|
Montagem: RBS |
“Longe de casa
Há mais de uma semana
Milhas e milhas distante
Do meu amor
Será que ela está me esperando?
Eu fico aqui sonhando
Voando alto
Tão perto do céu”
Quem teve a oportunidade de trabalhar com futebol de base sabe o quanto é difícil a vida de um garoto que sonha em ser um Neymar, um Philippe Coutinho, um Gabriel Jesus, ou ser apenas ele mesmo. Tem a peneira, cuja malha é cada vez mais estreita; a adaptação à nova casa, à nova família. Porque é disso que se trata: é uma família que é formada, como novos “irmãos”, de sonho e estrada. De vida.
Longe de casa, dos irmãos, pais e amigos, sem o alicerce onde eles poderiam firmam os pés, pés estes que são os que os levarão para a glória – ou para o ostracismo -, vão os meninos bons de bola. Com eles, quase que de forma siamesa, vão o medo do fracasso, a proibição de errar e voltar para casa sem o contrato assinado e carregando no ventre do coração uma carreira natimorta. Afinal, é no talento do filho bom de bola que a família se fia por uma vida melhor.
Leia também:
Números favoráveis não salvam ano pífio da Seleção Brasileira
Rimos quando o Edu Gaspar falou que “era difícil ser Neymar”. Mas aos 14 anos deveria ser mesmo. E se Neymar, como tantos outros, não virasse o Neymar da Seleção, do Santos, do Barcelona, do PSG dos 222 milhões de euros, e tivesse sido só mais um dos meninos bons de bola cujo fama e futuro ficaram presos no funil? Sem a possibilidade de falhar, abrindo mão da infância e do simples jogo de bola por algo que, de divertido, só é para quem está do outro lado da cerca, o menino torna-se homem antes mesmo de a barba aparecer. Todo profissional está sujeito a passar por uma temporada ruim e talvez a vida seguirá. Na base, um ano abaixo significa uma carreira a menos.
Entrar nas categorias de base do clube não garante nada, a não ser a manutenção do sonho. Daí, subir ao time de cima, degrau por degrau, chegar à equipe principal, manter-se no elenco, virar titular, chegar a um grande e não sentir o peso da camisa, uma eventual convocação para a Seleção, para aí sim ter acesso às benesses que a vida de jogador de futebol de primeiro nível oferece, é um caminho longo demais a ser percorrido. Isso sem contar os percalços, como um empresário golpista que lhe roubou o sonho em troca de meia dúzia de moedas, uma lesão, ou justamente naquele dia a cabeça estava longe, a camisa pesou, um eventual pedófilo que troca o lugar no time por favores inconfessáveis, a estrutura precária do time.
O fogo que lambeu o CT do Flamengo não interrompeu apenas carreiras. Acabou com sonhos de uma existência mais digna, tirou mais que a promessa de um futuro melhor: por mais que pareça clichê, vidas acabaram no inferno do Ninho do Urubu. O clube fica, Flamengo ou não. Os meninos, porém, como uma falta por trás cometida de forma traiçoeira pela noite, por incúria ou fatalidade, não tiveram defesa ou a chance do drible para encarar o próximo lance. Não haverá próximo lance. Não haverá dor maior do que a provocada às famílias pela perda não do candidato a jogador, mas do filho, do irmão, do amigo.
Famílias. Família. Consanguínea ou de escolha, tanto faz. Tudo gira em torno disso. E são as famílias que ficam sem seus meninos, bons de bola ou não. No fim, a bola é o que menos importa. E o paraíso, que estava tão perto, tornou-se inalcançável.
“Estou a dois passos do paraíso. Não sei se vou voltar
Estou a dois passos do paraíso. Talvez eu fique, eu fique por lá”.