quinta-feira, 10 de julho de 2014

O fundo do poço pode ser cavado

*Por Fabio Venturini

A Copa do Mundo apenas mostrou o que tem de pior no futebol brasileiro. Desde 2010 tinha muito medo de que se repetisse uma catástrofe na Copa do Mundo do Brasil. Com o Uruguai bem na África do Sul pensei em um novo Maracanazo ou uma derrota para a Argentina. A vergonha foi diferente e pior, pois se uma derrota para um rival vizinho é dolorida, tomar sete de qualquer adversário que seja é humilhante, desonroso. Porém, brasileiro nenhum pode reclamar de ser surpreendido ou achar que não estava anunciado. Não foi um pesadelo. Pelo contrário, foi um choque de realidade em quem tinha um sonho absurdo de ser feliz em cima de estruturas tão frágeis para o esporte.

Crônica esportiva – Quando era estudante de jornalismo ouvia que jornalismo esportivo era o reduto dos que não teriam condições de trabalhar em outras editorias. Achava absurdo, desrespeitoso. Hoje penso que é incorreto e generalizante, pois uma maioria absolutamente limitada intelectualmente e que sequer sabe fazer uma mínima análise da realidade de forma honesta mancha um setor inteiro do jornalismo. Aqueles "Pachecos" que adoram jargões e agora liderarão a caça às bruxas são os mesmos que em 2010 pressionaram a CBF para mudar tudo na seleção e excomungaram Dunga e Felipe Melo. Os mesmos que fizeram matérias e editoriais em 2011 para criticar a revista inglesa FourFourTwo por ter apontado todos os problemas do futebol brasileiro, como se fosse uma perseguição, não uma análise precisa. Pois bem, atendendo ao apelo do pachequismo liderado pelas Organizações Globo, em vez de ter um time pronto a partir da África do Sul para aperfeiçoar com novos talentos foi tudo recomeçado do zero. Em vez de melhorar a seleção e o esporte internamente, a CBF continuou seu caminho de transformar tudo num zaralho com jogos às 22h. A injustiça com a crônica esportiva, salvo algumas exceções, como a ESPN, se dá no sentido de que asneiras do mesmo nível saem das crônicas política, econômica, policial.

Organizações Globo – Se há o corrupto, devemos encontrar o corruptor. Quem faz de tudo para transformar futebol em um elemento da grade de programação com mera finalidade de garantia de audiência e alienação do telespectador é o grupo da famiglia Marinho. Antecipam cotas a clubes totalmente zoneados, prendem os clubes dirigidos por pessoas de conduta questionável, age como agiota para manter a propriedade sobre o futebol brasileiro. É dona da CBF, lidera as campanhas para troca de treinador, escolha do novo, elege os candidatos a ídolo nacional e seus capos se orgulham de dizer nos bastidores do futebol que podem escolher datas e horários de jogos porque é a TV quem paga por isso. Pois é, ao lado da sua subordinada CBF, as grandes responsáveis não por um 7x1, mas pelo estado de petição de miséria que se encontra o futebol brasileiro. E se um dia os clubes e campeonatos daqui acabarem porque estas duas entidades filhotes da ditadura assim conduziram a situação, a Globo não terá o menor pudor em comprar direitos de outros esportes que se encaixem na sua grade de programação. Nós gostamos de futebol, a Globo de poder. O que faz no esporte fará, a partir de 14/7, com as eleições.

Confederação Brasileira de Futebol – A mesma trupe está na CBF desde 1989, sendo que naquela época já não houve muita renovação do que vinha antes. Ricardo Teixeira liderou a Confederação em episódios como a mudança de fórmula durante campeonato para classificar o Flamengo para a segunda fase, salvação de fluminense (três vezes), Corinthians e Botafogo de rebaixamentos no campo, sucateamento desportivo e embelezamento estrutural às custas de compromissos governamentais com eventos esportivos de grande porte. Sabedor desde 2003 de que a Copa seria no Brasil, Teixeira e seus asseclas não se dignaram a preparar uma seleção decente acreditando no mito de que no Brasil nascem craques por bênção da natureza, não por condições sociais. Dedicaram-se à construção civil, ao turismo, à operação de entretenimento e deixaram o futebol nas mãos de dirigentes de clubes, federações e treinadores, enquanto a especulação imobiliária acabou com campos de várzea, empresários empurraram pernetas de escolinhas de futebol goela abaixo dos clubes grandes e os melhores talentos saíram do País aos borbotões antes de sequer jogarem uma única partida de primeira divisão do lado de cá do Atlântico.

Treinadores péssimos – Por falar na pior derrota, devemos nos lembrar da pior vitória do futebol brasileiro, em 1994. Naquela época havia no Brasil dois times que bateriam hoje em Barcelona e Bayern com desenvoltura. O São Paulo de Telê Santana era um dos melhores times do futebol mundial do século XX. O Palmeiras de Vanderlei Luxemburgo tinha condições de sozinho ganhar a Copa realizada nos Estados Unidos. E fomos com Parreira retrancando até contra Rússia e Camarões, montando um time de brucutus que davam bicão para o Romário decidir lá na frente, assim como Felipão e Parreira tentaram fazer com Neymar este ano. Desde aquela vitória nos pênaltis contra uma Itália que tinha seus dois melhores jogadores (Baresi e Baggio) com os joelhos machucados, o “ganhar feio” virou regra e inspirou uma geração inteirinha de treinadores obsoletos, retranqueiros, desatualizados, marrentos e que foram campeões colocando camisas gigantes atuando como se fossem o Novorizontino. Felipão e Parreira têm culpa, mas deve ser dividida com outros. Enquanto a Argentina produziu Marcelo Bielsa, Tata Martino e José Perckerman, aqui no Brasil a crônica esportiva alienada elevou ao nível de grandes treinadores de futebol senhores como Muricy Ramalho, Celso Roth, Tite, Mano Menezes, Abel Braga e outros retranqueiros incorrigíveis.

No jogo, Felipão dormiu e acordou em 2002 – A extrema arrogância do técnico brasileiro ao achar que basta formar uma “famiglia” e usar autoajuda para ganhar Copa chegou ao nível do ridículo. Obsoleto, desatualizado, sequer teve a capacidade de entender que não poderia ir para cima do melhor time do mundo. Sacou uma escalação de Bernard como técnicos da década de 1960 que escolhiam os jogadores pelo estádio, para conseguir apoio da torcida local. Nem se a partida fosse na Ucrânia poderia colocar o jogador do Dínamo de Kiev para ser engolido miseravelmente pelo poderoso meio-campo alemão. Teve seu método emotivo-metafísico atropelado de tal forma pela racionalidade germânica que os jogadores alemães tiraram o pé em respeito ao país que tão bem os acolheram. Se não fora 10 ou 15x1 devemos agradecer ao povo da Bahia, onde está concentrada a Alemanha, e às belezas de Santa Cruz de Cabrália, não à obsoleta comissão técnica brasileira.

Sem torcida – Nos jogos do Brasil não havia torcedores brasileiros. Os estádios estavam cheios de VIPs que adoram fazer selfie na arquibancada e falar mal da Dilma. Quando a Alemanha fez o segundo gol uma porção de oportunistas que adora dizer que estava lá onde havia o mundo olhando abandonou o barco. Contra o México parecia que o jogo era em Guadalajara, não em Fortaleza. Graças às prioridades de Globo e CBF tivemos uma Copa do Mundo no Brasil em que a seleção local não atuou no Maracanã e o torcedor não pode ver os jogos para dar lugar a um bando de coxinhas que adquiriram ingressos em meio a uma máfia de vendas selecionadas que está sendo desmascarada pela Polícia Federal, como já havia sido denunciado na imprensa inglesa.

Torcedor não cidadão – Foram 12 “arenas” construídas ou reformadas. Em breve teremos de volta um campeonato horroroso, com jogadores ruins ou decadentes e que a qualquer momento é decidido pelo Tribunal Protetor de Cariocas Rebaixáveis. Criciúma é candidato a salvar o Flamengo da Série B enquanto o rebaixado salvo fluminense disputará o título. A justiça do campo fará com que os tricolores do Rio retirem título e vaga em torneio importante de paulistas que calaram pelo descalabro feito com a Portuguesa. E o torcedor doutrinado pelo pachequismo global bate palmas a tudo isso. Acha bonito ganhar estádio com dinheiro público e calote inserido no planejamento, não se escandaliza com torcida organizada servindo de milícia antimanifestação, não se opõe à construção de quarto estádio em cidades com três clubes, como Recife e Natal, cala quando pessoas morrem na Fonte Nova, apoia a retirada dos pobres das arquibancadas para encher de coxinhas nas cadeiras das “arenas”. Há muitos responsáveis que hoje querem atitudes do governo ou de dirigentes.
  

O futebol brasileiro está no fundo do poço. Não é de hoje, deveriam ter percebido quando as principais lideranças eram Juvenal Juvêncio, Andrés Sanches e Marco Polo Del Nero, sucessores de Mustafá Contursi, Alberto Dualib, Ricardo Teixeira e Eurico Miranda. Sinceramente, 7x1 é hoje o menor dos problemas do futebol no Brasil, pois quantifica até modestamente a diferença entre a estruturação do futebol no Brasil, paraíso dos canalhas, e na Alemanha. E no sentido que está tomado é sim possível cavar o fundo do poço. Plim-plim.

* Fabio Venturini é jornalista

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