Por Fábio Venturini*
Nessa época de consumo desenfreado por motivos religiosos,
justamente em uma religião que condena a gula e o desperdício, surgem os
irritantes especialistas de botequim em economia política, preços e tributação
sentenciando que o ovo de chocolate é caro por causa dos impostos. A resposta,
claro, é que no Brasil há muitos impostos. É o Estado quem nos faz pagar tudo
mais caro.
Como aprendi desde cedo nas aulas de matemática que quando
achamos a resposta muito facilmente, provavelmente está errada, vamos lá...
Tomemos como exemplo um chocolate qualquer. Procurando no
site das Lojas Americanas, aleatoriamente encontrei a barra de chocolate ao
leite Lacta de 150 g, que pode ser comprada por R$ 5,50 (aproximadamente 0,036
centavos por grama). Um ovo de 196 g, feito com o mesmo chocolate, sai no mesmo
vendedor por R$ 25 (ao redor de 0,127 centavos por grama). A diferença de
preços entre os produtos feitos com ingredientes idênticos é de 342,77%.
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NÃO É CULPA DO GOVERNO Valor agregado encarece o produto (americanas.com) |
Sobre a barra e o ovo de chocolate incide a mesma carga
tributária, sendo que o item pascal necessita de alguns processos a mais na
fabricação, embalagem e distribuição que justificam algum preço maior. A
moldagem é mais complexa, a inserção de alguns bombons no centro, um suporte
plástico para que fique bonito em pé, uma caixa específica para a casca fina
não quebrar. Cada um desses processos inclui equipamento, insumos, energia e
força de trabalho (pessoas envolvidas na produção).
Justifica a diferença de preços?
Ainda não. Os processos produtivos são suficientemente desenvolvidos
para reduzir o custo na escala. A Lacta faz um número alto itens de chocolate,
não precisa comprar novas máquinas, alugar novos prédios, somente por causa da
Páscoa. Pelo contrário, as fábricas de chocolate reduzem a ociosidade, tornando
o capital total adiantado mais lucrativo (olha que aqui estou desconsiderando o
uso de trabalho escravo e/ou infantil, mas não podemos deixar de lembrar esse
dado). Ademais, as lojas se preparam para vender os ovos, separam mais espaços
em gôndolas, prateleiras, poleiros na entrada, promotores etc. Não justifica
uma diferença de 342,77%. Ainda.
A carga tributária é a mesma e os custos se diluem no
esforço cooperativo para as vendas efêmeras de Páscoa. De onde vem esse alto
valor então?
Acrescentemos agora a razão estética. A efeméride da data,
que torna o chocolate na forma oval mais interessante do que uma mera barra, é
estimulada pelo desejo em conseguir a melhor configuração do produto, aquela
mais adequada à pessoa a quem se quer presentear: a Frozen para a boa menina, o
Ben 10 para o menino que combate o mal, o coração para o afeto (recuso-me a
usar “crush”) etc. Cada mudança
acrescenta um valor imaterial, aumenta o valor de troca. Você quer comer
chocolate, trabalhe para mim o equivalente a R$ 5,50. Quer comer chocolate comemorando
com alguém querido, trabalhe para mim o equivalente a R$ 25.
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Mesmo sabor, impacto diferente, menor preço (americanas.com) |
Vejamos bem, nada tem a ver com impostos. Igualmente, não se
trata de um alto preço por causa daquela lei fácil de citar, de demanda e
oferta, afinal, há chocolate aos tubos no mercado, sendo o produzido sob a
forma de ovo ofertado apenas nessa época para atender ao impulso artificial,
aquela necessidade criada pela publicidade, sem que o dono da fábrica precise
realizar investimento extra em capital fixo. Estamos diante de uma demanda regulada
pela produção. A diferença de preço de ambos, com a mesma quantidade de valor
de uso (igual número de gramas de chocolate gostoso, e digo gostoso se não for
Pan, é claro) chega a 342,77% por conta do aproveitamento do valor de troca
aumentado por razões estéticas. Se o chocolate em barra é menos procurado,
embora tenha o mesmo valor de uso (comer um doce gostoso), quando são
descontadas as motivações estéticas, é para saciar necessidades emotivas.
Você paga caro pelo que não precisa, apenas pelo que dizem
que você deve consumir.
Mas daria para ser mais barato?
Claro. Mas quanto custa uma satisfação? O vendedor embute
isso num preço. Ninguém paga 3x mais num carro de luxo no Brasil em relação a
outros países com carga tributária semelhante porque o estado é intruso na
economia, é porque quanto mais se consome para o ego, mais caro se paga. Em se
tratando de gastos de classe média no Brasil, como diria minha avó, é uma gente
que tem o olho maior do que a boca, ou a boca maior do que a barriga.
Fiz essa explicação bem sucinta e didática para mostrar que
os preços altos por produtos inúteis não são culpa de carga tributária. Porque
nessas horas sempre há algum discípulo de Hayek, Mises, Friedman e outras
reencarnações vulgares de Adam Smith dizendo que o problema são os impostos,
usando discursos ideológicos para induzir, de forma simplista à maldade do Estado
(de quem eles mesmos se aproveitam) e descrever pseudocientificamente o valor
de todos os produtos: pão, leite, carne, ovos, material escolar, passagem para
Orlando, carros de luxo e aquele PS4 que adultos presos na fase anal esperneiam
por não poder comprar por menos de quatro milhas.
E o que isso tem a ver com futebol?
Até aqui fiz uma breve digressão sobre ovos de chocolate e
teoria do valor. Mas este blog é sobre futebol.
Uma copa do mundo foi realizada no Brasil. Em vez de
mostrarmos nossa forma de desfrutar do esporte e da condição de torcedores
pulando, fazendo coreografias em estádios lotados, agitando bandeiras, cantando
cantos de gente apaixonada pela bola rolando redonda com jogadores habilidosos,
realizamos um esforço nacional para construir arenas insossas que abrigam jogos
chatos, retrancados, de audiência branca, racista e mimada.
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A NOVA CARA DOS ESTÁDIOS Torcedoras despreocupadas com o jogo do Flamengo, o time mais popular do país (espn.uol.com.br) |
O nosso torcedor, aquele do antigo Maracanã, Mineirão e
Pacaembu, ainda sofre para conseguir ingresso pela oligarquização das cadeiras
(acabaram as arquibancadas em posição central ao campo, né?) e o aumento de
preços porque se compramos o que nunca precisamos antes para gostar do jogo e
ganhar cinco copas.
Quando uma torcida organizada que percebe o que perdeu
protesta, mesmo que com interesses mais egocêntricos do que altruístas, dois de
diretores são espancados misteriosamente para não interferir na bela imagem que
as arenas criam para transmissões pasteurizadas e artificiais na TV, momento em
que ninguém reivindica economistas neoclássicos para reclamar da intervenção
policial do estado.
Gastávamos R$ 20 para ver grandes times jogando. Dispendendo
com o que não precisamos, pagamos R$ 100 para ver um telão bonito, uma cadeira
numerada, manter distância de gente que grita o tempo todo. Nada disso fazia
sentido. Agora é moderno.
No caso do ovo, pelo menos, o chocolate e a barra possuem o
mesmo gosto. No futebol, o novo sabor é tipo um caviar: ruim, caro e só quem
tem dinheiro degusta para mostrar que pode, não porque é bom.
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GERALDINOS O Rei do Maracanã com seus súditos. A geral foi extinta quando o ex-Maior do Mundo passou a atender o "Padrão FIFA" |
*Fábio Venturini é jornalista