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DESDE CABRAL Portugal não apresentava um centroavante tão bom (Octavio Passos/Get Images)
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Em setembro, a Federação Portuguesa de Futebol lançou a campanha #DeixaJogar para tentar coibir maus comportamentos em todos os segmentos ligados ao futebol português. Clique aqui e veja. Pouco mais de dois meses depois, finalmente, foi a vez de Fernando Santos encampar a iniciativa e deixar seus miúdos a jogar sem as amarras táticas de seu treinador, um mau hábito que já vinha há tempos incomodando.
Após o desaire contra a Ucrânia, que deixou Portugal alijado do lote de cabeças-de-série da Eurocopa, o Engenheiro recebeu um grupo com oito desfalques por lesão: Nelson Semedo, Pepe, William Carvalho, André Gomes, João Mário, Rafa Silva, João Félix e Gonçalo Guedes. Ainda assim, mandou a campo o melhor 11 possível para enfrentar o time mais fraco do grupo, a Lituânia.
A revolução contou com sete mudanças com relação aos que começaram o sofrível jogo de Kiev: nas laterais, Ricardo Pereira e Mario Rui renderam a Nelson Semedo e Raphael Guerreiro (nunca sei onde colocar o raio da trema do nome dele. Deixa como está); Pepe cedeu o lugar a José Fonte; o meio-de-campo foi inteiramente modificado, com Rúben Neves, Pizzi e Bruno Fernandes nas vagas que foram de Danilo Pereira, João Moutinho e João Mário; na frente, sem Gonçalo Guedes, o escolhido foi outro Gonçalo, o Paciência. Apenas Rui Patrício, Rúben Dias, Cristiano Ronaldo e Bernardo Silva foram mantidos no time titular.
Mais do que nomes, o essencial foi a mudança na forma de atuar. Finalmente houve em campo um time que tinha qualidade para trocar passes e se movimentar em busca de criar oportunidades, valendo-se do melhor de cada um dos 11 que estiveram em ação no Algarve, numa espécie de 4-3-3 que andou a ser um 4-1-3-2 na maior parte do jogo, sem que ningúem guardasse posição, com destaques para Ronaldo, pelos três golos; Paciência, pelo jogo coletivo; e Bernardo Silva. Claro que o nível - ou a falta de um - do adversário facilitou o trabalho, mas era muito mais cômodo manter-se fiel ao sistema de jogo que tem sido utilizado e fiar-se numa vitória tranquila para convencer que sim, estamos num bom caminho, do que alterar tudo o que fosse possível, como fez Fernando Santos.
E lá foi o time com Rúben Neves a começar com classe e lucidez desde os primeiros movimentos na criação das jogadas, ainda na zona intermediária de jogo, pouco habituais quando é Danilo Pereira quem joga; com Pizzi, Bruno Fernandes e Ricardo Pereira fazendo o diabo pelo corredor direito; com Gonçalo Paciência a parecer que jogava na equipa desde que seu pai o fizera, ainda nos anos 1990; com Cristiano Ronaldo letal como quase sempre; e com Bernardo Silva, o Pequeno Genial, carimbando e organizando todas as jogadas portuguesas, pelo meio, pelos flancos, dentro ou fora da área. Dos seis golos, três tiveram participação direta dele. Onde estivesse Bernardo, para lá ia a bola também.
Este foi o ponto crucial que dá esperança para jornadas melhores contra seleções melhores. Tudo bem que não se deva levar a sério a Lituânia, que em momento algum impôs qualquer tipo de dificuldade aos lusos, que não impediu que Pizzi se colocasse atrás dos volantes e tivesse apenas os zagueiros à frente em boa parte da partida, e que era incapaz de aglutinar até seus dois beques, oferecendo espaços para quem quisesse por ali, mas o fato é que as ideias de jogo apareceram.
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TOCANDO O TERROR Quarteto da foto causou estragos na Lituânia (Octavio Passos/Getty Images) |
Repito: o mais importante na partida em que um vento na direção contrária daria mais trabalho que a Lituânia é que, mesmo com as facilidades. Fernando Santos não caiu na tentação de usar o sistema de três atacantes pouco móveis que, invariavelmente, não funciona. Mesmo Portugal perdendo a chance de fazer uma goleada histórica, de dois dígitos, o caminho esteve lá e isso é o que importa.
Para carimbar o passaporte à sétima Eurocopa seguida - e oitava no total - e defender o estatuto de dono da Europa, basta a Portugal que neste domingo vença Luxemburgo, para quem perdeu somente uma vez na história, justamente na estreia de Eusébio pela equipe nacional. Um empate ou uma derrota ainda bastam, desde que a Sérvia, terceira com um ponto a menos, não faça nada melhor contra a já classificada Ucrânia, que será cabeça-de-chave na Euro caso vença. Há ainda a hipótese de Cristiano, que somou mais três golos à conta, chegue ao tento de número 100 somente pela Seleção. A ele, que já marcou 10 nos sete jogos desta fase eliminatória, faltam somente dois.
Que o #DeixaJogar seja o mote lá também.
Rui Patrício: foi aplaudido quando tocou na bola pela primeira vez, já depois de uma hora de jogo. Há quem diga que saiu para jogar uma sueca, mas ninguém terá notado, pois a bola não andou pela sua área.
Ricardo Pereira: lembrou-me os treinos contra cones, exceto pelo fato de os cones atrapalharem mais que os lituanos. Em todo caso, entrou na briga por uma das vagas na lateral direita.
José Fonte: pode ser que tenha acompanhado Rui Patrício na sueca. Não sabemos, pois a bola raramente esteve perto de si.
Rúben Dias: o futuro melhor zagueiro do mundo terminou o jogo sem um pingo de suor no rosto e o penteado impecavelmente preservado.
Mário Rui: não deixem que Luis Felipe Vieira saiba que teve uma boa atuação.
Rúben Neves: na falta de Willian Carvalho, devolveu a Portugal a classe na saída de bola. Que o faça também em jogos maiores, pois bola para isso ele tem.
Pizzi: surpresa na escalação, foi mais espantoso o fato de ter combinado à perfeição com Ricardo Pereira, que era do Porto, e Bruno Fernandes, que ainda é do Sporting. Poderia, no momento do golo, agradecer a Fernandes o convidando para ter consigo à Luz, em vez de voltar a Alvalade. Seria mais feliz, certamente.
Bruno Fernandes: a felicidade ao abraçar Pizzi na comemoração do gol contrastou com a tristeza ao se lembrar de que, na segunda, volta ao Sporting. (João Moutinho: entrou para treinar um bocadinho mais).
Bernardo Silva: brilhante até mesmo quando não quer ser. O suficiente para me fazer voltar a gostar de futebol. Que o mister não o prenda à linha em jogos difíceis (Bruma: entrou para colocar mais um jogo no currículo).
Gonçalo Paciência: apesar da má pontaria, sempre foi uma grande opção na preparação de jogadas, nos espaços abertos e na colocaçao para receber a bola.
Cristiano Ronaldo: sem muito esforço, mandou mais três para a conta e, o mais notável, não reclamou ao ser substituído. Diogo Jota: estreou na equipe A e poderá contar aos netos que fê-lo no lugar de Cristiano, sem que esse fizesse cara feia.