O fado representa mais que a identidade portuguesa. É a
própria alma lusitana. O drama. O destino. A luta. A batalha. A dor. O amor.
Desde sempre foi assim: Portugal se acostumou às grandes
batalhas. No Campo de São Jorge, a 1385, quando tinha um décimo dos soldados
que tinha o inimigo de Castella e que era apoiado pelo exército francês, os
comandados por Nuno Álvaro Pereira saíram do jugo de Castella e Aragão e
iniciaram a Dinastia de Avis e a época de ouro das grandes navegações.
Houve épocas em que teve que recuar, até fugir. Como quando
as tropas de Napoleão, implacáveis, invadiram Portugal a partir da Espanha e
ficaram a ver os navios com a família real atravessando o Atlântico para instalar
a coroa aqui. Napoleão, no exílio, admitiu que D. João VI fora o único a
enganá-lo.
Mas deixemos o mar.
Quando a Eurocopa começou, os lusos chegaram credenciados
por um cartel respeitável: Portugal, a única seleção européia a estar ao menos
nas quartas-de-final das últimas cinco edições, desde 1996. Não só isso: por
muito pouco não eliminou a França, em 2000, e a Espanha, em 2012. Caiu nas
semifinais para equipes que foram campeãs.
Mas isso pouco importava.
A imagem lusa para o mundo era o choro da inimaginável
derrota de 2004. Em casa. Com Figo e Rui Costa em campo. Com Felipão, campeão
do mundo. E Cristiano Ronaldo começando a escrever sua história.
Mais valia ter o fracasso como base e julgar pela campanha
ruim da primeira fase, em um grupo dos mais acessíveis. Sim, foi ruim. Foi
feio. Foi abaixo do que qualquer um poderia imaginar. Tivemos sorte de um
regulamento questionável permitir que fosse possível avançar com três empates.
Mas não temos culpa.
Esta, porém, tem quem não quis ver que Portugal mudou, que
se reinventou durante a prova. O time que mais chutava a gol, que buscava a ter
a bola. Foi preciso reconhecer suas limitações e fortalecer a retaguarda para
impelir avanços de tropas inimigas.
Para os críticos, do Novo e do Velho Mundo, Portugal é um
país fadado ao insucesso. Fomos chamados de nojentos em França. Aqui no Brasil,
era a Seleção de um jogador só, que cairia cedo ou tarde, que nunca foi nada.
A cada fase, o favorito era o adversário de Portugal, seja
quem fosse. Croácia, Polônia, até País de Gales. E, enfim, a França.
E era loucura mesmo apostar em Portugal na final.
Enfrentaria a dona da casa, com mais camisa, mais time (embora sem um
protagonista de respeito), com a torcida toda a favor, com o Saint Denis lotado
a cantar Allez Le Bleus. E com o retrospecto todo a favor, posto que não perdia
para o oponente da decisão havia 41 anos.
Perto de Aljubarrota, isso era só mais um reino a ser
vencido.
Quando Cristiano tombou, aos 8 minutos, houve um rearranjo
no tempo e no espaço. Voltamos a 2004. Os medos todos. Os fracassos. A bola na
trave. O gol de ouro. Poborski. A morte súbita. A França. Alcácer Qbir. A
Grécia. A França.
A França, que ficou anestesiada. Inexplicavelmente, não cresceu.
Não teve volúpia, como quem perde a referência, o ponto a ser mirado. Portugal
viu seu capitão tombar e agigantou-se. O choro do herói caído foi o aditivo que
faltava aos outros 22 heróis. Todos eles. Os navegadores todos no mar verde de
Paris. Cabral. Vasco da Gama. Coluna. Eusébio. E uma nova página a ser escrita.
Camões, Fernando e todas as suas Pessoas dentro de 11 camisas.
Quando acabou o tempo normal e Cristiano Ronaldo voltou ao
relvado, foi mais que um adjunto de Fernando Santos. Ronaldo foi 11 milhões de
portugueses. Cristiano Manuel. Cristiano Joaquim. Ou Antonio. Ou Aurora. Ou
Jorge. Ou Maria. Ou Éder, o herói improvável. E o improvável para os outros
aconteceu. Para os outros!
Portugal cresceu quando precisou e mostrou o seu tamanho ao
mundo. 2004 finalmente acabou. Para desespero de quem se acostumou a nos olhar
por cima dos ombros. Que nos respeitem como grandes que, enfim, somos.
*Texto originalmente publicado em psicodoidera.com.br