quinta-feira, 16 de maio de 2024

Pílulas amadoras -12

*por Humberto Pereira da Silva

 (Foto: Mateo Villalba / Getty Images)

Real Madrid e Bayern de Munique fizeram uma segunda partida da Champions no Santiago Bernabeu cercada de enorme expectativa. No jargão boleiro, duas das mais pesadas camisas do mundo definindo uma das vagas à final, tendo empatado na Alemanha por 2 a 2 o primeiro jogo. Duelo eletrizante, o Real, como só o Real faz, perdia em casa por 1 a 0, mas virou a partir dos 43 minutos do segundo tempo. Mas, no último lance de um embate em altíssima temperatura, teria havido o gol de empate do Bayern e a consequente prorrogação.

Teria, mas não! O bandeirinha ergueu a bandeira. E antes da conclusão da jogada, o árbitro apitou. A marcação: impedimento do jogador do Bayern. Em casos assim, seguindo o protocolo, o VAR não é, nem pode, ser solicitado. As imagens de TV, de qualquer forma, sem as tais linhas traçadas, deixam todas as dúvidas possíveis. O correto seria deixar a jogada seguir e o VAR depois diria se por "milímetros" houve ou não impedimento.

Alguns até serenos diriam: a arbitragem mais uma vez a favor do Real; outros mais coléricos esbravejariam: o Real sempre ganha roubando. É, mas na mesma partida o VAR anulou um gol do madridista Joselu: o lance seguiu até o fim e foi corrigido com o auxílio da tecnologia. Ora pois.

Mais. Com toda tensão do final, perdendo como perderam, ouvi de Hummels e Müller o lamento pelo "erro de arbitragem". Os dois, ao mesmo tempo, exaltaram o triunfo do Real. Descontentes, claro, que uma partida tão intensa tenha sido decidida num "erro".

A questão para mim é que os bávaros, sem dizer, sabem que tinham a partida nas mãos. Sabem que falharam nos momentos finais. Não transferiram a culpa pela derrota ao "erro de arbitragem". Essa mentalidade é a maneira de lidar com as infindas contingências em uma partida de futebol. Erros, falhas, são lamentados. Mas tão somente lamentados. 

No Brasil, contudo, não há a mais remotíssima possibilidade de um pênalti, marcado ou não, não gerar toda sorte de discussões, acusações, ofensas, agressões.  É como se a marcação, ou não, fosse decidida a bala. Com a imprensa esportiva pondo óleo quente na fervura, praticamente não há partida de futebol no Brasil sem confusão quanto a uma ou outra marcação. 

A coisa não só vai mudar como tende a piorar. Imprensa, torcedores, dirigentes, técnicos e, com menos intensidade, jogadores, atiçam o fogo que queima a lenha. Não vai mudar o resultado, mas gera um clima que faz valer o jargão boleiro: ganhar no grito. Um "investimento para decisões futuras", segundo o editor deste blog, meu aluno Marcos Teixeira.

Paulo Nobre, ex-presidente do Palmeiras, usou a expressão "mão grande" para se referir a favorecimento ao Flamengo. No fim, o Palmeiras acabou campeão brasileiro de 2016. Ano passado, o auxiliar de Abel Ferreira, João Martins, novamente mencionou complô para que o Palmeiras não conquistasse o bi brasileiro. Ao fim...

Ironias da vida e da lembrança. Em partida do segundo turno no ano passado, entre Flamengo e Palmeiras, que terminou empatada, o Flamengo reclamou de pênalti não marcado em Everton Ribeiro. Nesse "jogo de seis pontos" a marcação poderia, poderia, inverter o título. 

Ocorre que esse mesmo Flamengo que hoje nas primeiras rodadas do Brasileiro reclama de arbitragem faz o que o Palmeiras fez: insinuar favorecimento aqui e ali. Esse mesmo Flamengo que foi campeão brasileiro em 2020 "favorecido" pela arbitragem.

Onde quero chegar? O frequente e insensato clima de acusação às arbitragens começam a macular os títulos. O título do Palmeiras no ano passado depois da insinuação de complô para que não ganhasse mostra o quê? Que erros ao meu favor são do jogo e contra mim são premeditados? John Textor, dono do Botafogo, apelou para a inteligência artificial para insinuar que o Palmeiras foi beneficiado, mas não falou nada sobre a campanha de rebaixado que seu time cumpriu no segundo turno.

Para mim, que é preciso ter princípios morais. Dirigentes e técnicos ao se manifestarem como se manifestam são despidos de qualquer "sentimento moral". Não vejo problema algum em afirmar que não se diferenciam da malta. Dão enorme contribuição para que o futebol brasileiro, além da CBF e outras mumunhas, mais logo se iguale ao mundo da contravenção, do crime, do gangsterismo.

Ah, recentemente na volta para casa, jogadores do Fortaleza foram atacados em emboscada. Não houve mortos. É isso.

* Humberto Pereira da Silva é professor de Ética em Jornalismo

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