Prostrado. Humilhado. Vergado. Não faltam adjetivos para descrever a terrível prestação benfiquista nesta edição da Liga dos Campeões, mas poucas vezes se viu em campo uma equipa tão vulgar, indigente. Ainda mais considerando que este espantalho em forma de time de futebol - ou seria o contrário? - carrega no peito três estrelas, cada qual para uma dezena de títulos nacionais, e a reputação histórica de ser bicampeã europeia, além de outras finais disputadas antanho.
Lá se vai muito tempo, sei, desde que a maldição de Béla Guttmann caiu sobre a cabeça dos avaros dirigentes encarnados, mas nada faria supor que depois da magnífica demonstração de como jogar futebol vista na temporada passada, um rascunho formado por 11 jogadores estaria a vestir a mesma camisola.
A noite no Anoeta foi de estarrecer, de petrificar, de fazer corar de vergonha o mais pessimista dos portugueses. E olhe que falo de uma característica praticamente inata ao povo português, ainda mais quando há do outro lado 11 gajos a representar o futebol espanhol e uma bola no meio.
A Bola, maior jornal da Terrinha dedicado ao chamado desporto rei, fez uma compilação do que os jornais da Espanha disseram. A ver:
As:
"O Benfica, um brilhante bicampeão europeu, ajoelhou-se diante de uma Real Sociedad avassaladora, o que lhe deu uma lição histórica. Um banho frente a um rival que nada disse (...) O volume do seu futebol foi tão grande que rompeu os tímpanos dos lisboetas. Do aquecimento até o último apagão, foi um turbilhão que marca a época"
"Defensivamente, a equipa vermelha nem sabia para onde se virar. O Benfica ficou mumificado, era um fóssil, a agonia levou-o para uma caverna do horror. Para isso contribuiu o seu treinador, que colocou Neves na lateral, algo para o qual não está preparado, e deu a Barrenetxea uma pista para brilhar. Um cervo a dormir a sesta era mais assustador do que essas águias comidas por traças. (…) Neves foi um espectador na primeira fila. O que fazia ali o pobre rapaz?"
Sport:
"Exibição, banho, 'masterclass' de futebol, inúmeras qualificativos que demoraríamos mais tempo a procurar do que o Real levou para vencer um campeão da Europa e de Portugal como o Benfica. Parecia um jogo de profissionais contra juniores numa meia hora mágica e histórica, daquelas raramente vistas no mundo do futebol."
De certo, o leitor há de perdoar a reprodução do que parte da imprensa espanhola viu e disse, mas peço que notem o respeito para com o distintivo humilhado: 'brilhante campeão europeu", que venceu Barcelona em 1961 e, já com Eusébio, o mítico Real Madrid em 1962. Dois distintivos já enormes. O Barça com Ramallets, Evaristo de Macedo, Luis Suárez e os magiares Czibor, Kocsis e Kubala; o Real Madrid, pentacampeão, com Puskás, Di Stéfano, Santamaria e Gento.
Aquele Benfica, de Germano, Cavém, Simões, Coluna, José Augusto, José Águas e Eusébio, que mantém a reputação encarnada imaculada, nada tem a ver com este apanhado vulgar de jogadores de vermelho que ao cabo de meia hora já perdiam por 0-3, fora os dois gols anulados e o pênalti desperdiçado. O placar foi condescendente demais para a pobreza e absoluta falta de argumentos levada pelos de Schmidt a San Sebastián.
Há muito trabalho pela frente e o primeiro passo é admitir o fracasso do projeto de equipa levado a campo para esta temporada, seja com três centrais e Florentino a ter que varrer tudo sozinho e João Neves como extremo e presa fácil e entregue a Barrenetxea, que fez com ele o que quis, como quis e quando quis; seja com a linha de três médios e um avançado solo que não pressionam e deixam tudo a estoirar nos de trás, ora Florentino, ora Kokçü. Gastou-se quase 60 milhões de euros em reforços até aqui desnecessários e não há um lateral direito de raiz para colmatar as ausências de Bah pelas agruras físicas, tampouco um do outro lado que minimamente mimetize o que fazia Grimaldo, perda já cantada com um ano de antecedência. Seu substituto é Jurásek, o defesa mais caro da história do clube, que perdeu a bola 28 vezes em pouco mais de 60 minutos em campo, segundo dados do Goal Point.
Roger Schmidt, brilhante na sua temporada de estreia, parece não querer ver o naufrágio à sua frente e agarra-se a frases fáceis como "não é que o planejamento foi errado, os lesionados fazem falta" ou "realmente, não merecemos a classificação", como se houvesse viv'alma a pensar o contrário. O capitão do barco se mantém fiel às suas ideias e só não está a tocar o violino enquanto a embarcação afunda porque o que tem, quando muito, é uma tocata com instrumentos desafinados.
Ao lado, mas nem por isso menos importante, registre-se a vergonha causada por imbecis que atiraram tochas nos adeptos locais, o que poderia ter causado uma tragédia como a que aconteceu em 1996, na final da Taça de Portugal, entre Sporting e... Benfica! O fracasso do projeto desportivo quando se tem tudo à mão é de se lamentar, mas a falência cultural espelhada em indivíduos que viajam, não pelo seu clube, mas por uma realização pessoal tendo os pés fincados na violência, este sim é de se envergonhar.
Que vergonha, Benfica!