O dia 27 de maio tem tudo para ser uma data histórica para o futebol mundial. Não por causa de alguma conquista em campo ou algum gol digno de um Pelé, um Moreno, um Lostau ou um Dener. Neste dia, o FBI prendeu, em um hotel de Zurique, às vésperas da eleição da FIFA, que deve prorrogar o reinado de Joseph Blatter, alguns dos figurões do submundo do futebol, entre eles José Maria Marin, o controverso ex-presidente e atual vice de Marco Polo Del Nero na CBF.
O ex-presidente José Maria Marin, detido em Zurique (Foto: Ricardo Stuckert/CBF) |
Se nos gramados as potências são países com vasto histórico de craques e conquistas, abaixo deles, às sombras, quem dá as cartas são membros de países minúsculos e insignificantes (mas com direito a voto), como as Ilhas Caiman, do atual presidente da Concacaf Jeffrey Webb (outro que está ameaçado de ver o sol nascer quadrado), e Trinidad e Tobago, do ex-secretário-geral da mesma entidade, Jack Warner, atolado até o pescoço (e com os filhos) nas maracutaias envolvendo venda de ingressos e pacotes promocionais.
No território
autônomo da FIFA, esse minúsculo país situado em Zurique, algumas moedas
sustentam poder e longevidade: venda de ingressos, de pacotes de
hospitalidade (aqueles com diárias de hotéis, translado até os estádios
e ingressos) dos direitos de TV, organização de campeonatos de diversas categorias
(o que dá acesso irrestrito aos cofres públicos dos países que têm a
"felicidade" de gastar aos borbotões, mesmo não tendo dinheiro nem
para saneamento básico) e uso das marcas registradas pela entidade.
Pelos direitos de
comercialização da transmissão, segundo o jornalista escocês Andrew
Jennings (o único jornalista do mundo previamente barrado nos eventos que a FIFA organiza),
a dupla Havelange e Teixeira fez fortuna através de propina. Foi o propinoduto que chegava às contas de sogro e genro que, ainda segundo o britânico, levou a ISL, parceira da FIFA e detentora dos tais direitos de TV, à bancarrota. Propina, aliás,
que entrava como comissão e não era proibida pelas bondosas leis suíças. Não
por acaso, FIFA e COI têm sede naquele país.
Outra fonte de
renda, esta mais democrática, já que está ao alcance de todos os membros
votantes do Comitê Executivo, é a venda do voto na eleição do país-sede. A
candidatura inglesa para 2018 naufragou graças à BBC, e a Jennings, que pegaram
no pulo alguns "vendedores de convicção" que negociavam seus votos
com jornalistas que se passaram por intermediários. Esses membros do Comitê Executivo foram severamente punidos,
não pelo ato em si, e sim por terem sido descobertos.
Por muito tempo,
alguns membros, sobretudo de países como Camarões e Nigéria, foram parceiros de
delito dos posseiros de Zurique, nomeadamente Havelange e Blatter. Quando
quiseram, em vez das rebarbas, o filé mignon, foram expulsos do clube, sob
alegação de corrupção. Viraram bode-expiatório e exemplos do que aconteceria com que se atrevesse a querer um quinhão maior das benesses da bola.
O FBI esperou pela eleição da entidade máxima do futebol para pegar todos de uma só vez, na surdina, na moita. E conseguiu. No entanto, trata-se de gente muito poderosa (e perigosa na mesma proporção). Ainda não seria de se estranhar se conseguirem se livrar. O chefe do bando, mesmo, não está entre os presos. Fosse um órgão minimamente decente, a eleição já estaria cancelada até segunda ordem, mas se minimamente decente fosse, a ação da polícia americana não teria sido necessária.