*Por Fabio Venturini
A Copa do Mundo apenas mostrou o que tem de pior no futebol
brasileiro. Desde 2010 tinha muito medo de que se repetisse uma catástrofe na
Copa do Mundo do Brasil. Com o Uruguai bem na África do Sul pensei em um novo
Maracanazo ou uma derrota para a Argentina. A vergonha foi diferente e pior,
pois se uma derrota para um rival vizinho é dolorida, tomar sete de qualquer
adversário que seja é humilhante, desonroso. Porém, brasileiro nenhum pode
reclamar de ser surpreendido ou achar que não estava anunciado. Não foi um
pesadelo. Pelo contrário, foi um choque de realidade em quem tinha um sonho
absurdo de ser feliz em cima de estruturas tão frágeis para o esporte.
Crônica esportiva – Quando era estudante de jornalismo ouvia
que jornalismo esportivo era o reduto dos que não teriam condições de trabalhar
em outras editorias. Achava absurdo, desrespeitoso. Hoje penso que é incorreto
e generalizante, pois uma maioria absolutamente limitada intelectualmente e que
sequer sabe fazer uma mínima análise da realidade de forma honesta mancha um
setor inteiro do jornalismo. Aqueles "Pachecos" que adoram jargões e agora
liderarão a caça às bruxas são os mesmos que em 2010 pressionaram a CBF para
mudar tudo na seleção e excomungaram Dunga e Felipe Melo. Os mesmos que fizeram
matérias e editoriais em 2011 para criticar a revista inglesa FourFourTwo por
ter apontado todos os problemas do futebol brasileiro, como se fosse uma
perseguição, não uma análise precisa. Pois bem, atendendo ao apelo do
pachequismo liderado pelas Organizações Globo, em vez de ter um time pronto a
partir da África do Sul para aperfeiçoar com novos talentos foi tudo recomeçado
do zero. Em vez de melhorar a seleção e o esporte internamente, a CBF continuou
seu caminho de transformar tudo num zaralho com jogos às 22h. A injustiça com a
crônica esportiva, salvo algumas exceções, como a ESPN, se dá no sentido de
que asneiras do mesmo nível saem das crônicas política, econômica, policial.
Organizações Globo – Se há o corrupto, devemos encontrar o
corruptor. Quem faz de tudo para transformar futebol em um elemento da grade de
programação com mera finalidade de garantia de audiência e alienação do
telespectador é o grupo da famiglia Marinho. Antecipam cotas a clubes
totalmente zoneados, prendem os clubes dirigidos por pessoas de conduta
questionável, age como agiota para manter a propriedade sobre o futebol
brasileiro. É dona da CBF, lidera as campanhas para troca de treinador, escolha
do novo, elege os candidatos a ídolo nacional e seus capos se orgulham de dizer
nos bastidores do futebol que podem escolher datas e horários de jogos porque é
a TV quem paga por isso. Pois é, ao lado da sua subordinada CBF, as grandes
responsáveis não por um 7x1, mas pelo estado de petição de miséria que se
encontra o futebol brasileiro. E se um dia os clubes e campeonatos daqui
acabarem porque estas duas entidades filhotes da ditadura assim conduziram a
situação, a Globo não terá o menor pudor em comprar direitos de outros esportes
que se encaixem na sua grade de programação. Nós gostamos de futebol, a Globo
de poder. O que faz no esporte fará, a partir de 14/7, com as eleições.
Confederação Brasileira de Futebol – A mesma trupe está na
CBF desde 1989, sendo que naquela época já não houve muita renovação do que
vinha antes. Ricardo Teixeira liderou a Confederação em episódios como a mudança
de fórmula durante campeonato para classificar o Flamengo para a segunda fase,
salvação de fluminense (três vezes), Corinthians e Botafogo de rebaixamentos no
campo, sucateamento desportivo e embelezamento estrutural às custas de
compromissos governamentais com eventos esportivos de grande porte. Sabedor
desde 2003 de que a Copa seria no Brasil, Teixeira e seus asseclas não se
dignaram a preparar uma seleção decente acreditando no mito de que no Brasil
nascem craques por bênção da natureza, não por condições sociais. Dedicaram-se
à construção civil, ao turismo, à operação de entretenimento e deixaram o
futebol nas mãos de dirigentes de clubes, federações e treinadores, enquanto a
especulação imobiliária acabou com campos de várzea, empresários empurraram
pernetas de escolinhas de futebol goela abaixo dos clubes grandes e os melhores
talentos saíram do País aos borbotões antes de sequer jogarem uma única partida
de primeira divisão do lado de cá do Atlântico.
Treinadores péssimos – Por falar na pior derrota, devemos
nos lembrar da pior vitória do futebol brasileiro, em 1994. Naquela época havia
no Brasil dois times que bateriam hoje em Barcelona e Bayern com desenvoltura. O
São Paulo de Telê Santana era um dos melhores times do futebol mundial do
século XX. O Palmeiras de Vanderlei Luxemburgo tinha condições de sozinho
ganhar a Copa realizada nos Estados Unidos. E fomos com Parreira retrancando
até contra Rússia e Camarões, montando um time de brucutus que davam bicão para
o Romário decidir lá na frente, assim como Felipão e Parreira tentaram fazer
com Neymar este ano. Desde aquela vitória nos pênaltis contra uma Itália que
tinha seus dois melhores jogadores (Baresi e Baggio) com os joelhos machucados, o
“ganhar feio” virou regra e inspirou uma geração inteirinha de treinadores
obsoletos, retranqueiros, desatualizados, marrentos e que foram campeões
colocando camisas gigantes atuando como se fossem o Novorizontino. Felipão e
Parreira têm culpa, mas deve ser dividida com outros. Enquanto a Argentina
produziu Marcelo Bielsa, Tata Martino e José Perckerman, aqui no Brasil a
crônica esportiva alienada elevou ao nível de grandes treinadores de futebol
senhores como Muricy Ramalho, Celso Roth, Tite, Mano Menezes, Abel Braga e
outros retranqueiros incorrigíveis.
No jogo, Felipão dormiu e acordou em 2002 – A extrema
arrogância do técnico brasileiro ao achar que basta formar uma “famiglia” e
usar autoajuda para ganhar Copa chegou ao nível do ridículo. Obsoleto,
desatualizado, sequer teve a capacidade de entender que não poderia ir para
cima do melhor time do mundo. Sacou uma escalação de Bernard como técnicos da
década de 1960 que escolhiam os jogadores pelo estádio, para conseguir apoio da
torcida local. Nem se a partida fosse na Ucrânia poderia colocar o jogador do
Dínamo de Kiev para ser engolido miseravelmente pelo poderoso meio-campo
alemão. Teve seu método emotivo-metafísico atropelado de tal forma pela
racionalidade germânica que os jogadores alemães tiraram o pé em respeito ao
país que tão bem os acolheram. Se não fora 10 ou 15x1 devemos agradecer ao povo
da Bahia, onde está concentrada a Alemanha, e às belezas de Santa Cruz de
Cabrália, não à obsoleta comissão técnica brasileira.
Sem torcida – Nos jogos do Brasil não havia torcedores
brasileiros. Os estádios estavam cheios de VIPs que adoram fazer selfie na
arquibancada e falar mal da Dilma. Quando a Alemanha fez o segundo gol uma
porção de oportunistas que adora dizer que estava lá onde havia o mundo olhando
abandonou o barco. Contra o México parecia que o jogo era em Guadalajara, não
em Fortaleza. Graças às prioridades de Globo e CBF tivemos uma Copa do Mundo no
Brasil em que a seleção local não atuou no Maracanã e o torcedor não pode ver
os jogos para dar lugar a um bando de coxinhas que adquiriram ingressos em meio
a uma máfia de vendas selecionadas que está sendo desmascarada pela Polícia
Federal, como já havia sido denunciado na imprensa inglesa.
Torcedor não cidadão – Foram 12 “arenas” construídas ou
reformadas. Em breve teremos de volta um campeonato horroroso, com jogadores
ruins ou decadentes e que a qualquer momento é decidido pelo Tribunal Protetor
de Cariocas Rebaixáveis. Criciúma é candidato a salvar o Flamengo da Série B
enquanto o rebaixado salvo fluminense disputará o título. A justiça do campo
fará com que os tricolores do Rio retirem título e vaga em torneio importante
de paulistas que calaram pelo descalabro feito com a Portuguesa. E o torcedor
doutrinado pelo pachequismo global bate palmas a tudo isso. Acha bonito ganhar
estádio com dinheiro público e calote inserido no planejamento, não se
escandaliza com torcida organizada servindo de milícia antimanifestação, não se
opõe à construção de quarto estádio em cidades com três clubes, como Recife e
Natal, cala quando pessoas morrem na Fonte Nova, apoia a retirada dos pobres
das arquibancadas para encher de coxinhas nas cadeiras das “arenas”. Há muitos
responsáveis que hoje querem atitudes do governo ou de dirigentes.
O futebol brasileiro está no fundo do poço. Não é de hoje,
deveriam ter percebido quando as principais lideranças eram Juvenal Juvêncio,
Andrés Sanches e Marco Polo Del Nero, sucessores de Mustafá Contursi, Alberto
Dualib, Ricardo Teixeira e Eurico Miranda. Sinceramente, 7x1 é hoje o menor dos
problemas do futebol no Brasil, pois quantifica até modestamente a diferença
entre a estruturação do futebol no Brasil, paraíso dos canalhas, e na Alemanha.
E no sentido que está tomado é sim possível cavar o fundo do poço. Plim-plim.
* Fabio Venturini é jornalista
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