terça-feira, 29 de junho de 2010

Não poderia ter sido pior

Acabou, ainda na fase de oitavas-de-finais, o sonho de Portugal de ser campeão do mundo. Os lusos foram eliminados pela Espanha, que venceu o clássico da Península Ibérica pela contagem mínima, golo marcado pelo atacante David Villa.

A atuação frente aos vizinhos foi vexatória. Carlos Queiroz armou uma equipe extremamente defensiva, num covarde 4-1-4-1, no qual usou uma linha de quatro defensores, Ricardo Costa, Ricardo Carvalho, Bruno Alves e Fabio Coentrão, com alguma saída deste para o ataque, protegidos pelo cão de guarda Pepe. No meio, quatro jogadores de bom toque de bola, Simão, Tiago, Raul Meireles e Cristiano Ronaldo, tendo apenas a parede Hugo Almeida na frente, trombando com os zagueiros de Del Bosque.

Contra o Brasil a tática deu certo. Com Ricardo Costa na lateral direita para marcar as descidas de Daniel Alves e Michel Bastos, a seleção portuguesa pouco foi amolada. Hoje, porém, enfrentou um time cujo ponto forte é o toque de bola pelo meio, com Xabi Alonso, Iniesta e Xavi. O certo, portanto, seria reforçar a marcação no meio, escalando um lateral de ofício na beirada direita - Miguel ou Paulo Ferreira - e colocando Pedro Mendes à frente da zaga. Assim, liberaria o ala esquerda Coentrão para fazer o que sabe de melhor: apoiar o ataque.

Após uma primeira parte absolutamente equilibrada, a Espanha acertou o pé e triturou Portugal. Não fosse o guardarredes Eduardo, teria saído do Green Point com uma goleda histórica. Pelos lados espanhóis, Xavi, sem marcação especial, jogou demais. Por Portugal, Cristiano Ronaldo, como de hábito, esteve mais preocupado com o penteado e sua imagem no telão do que em honrar a braçadeira de capitão, outrora usada por gente do quilate de Coluna, Figo e Rui Costa. Ele, Ronaldo, não pode ser o líder de qualquer equipa que seja: não inspira os demais, é fominha demais, é vaidoso demais.

As apostas de Queiroz fizeram água: Pepe, que atuou na cabeça-de-área, só deu porrada nos dois jogos que fez; Hugo Almeida, que barrou o experiente Nuno Gomes, foi uma absoluta negação, técnica e taticamente. Queiroz chamou dois laterais para a direita, mas lançou mão de um zagueiro para marcar ninguém menos do que o apenas esforçado Capdevilla.

Portugal foi um time sem brio, sem luta, sem nada. Faltou de tudo para os patrícios. Faltou um líder, faltou um esquema que beneficiasse a categoria dos ótimos volantes portugueses, faltou poder de fogo. Portugal só vazou a defesa da Coreia do Norte. No mais, foram mais de 270 minutos em branco. Muito pouco para quem, após sobreviver ao inferno da repescagem durante as Eliminatórias, tinha a ambição de dobrar o Cabo da Boa Esperança com a taça de campeão a tiracolo.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Ma che vergogna, Italia!

Uma vergonha. Assim pode ser definida a participação da Itália na Copa da África do Sul. Não só pelo fato de ter sido eliminada ainda na primeira fase, mas pelo paupérrimo futebol, se é que pode ser chamado de futebol aquilo que foi apresentado pelo time de Marcelo Lippi.



Os atuais campeões mundiais chegaram ao continente negro com um time experiente, mas envelhecido e muito, mas muito, mal convocado. Lippi levou um esquadrão de jogadores esforçados, mas pouco ou nada talentosos, como Pepe, Montolivo, Iaquinta e Di Natale, enquanto gente como os fantasistas Del Piero e Totti (que levou a Roma nas costas durante o Campeonato Italiano) e os goleadores Luca Toni e Inzaghi, que fedem a gol, ficaram na Velha Bota. Isso sem contar que utilizou a base da Juventus, que realizou uma temporada ridícula.

Desta forma, o único regista da Squadra Azzurra seria Andrea Pirlo, do Milan, mas este machucou-se ainda durante a preparação. Como opções para a função, o treinador tinha Marchisio e Montolivo, que não renderam, obviamente, e o ofício de marcar os gols ficou a cargo dos tão lentos quanto limitados Iaquinta e Gilardino.

Jogadores que poderiam alterar o panorama das partidas, como Cassano e Balotelli, não foram chamados por conta da fama de indisciplinados. O resultado foi um time sem padrão tático, burocrático demais até para os padrões italianos, sem inspiração alguma e que apresentou o pior futebol que uma Itália já apresentou em um Mundial, exceto pelo final da fatídica e dramática derrota para a Eslováquia, quando a Itália finalmente foi Itália e tinha um Pirlo "meia bomba" em campo.


É correto afirmar que a Azzurra foi prejudicada pelas lesões, não só do meia milanista, bem como do craque-goleiro-mito-bandeira Buffon, mas as escolhas do técnico do tetra italiano durante a competição foram tão infelizes quanto a convocação. Camoranesi, que entrou bem nos dois primeiros jogos, foi preterido na última partida; Quagliarela, que quase operou o milagre da classificação, deveria ter tido mais chances, em vez de Pazzini e os já citados Simone Pepe, Gilardino e Iaquinta.

Nem a defesa, historicamente o ponto forte da Itália, se salvou. Marchetti não passa a mesma segurança do contundido Buffon, Chiellini esteve abaixo da crítica e o capitão Cannavaro deitou por terra toda a sua história, construída brilhantemente desde a Copa de 1998, mas que teve um melancólico ponto final no país de Nelson Mandela.

A exemplo de 2002, quando foi vergonhosamente prejudicada pelas arbitragens, os italianos poderiam até reclamar da atuação do trio inglês, que não viu a bola passar a linha do gol no início do segundo tempo, quando os eslovacos venciam por um gol, e que invalidou um gol legal de Quagliarela quando o placar marcava 2 a 1 para a Eslováquia. Acontece que a postura indigna para um país quatro vezes campeão mundial não justificaria a reclamação.

MELANCOLIA O capitão Cannavaro merecia um final diferente

Quando a poeira baixar e acabar de lamber suas próprias feridas, os italianos terão um árduo trabalho de renovação pela frente. Jogadores como Buffon, Cannavaro, Zambrotta e Pirlo deram adeus à seleção. Outros, como Santon, Candreva e Balotelli, que foram preteridos, deverão receber novas oportunidades. E que Césare Prandelle, o novo treinador, não seja um novo Donadoni.

Fotos: Reuters

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Em silêncio, mas feliz

Hoje eu passei por uma experiência interessante. Assisti ao jogo de Portugal em um hospital. Explico: minha mãe está passando por um tratamento e precisava de um acompanhante. Logo eu me prontifiquei a sê-lo.


Como fico extremamente tenso quando a Selecção das Cinco Quinas joga, ponderei que aquele seria o lugar mais apropriado para acompanhar a partida. O começo do jogo justificou esta opinião: pelota na baliza, em cabeçada do becão Ricardo Carvalho. Depois a Coréia do Norte resolver engrossar o caldo verde e deu trabalho, muito trabalho.


Ao meu lado, um senhor careca ressonava, desinteressado que estava. "Esse time de Portugal é fraco", sentenciou após um perigoso ataque dos asiáticos que o despertou. A sala de espera onde eu estava, devidamente trajado com a minha camisola verde-encarnada, tinha uma meia-dúzia de três ou quatro, se muito. Todos balançaram a cabeça, para cima e para baixo, concordando com o idoso. "Ah, nem precisa do Kaká pra ganhar", disse outro rapaz, após (mais) um passe errado do Miguel.


Eu, da minha parte, estralava as articulações dos dedos para poupar minhas unhas e suava frio. Coçava a nuca de cinco em cinco minutos, até que Raul Meireles abriu o escore, após passe de Tiago, açucarado feito um pastelzinho de Belém. A vontade era de sair gritando, mandando um solene "chupa!", mas hospital é lugar de fazer silêncio. Até o fim do primeiro tempo, Portugal tentava atacar e a Coreia do Norte permanecia bem postada, dando poucos espaços para o time de Carlos Queiroz.



O intervalo trouxe um pouco de sossego, logo quebrado pelas inúmeras mensagens provocadoras recebidas via SMS. "Depois do jogo eles me pagam", maldosamente pensei.

Na segunda parte a sala já estava repleta de secadores tupiniquins, que achavam graça no meu sofrimento silencioso. As chacotas aumentavam à medida em que o esférico teimava em não entrar. A Coréia voltou do balneário pensando que, ao contrário do que havia feito contra o Brasil, atacar seria melhor negócio. Portugal, perdulário, atacava sem parar e perdia tantas chances quantas eram criadas. Foi quando Raul Meireles achou Simão livre na área e caixa! Dois a zero e porteira aberta. Mais cinco minutos e Hugo Almeida marcou o terceiro e Tiago, o quarto. Cristiano Ronaldo, com a braçadeira, comandava, sem frescura, o time português, que não saia do campo de defesa asiático.



A esta altura, os olhares zombeteiros davam lugar a expressões preocupadas. Meu telemóvel, outrora muito requisitado, calou-se repentinamente, enquanto o capitão luso acertava outro petardo à barra, para o terror dos presentes - e o meu frisson -, que torciam desesperadamente para que o craque madridista recebesse uma cartolina amarela, já que estava pendurado. O senhor careca, acordado como nunca, mudava de ideia: "Time bom esse de Portugal..."


Em campo, o camisa sete portuga distribuía generosos passes aos companheiros, deixando-os na cara do gol. A Coréia, recuada e acuada, tentava alguma coisa em tiros de longe, mas faltava-lhe competência. Competência que não faltou a Liédson. O Levezinho, que acabara de entrar na vaga de Hugo Almeida, marcou o quinto golo.


Ao contrário dos que me acompanhavam, eu estava muito satisfeito com o que via. Enquanto eles faziam contas e, invariavelmente, confundiam-se nos cálculos de pontos, saldos, cartões e intermináveis conjecturas, eu só esperava por mais golos, que vieram pois, pelos pés de Cristiano Ronaldo e pela cabeça do Tiago, o melhor jogador em campo.



Ao final do jogo, os incrédulos e assustados assistentes que me fizeram companhia resolveram parabenizar-me. Diplomaticamente, respondi a todos com um sorriso e um simpático "tomara que empatemos na sexta", estabelecendo uma politica de boa vizinhança. Intimamente, porém, eu pensava: "empate é o cacete!" Ah, os torpedos eu deixei para responder na sexta-feira à tarde.

Fotos: Reuters

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Feio, muito feio, feio mesmo

A Copa do Mundo é um evento sui generis. É mais importante do que a Olimpíada. Logo, quando começa a chegar a hora de a bola rolar, fico ansioso. Chego a tirar férias só para assisti-la (não nesta, apesar dos meus protestos).

A Copa chegou, a imprensa, é claro, não fala de mais nada e eu estou vendo tudo o que posso. Acontece que esta é, por enquanto, a pior Copa a qual eu já assisti. Poucos golos, nada que faça jus à lembranças futuras e as irritantes vuvuzelas. Não se salva quase nada.

A primeira edição que eu vi foi em 1986, disputada no México e vencida pela Argentina de Diego Maradona. Foi a melhor também. Sem falsa modéstia, minha memória para jogos de futebol é prodigiosa. Naquele ano, as grandes seleções foram grandes mesmo. E neste ano? Fora Alemanha e Holanda, ninguém jogou.

A Argentina começou até bem, mas quase se complicou por causa das suas limitações defensivas. A empoeirada Itália fez um jogo chatíssimo contra o Paraguai, mas é a Itália... A França, que tem um ótimo elenco mas não tem time nem técnico, fez o que se esperava dela, ou seja, nada. Portugal se resumiu a um chute na trave. O Brasil penou para ganhar da Coreia do Norte. A Inglaterra não tem goleiro. Já a Espanha se superou: conseguiu perder para a Suíça. No caso da Espanha, o que surpreende é que a Fúria começou a fazer água logo cedo.

Ponderemos as possíveis causas: nervosismo da estreia, técnicos retranqueiros, bola "sobrenatural". Acontece que a tensão do debute existe desde 1930, portanto não é desculpa; os comandantes não são lá muito corajosos, mas não é a primeira vez que vemos gente privilegiando a defesa, e a bola foi concebida, de acordo com a Adidas, para aumentar a média de golos. Ao invés disto, caiu. Em 16 j0gos foram marcados 24 (média de 1,66 golo/jogo). Para se ter uma ideia de como está bravo o negócio, a pior média de todas as copas foi a de 1990: 2,22.

A verdade é que o problema está em quem veste as camisas, ecológicas ou não. Falta inspiração, faltam craques, falta tudo, falta as vuvuzelas silenciarem. Neste caso, teremos que conviver com elas até a final do Mundial, pois é da cultura da África do Sul. Se não quisessem, que não o fizessem na terra de Mandela.

A esperança é que o conforto da primeira rodada dê lugar à obrigação de vencer para não ir à última rodada com a corda no pescoço. Assim os espaços aumentem e os golos, rareados na primeira rodada, apareçam e o Mundial se salve. A primeira mostra foi dada hoje pelo Uruguai, que atropelou a anfitriã África do Sul. Honestamente, ainda bem que não estou de férias.

A Seleção de Dunga

Texto publicado também no sítio Digestivo Cultural

* por Humberto Pereira da Silva

Na Copa do Mundo de 90, na Itália, o técnico foi Sebastião Lazaroni, que um ano antes ganhara a Copa América, competição na qual o Brasil não ia bem (a conquista de 89 quebrou um jejum de quarenta anos nesse torneio, que até então era o preferido de argentinos e de uruguaios). Com a conquista da Copa América, Lazaroni teve carta branca da CBF e levou para a Itália a primeira geração pós Zico, Falcão e Sócrates. Esta geração, como se sabe, perdeu as Copas de 82 e 86. Lazaroni, então, formou uma seleção com alguns egressos de 86, mas fundamentalmente com espírito diverso da geração anterior e que tinha no meio-campista Dunga uma espécie de emblema daquele grupo que foi para a Itália com o peso de conquistar um título que há 20 anos o Brasil perseguia.
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A seleção de 90 não se deu bem, foi eliminada justamente pela Argentina de Maradona, e aquele time passou para o anedotário do futebol como a "Geração Dunga". A história tem seus caprichos e, em 94, Dunga, capitão da seleção contra a vontade de muitos que viam-no de sobrolho, levantou a Copa do Mundo, num feito esperado por 24 anos. Dunga, ainda, em 98, novamente como capitão da seleção, chegou a outra final de Copa do Mundo, contra a França. O Brasil, como todos sabem, perdeu a final, mas não lembro outro capitão de seleção em qualquer país que tenha chegado a duas finais seguidas de Copa do Mundo (quem foi o capitão italiano nas finais de 34 e 38? O jornalista Paulo Vinícius Coelho, do ESPN e jornal Folha de S. Paulo, que se esmera com memória invulgar, responderia de bate pronto?).
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Dunga e sua geração foram estigmatizados em 90, ganhou a Copa de 94, mas, quando a Copa acabou, voltou-se para a imprensa e disse "esse título é para vocês, seus traíras!" Na época, com o título, Dunga tinha um alvo bem fixo: a imprensa esportiva. O tempo passa e, após a controvertida participação na Copa da Alemanha em 2006, Dunga foi chamado pelo presidente da CBF, Ricardo Teixeira, para técnico da seleção. No início, desconfiança; depois, títulos, vitórias incontestes sobre a arquirival Argentina, sobre o Uruguai em Montevidéu, classificação antecipada para a Copa Sulafricana de 2010. Mas, após a convocação, a imprensa bate pesado em Dunga, que, quando tem microfones e holofotes, revida com virulência que impressiona.
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Recentemente, em entrevista coletiva, Dunga afirmou, para afrontar os jornalistas, que a seleção era sua. Se perder, será ele e sua seleção que serão derrotados e, portanto, alvos de ira jornalística. Dunga, por isso, foi acusado de levar para o "pessoal" o que é um trabalho jornalístico. O que se pode extrair é que Dunga, como figura do futebol brasileiro, marca como poucos (como jogador ou agora como técnico) sua passagem na seleção. Com seu estilo duro e seco, ele não agrada a gregos e troianos, mas creio que seria o caso de observá-lo com um olhar, digamos, mais pausado: ele tem história, sabe o que é futebol para além das pranchetas dos jornalistas especializados (tenho em vista principalmente Paulo Vinícius Coelho), ganhou, perdeu, foi estigmatizado e convocou uma seleção praticamente pautada pela relação de confiança num grupo que se formou ao longo desses últimos quatro anos.
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Espera-se que uma seleção não agrade a todos. A "seleção de Dunga" não é a que muitos gostariam, mas o que muitos podem não gostar, e isso não tem importância, é que ele dá a incautos e especialistas, com certa generosidade inconsciente, motivos para pensar. Se perder esta Copa, como ele e todos nós sabemos, será execrado; se ganhar, pode até ser desdenhado, como muitos desdenham a conquista de 94, mas a terá ganho e, junto ao coro dos ressentidos, ouvir-se-á: HEXA! O que se pode aprender com Dunga e sua seleção? Revelamo-nos à altura dos acontecimentos quando nos elevamos na vitória e na derrota, não quando choramos e procuramos culpados, como crianças imberbes que não têm a bola só para si.
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Mas o que quer dizer que Dunga leva para o lado "pessoal" o que seria um trabalho jornalístico? Creio que há muito tempo o trabalho da imprensa esportiva em época de Copa do Mundo, principalmente, carece de autocrítica. Para além da ajeitada de meia de Roberto Carlos na jogada que resultou no gol de Thierry Henry na derrota para a França na Copa de 2006, a imprensa tem também grande parcela de culpa pelo insucesso da seleção. O papel da imprensa esportiva é ― todos com bom senso hão de concordar ― cobrir a seleção, manter-se numa posição quase neutra para falar o que acontece, digamos, de "bom" e de "ruim". Mas muitos, muitos jornalistas acabam por ter uma influência que vai além da mera cobertura profissional. Num momento como o de Copa do Mundo, de ânimos exacerbados e de paixões incontidas, muitos jornalistas esquecem o profissional e falam da seleção como se fosse uma coisa "pessoal", de torcida a favor ou contra conforme não tenham a seleção que desejam.
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O que esperar dos jornalistas? Na posição em que eles estão, menos paixão, mais discernimento e cultura futebolística. Dunga tem história e sabe bem mais de futebol do que possa desconfiar nossa vã filosofia. O que esperar de Dunga? Que, se perder, tenha a dignidade e grandeza que tem demonstrado ao longo de sua carreira: uma derrota, como os gregos ficaram sabendo com os trezentos liderados por Leônidas em Termófilas, não é simplesmente uma derrota. Basta, para tanto, ler as belas páginas de Heródoto. As derrotas em 82 e 86 serviram para que não se cometessem erros similares em 94. A derrota em 2006 traz uma experiência a não ser seguida agora em 2010. A presença de Dunga como técnico da seleção afirma que em 2010 não se repetirá o que ocorreu em 2006.
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Dunga leva para o pessoal? Aí os jornalistas precisariam ter grandeza. Em certos momentos, argumentar que alguém leva para o "pessoal" tem algo como falar da bota do soldado antes do desembarque na Normandia. Quem entra em campo de batalha sabe o que pode sofrer, ou pelo menos o que o espera. Imagino no Dia D um soldado a reclamar que a guerra era uma questão pessoal. Estabelecidas as bases para o embate, não posso me esconder sob o manto dos sentimentos pessoais, com o risco de parecer criança sem a bola do jogo. Ao bater, é ingênuo exigir que meu oponente não me bata com força igual ou maior.
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O que parece mais saliente com esta "seleção de Dunga" é que grande parte da imprensa está tendo, como teve no passado, grande dificuldade para reagir com grandeza no caso de uma conquista ou de uma derrota. O que espero dos jornalistas em caso de uma vitória não é outra coisa senão lembrarem sempre que essa é a "seleção de Dunga", que assim se manifestou para lembrar que seu time não satisfaz o desejo de grande parte imprensa. Mas, a essa altura, alguém pode imaginar que creio que segmento expressivo da imprensa esportiva torce contra a seleção.
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Não acredito, sinceramente, que algum jornalista sério, mesmo que espinafre a seleção de Dunga, torça contra ela. Acredito é que o jornalismo esportivo no Brasil, em grande parte, reverbera a voz da galera, ecoa paixões incontidas, se dispersa em dores de jogadores como Kaká, fofocas de corredores e perde o senso de grandeza e de responsabilidade diante do evento. Raras vezes, cito Juca Kfouri (da ESPN e Folha de S. Paulo), vi um jornalista fazer meaculpa. Não é, portanto, que muitos bons jornalistas torcem, digamos, contra, é que perdem o senso do que dizem e de seus efeitos. Se não quero levar meu alvo de crítica a falar e depois, em momento de fraqueza, acusá-lo de levar para o "pessoal", eu teria que ter discernimento e acuidade para acusar a mulher de Cesar sem ofender Cesar.

*Humberto Pereira da Silva, 47 anos, é professor 
universítário de Filosofia e Sociologia e crítico de 
cultura de diversos órgãos de imprensa.