quarta-feira, 30 de setembro de 2015

For the good of the game

CONVERSA FIADA Para o bem do jogo?
Pensando bem, o banimento de Jack Warner da FIFA deve ser visto com reservas. De acordo com o comunicado da entidade, ele cometeu “atos de má conduta de forma contínua”. Também é acusado de receber propina (óóóóó) nos processos que definiram as sedes das Copas de 2010, 2014 e 2018. “Em suas posições como oficial do futebol, ele foi uma peça chave nos esquemas envolvendo a oferta e o recebimento de pagamentos ilegais, bem como outros esquemas envolvendo lavagem de dinheiro e sonegação”, prosseguiu a nota do Conselho de Ética da FIFA, o mesmo  que o baniu, mas já lhe salvou a pele em outras ocasiões, e por denúncias muito mais cabeludas.

Ora muito bem! O trinitário foi um dos presos pelo FBI no congresso da FIFA (o Marin das medalhas também estava lá, se lembram?) Para amenizar um pouco o tamanho da porrada, Warner prometeu colaborar com as investigações, naquele sistema tão familiar a nós, a delação premiada. Aí, amigo, não tem perdão.

Charles Blazer, norte-americano ex-secretário geral da Concacaf quando esta era presidida por Warner, seu parceirão de tramoias, foi banido no início de julho após tornar-se o principal delator do esquema. O glutão Chuck, de 70 anos, foi preso pelo FBI e também caiu na malha fina da receita americana. Aí era escolher entre entregar os parceiros ou ir para a cadeia por até 75 anos. Fácil, né?

Outro expurgado pelo íntegro e arauto da moralidade Comitê de Ética foi o catariano Mohammed Bin Hammam, que presidiu a Federação Asiática de Futebol e foi parceiro de longa data (e de longa ficha) da dupla Blatter/Havelange. Até que resolveu disputar a eleição à presidência da FIFA contra Blatter, em 2011. Com o cofre cheio e com igual disposição para agradar os delegados votantes no pleito, Bin Hammam era uma ameaça real ao império de Blatter à frente do grande negócio futebol. Aí teve sua candidatura impugnada e foi expulso pela ética entidade. "Pelo bem do jogo".

Jack não caiu porque roubou. No mundo secreto da FIFA isso não tem a menor importância. Ele caiu porque foi descoberto. Este foi seu pecado. A FIFA é mafiosa e funciona como tal: admite muita coisa, mas traição, não.

terça-feira, 29 de setembro de 2015

A vez de Warner

Sepp e Warner. Parceria na FIFA (Geoff Robins / AFP/Getty Images)
O ex-presidente da Concacaf Jack Warner foi banido do futebol. Ele era o operador do esquema de desvio dos pacotes de hospitalidade (ingressos e diárias em hotéis, que eram na teoria proibidos de serem vendidos juntos) em Copas do Mundo e demais eventos promovidos pela FIFA. Diversas vezes ele foi "punido" por causa da prática, afastado em outras, mas o negócio dos ingressos ficava a cargo dos filhos.

Warner estendeu seus tentáculos até sobre a política de seu país, Trinidad e Tobago, onde foi deputado entre 2007 e 2013, quando renunciou (adivinhem por quê?). Também era ele o responsável por cooptar e aglutinar os votos da região nas eleições para a presidência da entidade máxima do futebol mundial ou para definir as sedes das competições, que é a ocasião em que o vil metal mais corre nos lados de Zurique.

Entre outras peripécias do dirigente, está o desvio da verba destinada ao Projeto Goal, que fomenta (ou deveria fomentar) o desenvolvimento do futebol em países pobres e/ou lugares sem tanta tradição no esporte. A Concacaf, convenhamos, encaixa-se nos dois casos. E o Centro de Treinamentos que seria construído nas Ilhas Cayman nunca saiu do papel. Pergunte a Jack onde está o dinheiro.

Warner, um dos dirigentes presos neste ano em um hotel na Suíça, na véspera da eleição vencida por Joseph Blatter, também é acusado de ter abiscoitado cerca de US$ 1 milhão em doações para as vítimas do terremoto que devastou o Haiti em 2010. Um santo homem, portanto.

Não estamos habituados a ver figurões caindo, ainda mais no caso da FIFA (uma das mais obscuras organizações do mundo e envolta em denúncias desde os anos 1970, quando João Havelange derrotou o britânico Stanley Rous e, ao inaugurar o comércio de compra de votos na entidade, deu início a um dos maiores e mais corruptos impérios do mundo), mas que dá uma pontinha de esperança, isso dá.

Para ir além

Quem tiver interesse de conhecer o submundo da FIFA, leia: “Jogo Sujo” e “Um Jogo Cada Vez Mais Sujo”, do escocês Andrew Jennings; “O Lado Sujo do Futebol”, de Amauri Ribeiro Jr, Leandro Cipoloni, Luiz Carlos Azenha e Tony Chastinet; e “Jogada Ilegal” do português Luiz Aguilar. Mas é bom preparar o estômago. 

Ronaldinho, o populismo e o truque do desaparecimento

Jogar para a torcida não é uma prática recente no futebol brasileiro. Aliás, justiça seja feita, não é sequer uma exclusividade do futebol. Exemplos na política existem as montes. A isso chamamos populismo.

Ações populistas são aquelas pouco sensatas, mas que agradam à audiência, ao público, ao povo. Ao torcedor. Uma equipe lá do Rio de Janeiro vinha bem no Campeonato Brasileiro e brigava pelas primeiras posições quando resolveu trazer aquele que havia sido o melhor do mundo por duas vezes e que estava dando sopa no rico, mas desprestigiado, futebol mexicano: Ronaldinho Gaúcho.

Ronaldinho, enquanto levou uma vida de atleta, fez a diferença. Foi assim no Grêmio, no PSG e no Barcelona, onde foi aplaudido em pé pela torcida do Real Madrid, que acabava de destroçar no Santiago Bernabeu. Quando resolveu desfrutar da fama e da fortuna que a bola o proporcionou, virou o fio. Ainda jogou no Milan, mas ambos, ele e o Rossonero, já não eram os mesmos.

REVERÊNCIA Puyol entrega troféu Joan Gamper a Ronaldinho.
Barcelona venceu o amistoso em 2010 (Albert Olivé/EFE)
Prometeu ir para o Grêmio, mas mudou a rota e desembarcou no Flamengo. Veio a conquista do Campeonato Carioca, com direito à barba, cabelo e bigode. Fora de campo, porém, as farras, com direito à barba, cabelo e bigode, não deixaram que ele fosse além de um título estadual. E só. Sem brilho.

A recuperação chegou com a ida ao Atlético Mineiro, onde ajudou o clube a conquistar seu principal título, a Libertadores. Parecia que voltaria a ser o grande jogador que foi até 2005. Só parecia. Foi se esconder no Querétaro, do México. Dou um bolinho de bacalhau para quem conhecia o clube antes de ele ir para lá.

Só que nem lá ele jogou. Eis que aparece o tradicional clube carioca e resolve contar com ele. Diz-se que investiu dois milhões de reais no sonho nababesco de contar com ele. Nove jogos. Nenhum gol. Nada de assistências. Lances mágicos? Só o truque do desaparecimento.

Saiu sem sequer ter chegado. Não vai deixar saudade. Nenhuma. Que ao menos sirva para que os dirigentes, seja do tradicional time do Rio ou outro qualquer, entendam que não há estratégia de marketing que resista à falta de bola. E que Ronaldinho decida se quer preservar o pouco de poético do seu nome ou se quer seguir jogando fora o que fez entre 1999 e 2005.

sábado, 26 de setembro de 2015

A mulher de César

Getty Images
Eram jogados, redondos, 20 minutos do segundo tempo, no Camp Nou, quando Neymar isolou o pênalti que poderia ter transformado em 3 a 0 o 2 a 0 (que depois virou 2 a 1) do Barcelona sobre o Las Palmas, pela sexta rodada do Campeonato Espanhol.

Não é o primeiro desperdiçado pelo atacante e, provavelmente, não será o último. O que o difere dos demais é o momento turbulento que o expoente da geração do futebol nacional vem passando na semana que finda neste sábado.

Dentro de campo, na sapecada de 4 a 1 que o Barcelona levou do Celta de Vigo no Estádio Balaídos, foi dele o solitário gol blaugrana, quando o placar, 3 a 0, já praticamente definia o duelo. Fora dele, porém, é que o negócio está mais feio.

A Receita Federal brasileira bloqueou R$ 189 milhões do jogador, que é suspeito de sonegar cerca de R$ 63 milhões em impostos entre 2011 e 2013. O valor bloqueado corresponde ao que teria sido sonegado, acrescido de uma multa de 150%, que é aplicada quando há suspeita de dolo, fraude ou simulação. Mesmo com um patrimônio avaliado em R$ 242 milhões, o que está no nome do atacante corresponde a R$ 19 milhões. O restante está dividido entre os pais do atleta e três empresas da família.

Se o leitor reparou no período, data da época da sua nebulosa e muito mal explicada transferência do Santos para a Catalunha, quando o Peixe ficou com uma quantia módica do montante envolvido na negociação, enquanto a empresa do pai dele teria abiscoitado a bagatela de U$ 40 milhões. Lembre-se que o então presidente do Barcelona, Sandro Rosell,  é  um velho companheiro de Ricardo Teixeira, capo di tutti capi do futebol brasileiro até outro dia e igualmente sujo feito pau de galinheiro. Rosell era o todo-poderoso da Nike quando a empresa fechou o contrato de patrocínio com a CBF. Ou seja, o negócio não é para amadores. 


Final do Mundial de Clubes de 2011, quando o Barcelona já havia
 pago parte da transferência de Neymar (Yuriko Nakao/Reuters)

Obviamente, o que existe é uma suspeita de que existam irregularidades, e deve ser tratada como tal, sem julgamento prévio e com todo espaço para a defesa da parte acusada. Ainda assim, mesmo que o cidadão Neymar não tenha envolvimento direto em alguma eventual tramoia, como alegam seus advogados, é impossível dissociar o atleta, que é admirado e tem milhões de fãs, do CNPJ de suas empresas. 

Ídolo e maior nome do futebol brasileiro, Neymar é espelho para muitos jovens. Tal e qual a mulher de César, não basta a Neymar ser honesto: tem que parecer sê-lo. Ele tem responsabilidades e não pode fugir delas. 

ACIMA DA RIVALIDADE Torcedores de rival cercam
 o ídolo (Wesley Miranda)

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

O monstro e a bomba-relógio

Cena do filme "O Monstro", de Roberto Benigni
"O Monstro" é um dos melhores filmes do genial italiano Roberto Benigni. Lançada em 1994, a película traz a divertidíssima história do pintor de letreiros caloteiro Loris, vivido pelo próprio Benigni, que é acusado pelos crimes cometidos por um serial killer.

Na mesma Itália, "O Monstro" passou a ser o termo usado para designar o zagueiro brasileiro Thiago Silva por causa de suas estupendas atuações com a camisa do Milan entre 2008 e 2012. A transferência d'"Il Mostro Della Difesa" para o novo rico Paris Saint-Germain causou comoção entre os rossoneri, inconformados com a saída de seu capitão.

A consagração do defensor poderia vir na Copa do Mundo de 2014. Disputada no Brasil, seria a oportunidade de entrar para a história de vez. Afinal, o zagueiro poderia ser o primeiro capitão a erguer o troféu em casa e enterrar de vez o Maracanazzo. Isso após uma história de superação pessoal, que inclui até a cura de uma tuberculose. Mas não foi bem assim que aconteceu.     

No filme de Benigni, uma série de trapalhadas coloca o desastrado Loris na cena do crime diversas vezes. Diversão garantida. Com o "monstro" brasileiro, no entanto, não teve graça nenhuma. A imagem de impávido líder do jovem escrete nacional, responsável por arrancar de vez as correntes que se arrastam no imaginário ludopédico tupiniquim, começou a ruir já nas oitavas-de-final da competição, quando desabou num inesperado e inexplicável choro momentos antes da disputa de pênaltis contra o bom time do Chile.

DESTEMPERO DO CAPITÃO O reserva Paulinho consola Thiago Silva
durante a Copa do Mundo (Wilton Júnior/AE)
No massacre da Alemanha nas semi-finais, no Mineirão, ele estava suspenso e viu de fora os desastrosos Davis Luiz e Dante sendo dominados como juvenis pelos alemães, mas sua imagem já estava avariada para ser poupado.

Quase um ano depois, o destempero do defensor voltaria a ser destaque quando cometeu um pênalti imbecil pelas oitavas de final da Liga dos Campeões, contra o Chelsea. Naquela partida, porém, ele se salvou ao marcar o gol da classificação dos franceses, que seriam eliminados pelo campeão Barcelona já na fase seguinte.

Veio a Copa América do Chile, a primeira competição oficial da Seleção após o vexame de 2014 e, outra vez, Thiago Silva, que havia perdido a braçadeira de capitão e foi chorar as pitangas para a imprensa, colocou a mão na bola dentro da área em uma jogada que não representava o mínimo perigo ao gol do Brasil. O jogo, que era tranquilo, virou um pandemônio, foi para os pênaltis e o Brasil foi eliminado. Thiago, outra vez, não cobrou.

DÁ PARA CONFIAR? Dois pênaltis infantis (Montagem: ESPN)
Mesmo atuando em alto nível com a camisa do PSG (condição, inclusive, que ele não perdeu), o destemperado Thiago não cabe na equipe nacional que busca recuperar o lugar no primeiro nível do futebol mundial, mesmo tendo qualidade técnica para tanto. É como uma bomba-relógio com o visor tapado: não se sabe quando, mas vai explodir.     

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Não tenho nada com isso?

Aylan (de roupa mais clara) e seu irmão, Galip. Mortos aos três
e cinco anos, respectivamente (The Guardian)
Sabe o menino sírio cuja foto dele morto chocou o mundo? Ele é Aylan Kurdi, de três anos. Nesta foto aqui, ele estava com seu irmão mais velho, Galip, 5, que, com sua mãe, Rihan, também morreu na travessia que faziam para fugir da Síria. Não era só "o menino que morreu afogado". Tinha nome, sobrenome e uma história cheia de sonhos, como tantos de nós. 

Sua realidade, porém, mesmo parecida com a de tantos de nós, não desperta sequer curiosidade, quanto mais compaixão. Na África, todos os dias morre gente, vítima da guerra, da fome, do ódio, da ignorância, da ganância, da nossa indiferença.


Todos os dias, milhares de refugiados arriscam a vida em nome de um futuro melhor. Tentar atravessar a fronteira do seu país dentro do capô de um carro, ao lado do motor, parece ser menos penoso do que ficar. É a única chance, mesmo remota, de sobrevivência. A única certeza de quem fica é a morte.

Fomos todos Charlie Hebdo, mesmo a França estando tão longe. Mesmo não tendo nenhum laço nos unindo aos jornalistas mortos em Paris, exceto o apreço pela liberdade. Ao mesmo tempo, alguém morria na Nigéria. De fome ou vítima de algum atentado. E sequer notamos.  


Muitas das meninas sequestradas pelo Boko Haram seguem desaparecidas. Mas é a Nigéria, né? A cor da pele, a cultura, a dignidade deles. Nada disso nos diz respeito. 


Mesmo sendo tarde, peço perdão, Aylan e Galip, por todos aqueles que morreram e por quem nós não nos incomodamos. Indiferença também mata. A humanidade não deu certo. Definitivamente.