quinta-feira, 23 de maio de 2024

Pílulas amadoras - 13

*Por Humberto Pereira da Silva

O Senhor Champions League (Getty Images)

Enquete é enquete e o ponto de partida de qualquer uma é gerar discordância.  O que não se deve esquecer em qualquer enquete: é soma de votos. Mas vamos lá: soma de votos da revista britânica FourFourTwo elegeu Cristiano Ronaldo como melhor jogador europeu de todos os tempos. Só para variar, eu discordo.

CR7 ficou na frente de Cruyff, Beckenbauer e Zidane. Esse seria, nessa sequência, meu Top 3. Destaco, de qualquer forma, duas coisas inevitáveis nesse tipo de enquete: a memória e o bombardeio de imagens de hoje. Puskas é 11º e Eusébio, 12º.  Eu não os vi jogar e as imagens deles são raríssimas. [N.E.: a revista Placar, referência brasileira no futebol, organizou a lista dos craques do Século XX a partir de votos de jornalistas das principais publicações esportivas do mundo e tanto Puskás quanto Eusébio - sétimo e nono, respectivamente, estavam no Top 10 mundial].

Em qualquer tipo de escolha faltam critérios e sobram subjetividade, impressão; não é possível ter critérios objetivos pra dizer que CR7 é superior a Eusébio, ou Puskás. Não sendo possível qualquer comparação, há algo nessa "escolha" que merece atenção. As opiniões sobre CR7 vão de A a Z. Há quem o veja apenas como um jogador comum e que se beneficia de enorme publicidade. Mas, vemos com a enquete FourFourTwo não ser pequeno o número dos que o veem como o melhor da Europa na história. 

Quando se pensa nos melhores da história, os sul-americanos de fato são mais lembrados que os europeus. Com ou sem memória ou volume de imagens circulando nos meios midiáticos. A arte de um Pelé, Garrincha, Maradona ou Messi é bem distinta da de Cruyff, Beckenbauer, Zidane ou CR7. Então fiquemos na Europa.  Se eu não colocaria CR7 no meu Top 3, igualmente não vejo absurdo nele ser para muitos o melhor jogador europeu da história. Ou, não vejo que na Europa houve jogadores que chegaram à dimensão de Pelé e Maradona. 

Qualquer lista europeia para mim será sempre fluida, maleável. Não vi George Best, mas, 14º, pela mitologia em torno dele, que tipo de jogador ele seria? Best talvez ilustre como memória afetiva e volume de imagens são determinantes nessas enquetes. E não devemos nos esquecer de que ele fez sua carreira vestindo a camisa do Manchester United, britânico como a FourFourTwo.

Considero, ainda, numa enquete assim. Ela comporta um sentido simbólico que só o futuro pode responder. A se percutir exaustivamente que CR7 é o melhor jogador europeu de todos os tempos, CR7 será mesmo o melhor jogador europeu de todos os tempos. Discordâncias sempre existirão. Pelé não escapa a quem ponha exageros em seus feitos. Mas a discussão é para quem acha exagero Pelé ter sido o melhor da história se ele foi ou não o melhor. 

Nesse sentido, é o que me parece uma escolha como a da FourFourTwo pode causar. A discussão se CR7 passará à história ou não como o melhor europeu.

* Humberto Pereira da Silva é professor de Ética em Jornalismo

quinta-feira, 16 de maio de 2024

Pílulas amadoras -12

*por Humberto Pereira da Silva

 (Foto: Mateo Villalba / Getty Images)

Real Madrid e Bayern de Munique fizeram uma segunda partida da Champions no Santiago Bernabeu cercada de enorme expectativa. No jargão boleiro, duas das mais pesadas camisas do mundo definindo uma das vagas à final, tendo empatado na Alemanha por 2 a 2 o primeiro jogo. Duelo eletrizante, o Real, como só o Real faz, perdia em casa por 1 a 0, mas virou a partir dos 43 minutos do segundo tempo. Mas, no último lance de um embate em altíssima temperatura, teria havido o gol de empate do Bayern e a consequente prorrogação.

Teria, mas não! O bandeirinha ergueu a bandeira. E antes da conclusão da jogada, o árbitro apitou. A marcação: impedimento do jogador do Bayern. Em casos assim, seguindo o protocolo, o VAR não é, nem pode, ser solicitado. As imagens de TV, de qualquer forma, sem as tais linhas traçadas, deixam todas as dúvidas possíveis. O correto seria deixar a jogada seguir e o VAR depois diria se por "milímetros" houve ou não impedimento.

Alguns até serenos diriam: a arbitragem mais uma vez a favor do Real; outros mais coléricos esbravejariam: o Real sempre ganha roubando. É, mas na mesma partida o VAR anulou um gol do madridista Joselu: o lance seguiu até o fim e foi corrigido com o auxílio da tecnologia. Ora pois.

Mais. Com toda tensão do final, perdendo como perderam, ouvi de Hummels e Müller o lamento pelo "erro de arbitragem". Os dois, ao mesmo tempo, exaltaram o triunfo do Real. Descontentes, claro, que uma partida tão intensa tenha sido decidida num "erro".

A questão para mim é que os bávaros, sem dizer, sabem que tinham a partida nas mãos. Sabem que falharam nos momentos finais. Não transferiram a culpa pela derrota ao "erro de arbitragem". Essa mentalidade é a maneira de lidar com as infindas contingências em uma partida de futebol. Erros, falhas, são lamentados. Mas tão somente lamentados. 

No Brasil, contudo, não há a mais remotíssima possibilidade de um pênalti, marcado ou não, não gerar toda sorte de discussões, acusações, ofensas, agressões.  É como se a marcação, ou não, fosse decidida a bala. Com a imprensa esportiva pondo óleo quente na fervura, praticamente não há partida de futebol no Brasil sem confusão quanto a uma ou outra marcação. 

A coisa não só vai mudar como tende a piorar. Imprensa, torcedores, dirigentes, técnicos e, com menos intensidade, jogadores, atiçam o fogo que queima a lenha. Não vai mudar o resultado, mas gera um clima que faz valer o jargão boleiro: ganhar no grito. Um "investimento para decisões futuras", segundo o editor deste blog, meu aluno Marcos Teixeira.

Paulo Nobre, ex-presidente do Palmeiras, usou a expressão "mão grande" para se referir a favorecimento ao Flamengo. No fim, o Palmeiras acabou campeão brasileiro de 2016. Ano passado, o auxiliar de Abel Ferreira, João Martins, novamente mencionou complô para que o Palmeiras não conquistasse o bi brasileiro. Ao fim...

Ironias da vida e da lembrança. Em partida do segundo turno no ano passado, entre Flamengo e Palmeiras, que terminou empatada, o Flamengo reclamou de pênalti não marcado em Everton Ribeiro. Nesse "jogo de seis pontos" a marcação poderia, poderia, inverter o título. 

Ocorre que esse mesmo Flamengo que hoje nas primeiras rodadas do Brasileiro reclama de arbitragem faz o que o Palmeiras fez: insinuar favorecimento aqui e ali. Esse mesmo Flamengo que foi campeão brasileiro em 2020 "favorecido" pela arbitragem.

Onde quero chegar? O frequente e insensato clima de acusação às arbitragens começam a macular os títulos. O título do Palmeiras no ano passado depois da insinuação de complô para que não ganhasse mostra o quê? Que erros ao meu favor são do jogo e contra mim são premeditados? John Textor, dono do Botafogo, apelou para a inteligência artificial para insinuar que o Palmeiras foi beneficiado, mas não falou nada sobre a campanha de rebaixado que seu time cumpriu no segundo turno.

Para mim, que é preciso ter princípios morais. Dirigentes e técnicos ao se manifestarem como se manifestam são despidos de qualquer "sentimento moral". Não vejo problema algum em afirmar que não se diferenciam da malta. Dão enorme contribuição para que o futebol brasileiro, além da CBF e outras mumunhas, mais logo se iguale ao mundo da contravenção, do crime, do gangsterismo.

Ah, recentemente na volta para casa, jogadores do Fortaleza foram atacados em emboscada. Não houve mortos. É isso.

* Humberto Pereira da Silva é professor de Ética em Jornalismo