quinta-feira, 30 de março de 2017

O escorpião e o sapo

DE POUCOS AMIGOS É somente a cara. Del Nero tem na mão
 os cartolas do futebol brasileiro (Foto: Reuters/Sergio Moraes)

De acordo com a fábula do escritor grego Esopo (620-560 a.C.), o escorpião pediu ajuda ao sapo para atravessar o rio. O sapo estava receoso de ser picado durante a travessia e o escorpião argumentou que, se o picasse, os dois se afogariam. Só que o escorpião de fato picou o sapo e disse: “Perdoe-me. É da minha natureza”.

No fim de 2015, Del Nero aglutinou os clubes em torno de seu umbigo para que, por manobra, o Coronel Nunes, presidente há mais de 25 anos da Federação PARAENSE de Futebol, fosse eleito vice da região SUDESTE (que fica a pelo menos 2 mil km do Pará). O objetivo era impedir que um adversário político, Delfim Peixoto, que morreria um ano depois no acidente da Chapecoense, assumisse a presidência da CBF quando ele, Del Nero, tivesse que se “afastar” do cargo. Eram tempos de moralização do futebol mundial e o Don Juan da Barra Funda estava com aquilo na mão de as investigações do FBI respingarem nele.
Em caso de vacância do mandatário, quem assumiria a presidência seria o vice-presidente mais idoso, e este era o falecido Peixoto, 74, presidente da Federação Catarinense de Futebol e dirigente que não simpatizava com a gestão Del Nero/Marin. Então foi costurado o acordo: Antonio Carlos Nunes de Lima, de 79 anos e parceiro de longa data do ex-presidente Marin, que ainda cumpre prisão domiciliar nos Estados Unidos, enquanto aguarda julgamento, seria o candidato para concorrer a uma das vice-presidências, a do Sudeste, quintal de Del Nero.

Era a chance de os clubes livrarem-se do jugo da CBF, do clientelismo, dos desmandos e das maracutaias que os cartolas da entidade máxima do futebol estavam tão acostumados. Mas não. Nenhuma voz foi contrária ao acordo. Ninguém sequer questionou os porquês de um dirigente de uma federação completamente estranha à região, e que em meio século não havia desenvolvido em absolutamente nada o esporte do Norte do país.

Fecharam questão em torno do Coronel Nunes, de história ligada à Ditadura Militar, a suspeitas de enriquecimento ilícito e favorecimento, que foram investigadas por uma CPI na Assembleia Legislativa do Pará e não deu em nada, apesar do teor das acusações. A Comissão tinha, entre seus membros, parlamentares que receberam doações da entidade presidida por Nunes.

CORONÉ DE CAPACIDADE O caricato Coronel Nunes, homem
 de Marin e Del Nero, que presidiu interinamente a CBF
 até Il capo voltar (Foto: Lucas Figueredo/MowaPress)
 

Nada que fuja ao modus operandi da própria CBF.

Sobre ele, o “moderno” Paulo Nobre, ex-presidente/mecenas do Palmeiras, disse ter capacidade quando da vergonhosa manobra. Um escárnio. Um nojo. Depois que colocou seu capanga no posto, Del Nero enfim licenciou-se da presidência. E o cavalo passou selado mais uma vez.

Pois bem. Passado o susto e com todos os seus asseclas acochambrados sob sua asa, eis que Il Capo Del Nero resolveu passar a perna nos clubes na absurda reforma estatutária que ele mesmo promoveu (no mesmo dia do jogo da Seleção Brasileira contra o Uruguai), tirando-lhes poder e, pelo visto, se agarrando feito cipó-parasita no poder ad aeternum.

Pela reforma sugerida pela CBF, aprovada pela CBF e promovida pela CBF, as Federações passam a ter peso maior que os clubes nas eleições, o que, na prática, significa que os desejos da entidade passarão a ser ordem. Clubes e imprensa não foram avisados, tampouco a assembleia surpresa foi publicada no site da entidade, o que fere a Lei Geral do Esporte. Não pelo entendimento da CBF, entidade privada segundo qual não reconhece interferência alguma sobre seu estatuto.

Coloca-se acima do bem e do mal.

Pela reforma, haverá um conselho administrativo formado por oito vice-presidentes, o que tiraria, teoricamente, o poder do presidente. Isso se estes oito não fossem da chapa de Del Nero.


Quer saber? É bem feito! Mudo meu nome se os clubes unirem-se de fato para reverter isso. Principalmente os cartolas paulistas, esse bando de frouxos que diz amém a tudo que ele faz desde a época da FPF, quando já eram picados pelo escorpião de Esopo. 

quarta-feira, 22 de março de 2017

Vinicius Junior, a bola da vez

TEMPO DE MATURAÇÃO Vinicius Junior já é cobiçado por
 grandes da Europa (Foto: Vinicius Gregório)
“Vinicius Junior vai estrear no profissional antes de Neymar? Fla avalia”. Este é o título da matéria do ótimo Rodrigo Mattos, do UOL, sobre a mais nova promessa de craque do futebol brasileiro. Vinicius Junior, a bola da vez, tem 16 anos e idade de juvenil.
Brilhou na Copa São Paulo de Futebol Jr com o seu Flamengo, clube que orgulha-se da frase “Craque o Flamengo faz em casa”, embora não tenha feito tantos assim nos últimos anos. Seu brilho na competição durou enquanto o Rubro-Negro enfrentou catadões de qualidade duvidosa, times de empresários que empestearam aquela que era para ser a maior e melhor competição do futebol de base do Brasil, de onde saíram Falcão, Toninho Cerezo, Djalminha, Dener, Kaká e Neymar, mas hoje é um balcão de negócios dos mais ordinários. No primeiro obstáculo parrudo, sucumbiu.
Demérito algum para um menino de 16 anos.
Depois veio o Sul-Americano Sub-17, em que foi o principal destaque do título invicto da Seleção Brasileira e chamou a atenção de emblemas como Barcelona e Real Madrid, que, é o que se diz, não medirão esforços pelo garoto, cujo vínculo com o Flamengo vai até 2019 (menores de idade não podem assinar por mais de três anos e o Flamengo tenta, para julho, mês de aniversário do jogador, esticar o contrato até 2020).

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Já existe uma pressão desgraçada para que o time da Gávea inscreva o garoto nos campeonatos. Dirigentes flamenguistas adotam o discurso de que já viram histórias de joias que não foram lapidadas e acabaram se perdendo. Mattos, o jornalista, compara a trajetória dele com a de outro talento precoce, Neymar, tendo como base a idade de estreia no time principal. Neymar debutou no time de cima do Santos com 17 anos e um mês.


PRECOCE Neymar já era esperança aos 15 anos
 (Foto: Ricado Saibun/Gazeta Press)
Um dos treinadores que Neymar teve antes de estourar foi Vanderlei Luxemburgo, que não lhe deu a titularidade de vez, como parte da torcida e da imprensa exigiam. Em vez disso, foi introduzindo aos poucos o então aspirante a craque no time principal, o que, hoje, é motivo de piada entre os videntes do passado. Outro treinador ridicularizado pelo mesmo motivo é Osvaldo Oliveira, que tinha nas mãos Gabriel Jesus, que sequer havia estreado entre os profissionais e já era tratado como estrela num Palmeiras pré-Crefisa. Em 2014, Gabriel fez 37 gols em 22 jogos no Campeonato Paulista Sub-17, e destacou-se na campanha do Verdinho no ano anterior na Copinha, quando foi vice-campeão. Como Neymar, Jesus teve que esperar pela chance.
MÁQUINA DE GOLS Gabriel Jesus: estrela antes
 de chegar ao céu (Ross Setford/AP)
Estes são casos de meninos que deitavam e rolavam em cima de moleques da mesma idade e que, com cuidado e preparo, quando enfrentaram os mais velhos, também passaram por cima. Mas foram preparados, curtidos, maturados para isso. E viraram regra quando os apressados argumentam que “o craque já nasce pronto”, essa irritante frase feita que, de antemão, transforma em nada qualquer filosofia de trabalho ou projeto em longo prazo para formação de jogadores de qualidade, como a Alemanha faz. Afinal, se nascem prontos, é só esperar e torcer para que não haja nenhum desvio no caminho para que não saia da rota do sucesso nos gramados.
Pura conversa fiada.
Para cada história de sucesso, há um sem número de fracassos de garotos igualmente talentosos. Jean Chera, por exemplo. Apareceu do nada, ganhou contrato de gente grande no Santos, que arranjou emprego para o pai e o trouxe do Paraná, como fazem os clubes europeus quando querem burlar as normas de transferência de menores de 18 anos da FIFA – Messi é um caso clássico destes, em que o clube oferece emprego para o pai, que se muda de país e leva o filho com ele. Contemporâneo de Neymar, Jean Chera sucumbiu à obrigação de ser craque, muito em função da influência negativa do pai, e não deu em nada, a não ser notícia batida a cada transferência. Como Lulinha, preciosidade das categorias de base do Corinthians e que, por pressão de seu empresário, queimou etapas e, quando foi disputar com jogadores maiores (em todos os sentidos), virou sinônimo de fracasso. Piada repetida a cada história semelhante.


ETERNA PROMESSA Estigma segue Lulinha, craque da
 base que não vingou no profissional (Getty Images)
O ínfimo número de fracassos que ganham notoriedade dão a impressão de que não é algo tão corriqueiro assim. Mas é. De acordo com o estudo A Formação do Jogador de Futebol e sua Relação com a Escola, publicado em 2012, de cada 1000 meninos que sonham em ser jogadores de futebol, três conseguem ingressar na carreira. Destes, somente 3% tornam-se profissionais, sendo que muitos abandonam a carreira logo no início. Se formos pensar nos que ganham notoriedade, então, o corte é infinitamente maior. Só no Brasil, cerca de 800 times são filiados à CBF, com quase 30 mil jogadores profissionais. Destes, 82% ganham menos de R$1.000 por mês, isso quando recebem.
Qual é o apoio psicológico que eles recebem para ter tenacidade ou para lidar com o fracasso? Quantos são preparados para seguirem outros caminhos caso não passem na finíssima malha da peneira do sucesso dos campos de futebol? Quantos respondem bem quando chamados à responsabilidade de resolver as dificuldades do time numa idade em que, em condições justas, estariam no ensino médio, decidindo que caminho trilhar profissionalmente? Quantos têm uma segunda chance, no caso de fracassarem diante da expectativa criada pelo clube, que anseia por um ativo valioso em mãos, pelo agente, que o vê como uma mina de ouro a ser explorada, e até pela família, que deposita neles não raro a única chance real de tirar o pé da lama? Subiu e não correspondeu, amigo? Um abraço! A porta da rua é a serventia da casa.
Vinicius Junior precisa de tempo e compreensão, principalmente se não, como diz o jargão futebolístico, der jogador logo de cara. Inevitavelmente, cairá sobre seus ombros a pressão de ser o craque que provavelmente será se tiver espaço para tentar, errar, aprender e tentar novamente, caso falhe no alto de seus verdes anos. Para diminuir o risco de, em vez de ser como Neymar, ter uma trajetória como a de Jean Chera e virar notícia a cada clube de terceira divisão que vier a defender antes de encerrar a carreira precocemente.   
MENINO PRODÍGIO Jean Chera, com Gabigol e Neymar na base do
Santos: o mais talentoso dos três. O único que não deu jogador
 

quinta-feira, 9 de março de 2017

Sobre retranca, postura, apito e linha burra

O DONO DA BOLA Neymar só não fez chover na
 histórica goleada sobre o PSG (Getty Images)
Passadas quase 24 horas da hecatombe blaugrana pelo jogo de volta das oitavas de final da Liga dos Campeões, creio que não caibam em uma discussão os aspectos táticos vistos no Camp Nou envolvendo Barcelona e PSG. De notável mesmo, só o fato de o Barça ter abdicado dos laterais e,com três zagueiros e dois meias abertos nos flancos, ter matado um adversário que resolveu jogar com 10 atrás da linha de bola.


Parece maluquice, mas a gigante vantagem de quatro gols fez mal ao Paris Saint Germain. Isso porque Unai Emery armou o time para se defender o tempo todo e achou que seria o suficiente para não tomar impensáveis cinco gols. Tomou seis. A tática funcionou bem até os 42 minutos do segundo tempo, quando a avalanche azul e grená caiu por cima do time de Paris e um encapetado Neymar resolveu que ainda dava.

No entanto, o placar de 6 a 1 esconde tudo o que aconteceu no jogo: um Barcelona pouco inspirado no primeiro tempo, com Suárez isolado e perdido entre os zagueiros, Messi com poucas ideias e Neymar mais preocupado em reclamar do que em jogar bola. O placar de 2 a 0, muito dilatado pelo que o Barça produziu, foi um castigo merecido para quem resolveu não atacar.

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O segundo tempo começou e a mão da arbitragem resolveu aparecer. O pênalti marcado em Neymar chega a ser indecente. Meunier caiu e foi o brasileiro que buscou o contato, causou o choque. Ele tropeçou, não foi atingido. Porém, o gol de Cavani, que em condições normais teria dado a classificação aos visitantes, diminui o impacto desse lance, pois o Barcelona poderia ter marcado em outros ataques, uma vez que o gol no fim da primeira etapa foi o combustível para um reinício aceso de jogo. Caso o placar do primeiro tempo fosse a vitória mínima, alcançado logo no segundo minuto de jogo, a ausência do segundo gol no intervalo poderia representar um entrave (mais um) à missão quase impossível de reverter a vantagem da representação parisiense.

A partir daí é que a epopeia se desenha e, qualquer que seja a gravura, terá que levar um apito nela. Di Maria, melhor em campo na ida e que ficou no banco por não estar inteiro fisicamente, entrou no lugar do quase sempre apagado Lucas e teve a chance de matar o jogo, mas foi ele que quase morreu ao ser derrubado por trás por Mascherano (depois do jogo, ele admitiu ter feito pênalti no compatriota), no lance que poderia e deveria definir a partida. Na pior das hipóteses para o PSG, o penal poderia ser desperdiçado, mas haveria um jogador a mais em campo com a evidente expulsão do volante/zagueiro barcelonista, um dos esteios da equipe.

Quando um até então irritadiço, mas efetivo, Neymar achou o golaço de falta, faltavam três minutos (e três gols) para o fim do jogo. Naquele momento, se fosse um time maior, mais esperto e mais equilibrado emocionalmente, o PSG teria amarrado a partida até os 300 minutos, se fosse necessário. Aí entrou em colapso quando o árbitro inventou outro pênalti, este de Marquinhos em Suárez. O relógio já marcava 46 minutos e ninguém teve a decência de cercar o nefasto árbitro ou segurar a bola no ataque, ou mesmo “cozinhar” o jogo até o fim.

Aí veio linha burra. A um minuto do fim, com todos os jogadores na área, é inadmissível Sergi Roberto ou outro jogador qualquer receber a bola sozinho, ainda mais com uma zaga que custou o que custou.

O Barcelona, que aceitou a eliminação que parecia clara até o quarto gol, passou porque teve ânimo, porque Neymar deixou de frescura e resolveu jogar (muita) bola, mas também porque o árbitro alemão fez uma das piores e mais tendenciosas arbitragens de que se tem notícia em jogos deste tamanho, mas não dá para eximir um time que, em oito minutos, jogou fora por covardia o que construiu durante mais de 170 minutos. E que fez a linha burra mais burra da história do futebol.

MILAGRE de Santo Apito e marcação frouxa possibilitam
 a festa final (Albert Gea / Reuters)

quinta-feira, 2 de março de 2017

Causa e efeito

SHOW DE HORRORES A coletiva post-mortem da Comissão Técnica após o 7 a 1
foi mais vexatória que o próprio jogo (imagem: Eduardo Knapp/Folhapress)
No livro Gol da Alemanha (Editora Grande Área, 2014), o espanhol Axel Torres e o alemão André Schön fazem um levantamento completo para entender os caminhos percorridos na reestruturação do futebol alemão. A ideia dos autores é mostrar quando e porque começaram e como foram feiras as mudanças que fizeram os germânicos deixarem para trás o pragmatismo do futebol força para se tornarem referências na produção de jovens talentos para abastecerem os clubes da Bundesliga e, por conseguinte, o Nationalef.

O Brasil sempre foi tido como o país do futebol, mesmo antes da conquista da primeira das cinco copas. O nome Seleção Brasileira era sinônimo de alegria e beleza na prática do esporte. É o que o falecido escritor uruguaio Eduardo Galeano classificava como poesia no seu excelente e indispensável Futebol ao Sol e à Sombra. A cada ciclo, jogadores de excelência surgiam e não era raro um jogador de 30 anos ser tratado como veterano, pois a reposição era rica e constante. Também não era incomum um jogador acima da média ser descartado pelos conjuntos que disputaram mundiais, como Ivair, Enéas, Neto (em 1990), Evair, Djalminha e Alex. A ideia de que seria possível formar três times competitivos simultaneamente não era nenhum disparate. Vou escusar-me de tratar do livro em si, pois quero mesmo é traçar um comparativo com o futebol brasileiro do pós-7 a 1 e quem quiser fazê-lo pode ler o livro. Antes, porém, destaco que, desde 1954, quando foram campeões pela primeira vez, os alemães não chegaram ao menos às semifinais dos mundiais em 1962, 1978, 1994 e 1998. Quando somaram dois mundiais seguidos caindo nas quartas-de-finais, o sinal vermelho foi ligado e a necessidade de mudança ficou clara, mesmo que, no ínterim entre as copas de 94 e 98, a Alemanha tenha sido campeã europeia em 1996.

Comparando com o mesmo período apontado acima, o Brasil não esteve entre os quatro melhores em 1954, 1966, 1982, 1986, 1990, 2006 e 2010. Ao contrário da Alemanha, porém, o futebol bonito, sobretudo o dos anos 1980, com Telê Santana no comando e jogadores como Zico, Júnior, Falcão, Cerezo, Éder, Sócrates, Luizinho e Careca a desfilar seu talento nos campos de todo o mundo, além da já citada reposição, serviam como credencial para seguir com o trabalho que era feito.

Por muitos anos, vendeu-se a ideia de que o Campeonato Brasileiro era o mais forte do mundo por ter, de saída, pelo menos três times em condições de serem campeões. Ledo engano. O Brasileirão é equilibrado, mas isso não significa necessariamente que seja bom. Não é. É nivelado por baixo, bem por baixo, e dá para contar nos dedos os jogos memoráveis das últimas edições. De bate-pronto, só me lembro do histórico Santos 4 x 5 Flamengo de 2011 e do 2 a 2 entre Atlético Mineiro e Flamengo no ano passado, mas mais pelos cinco minutos finais do que por tudo o que foi construído durante os outros oitenta e poucos minutos.

Pouco para quem a fama que tem (ou tinha) o ludopédio tupiniquim.

Se os alemães resolveram, segundo Torres e Schön, tocar a própria ferida e mudar tudo, como fizeram, o Brasil segue andando para a frente enquanto olha o retrovisor. Eles chegaram à conclusão de que, para se ter uma seleção forte, era preciso que os clubes formassem jogadores de boa qualidade técnica. Então todos os clubes se comprometeram a implementar o mesmo sistema de jogo desde a base até o profissional, com método, trabalho e tempo para os frutos serem colhidos. Por aqui, os clubes menores arrendam as categorias de base a empresários e, no primeiro sinal de talento, perdem um jogador que na verdade nunca foi seu, embora exista a obrigação de haver um registro na federação, o que, na prática, não representa nada.

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Como os times pequenos, antigos fornecedores de talento para os grandes, agonizam, a saída encontrada foi, em vez de reestruturar o futebol daqui, buscar atletas em outros centros. Por pior que esteja, a economia brasileira ainda possibilita que os clubes contratem jogadores vindos de diversos países da América do Sul ou que repatrie nomes de peso que não encontrem lugares nos melhores mercados europeus. Nas décadas de 1970 e 1980, destaques de clubes dos países vizinhos eram trazidos para cá, ao passo que, hoje, é praticamente impossível haver um único emblema brasileiro sem jogadores estrangeiros, e são poucos os que agregam valor técnico aos campeonatos disputados.

Acha exagero meu? Apontem a última temporada europeia de destaque do meia Diego, hoje no Flamengo, antes de voltar para cá. Robinho, um dos melhores jogadores do último Brasileirão quando vestiu a camisa do Atlético Mineiro, estava apagado no pior Milan dos últimos anos. Elias, que chegou à Seleção Brasileira quando brilhou no Corinthians, não conseguiu se firmar no Atlético de Madrid e no Sporting, este disputando uma liga de segundo ou terceiro escalão no Velho Continente, a Portuguesa. E nenhum deles veio ganhando pouco.
O exemplo mais recente de que o 7 a 1 não serviu para absolutamente nada foi a demissão de Rogério Micale da Seleção Sub-20, que conseguiu não se classificar para o mundial da categoria ao terminar em quinto lugar o hexagonal final do Sul-Americano do Equador, que reservou quatro vagas, sendo que uma delas ficou com a Venezuela. Micale assumiu o comando no lugar de Alexandre Gallo, demitido após o fraco desempenho mostrado na competição continental de 2015, mas que se classificou com a última vaga. Faltavam 20 dias para a estreia no Mundial e, ainda assim o Brasil apresentou um futebol vistoso, embora tenha perdido a final para a Sérvia.

Era um respiro de bom futebol no pós-7 a 1.

Como Dunga caiu e Tite não quis ser o treinador na Olimpíada, como queria a perdida direção da CBF, foi com Rogério Micale que o Brasil, que começou claudicante, conquistou a medalha de ouro. Vale salientar que, na competição, o único dos candidatos ao pódio que não teve problemas com liberação de jogadores foi o Brasil. Tatá Martino demitiu-se da Argentina por não ter apoio da AFA para montar a equipe que viria ao Brasil; Rui Jorge, selecionador português, teve que convocar 52 jogadores para conseguir ter 17 nomes – seriam 18, mas um foi cortado 40 minutos antes da divulgação da lista pela não liberação do seu clube -, sendo somente 11 dos quais os que seriam convocados caso não houvessem problemas com as suas liberações. A Alemanha, que terminou com a prata e dominou boa parte da decisão, veio com uma equipe alternativa também.

E, convenhamos, o futebol olímpico não passa de um campeonato sub-23 banhado a ouro e que não conta, por razões políticas e de marketing, com a chancela da FIFA. É este o título que o Brasil conquistou.

Poderíamos alegar que o cenário não é o mais catastrófico e desalentador possível, pois mesmo com a goleada sofrida no malfadado Mineiraço do dia 8 de julho de 2014, a Seleção chegou às semifinais de uma Copa do Mundo, o que não aconteceu com o grupo recheado de craques de 2006 e com o bom time de 2010, mas o futebol apresentado nos gramados brasileiros foi o mais questionável possível: venceu a Croácia com a ajuda da arbitragem; empatou com o México tendo passado sustos na defesa; goleou Camarões por 4 a 1, é verdade, mas os africanos estavam desfalcados dos dois principais jogadores (Song e Eto’o) e já estavam eliminados, e ainda criaram problemas quando chegaram ao gol de empate.

Nas oitavas, foi bem demais até tomar o gol de empate do Chile e quase caiu no fim da prorrogação, quando Pinilla acertou o travessão de Julio César. A melhor apresentação brasileira foi nas quartas-de-final, quando jogou com o coração e venceu a excelente e superior Colômbia. A partir daí todo o desequilíbrio técnico, tático e emocional da equipe foi canalizado e flagrante na vexatória derrota para a Alemanha. O 3 a 0 para a Holanda, na disputa do terceiro lugar, foi apenas o impacto de um time completamente desmoralizado e que não priorizou os treinamentos durante a competição.

Micale caiu porque não classificou a Seleção ao Mundial da Coreia do Sul, mesmo não tendo à disposição um grupo de jogadores qualificado. E não o tinha porque simplesmente não há um método de trabalho nos clubes que possa garantir a geração de talentos em grande escala. Os times de base nos grandes clubes são montados com o intuito de: a) vencer campeonatos; b) vender jogadores; c) distribuir cargos de acordo com a conveniência política. Isso sem contar que, quando não são vendidos, os jovens mais talentoso queimam etapas e chegam crus ao time de cima. São mimados e tratados como joias quando não passam de jogadores de potencial, mas que precisam ser lapidados ainda.

Voltando ao cenário de 2014, a coletiva seguinte à humilhante e histórica derrota - quando Parreira e Felipão não admitiram em momento algum o trabalho mequetrefe e obsoleto, com um esquema de jogo manjado e um homem de área parado entre os zagueiros (coisa que nenhuma outra seleção de ponta mantinha), e que teve como ápice a leitura de uma tal Dona Lúcia, imediatamente inserida no folclore futebolístico nacional e lida pelo coordenador técnico Carlos Alberto Parreira, o mesmo que declarou que a CBF era “o Brasil que deu certo” e que a seleção brasileira “estava com uma mão na taça” antes do início da Copa - poderia ser vista à época como uma resposta de quem ainda estava, absorto, sob efeito de uma espécie de sedativo moral.

Não era.

Para a Alemanha, o 7 a 1 foi o resultado da transformação de quem percebeu que estava parado no tempo, admitiu suas limitações e explorou o melhor dos melhores nomes que tinha à disposição; para o Brasil, não foi nada mais que um apagão de oito minutos.