linha em jogos difíceis 
(Bruma: entrou para colocar mais um jogo no currículo).
Gonçalo Paciência: apesar da má pontaria, sempre foi uma grande opção na preparação de jogadas, nos espaços abertos e na colocaçao para receber a bola.
Cristiano Ronaldo: 
sem muito esforço, mandou mais três para a conta e, o mais notável, não reclamou ao ser substituído. Diogo Jota: estreou na equipe A e poderá contar aos netos que fê-lo no lugar de Cristiano, sem que esse fizesse cara feia.