Quando Portugal perdeu para a Sérvia pela última rodada da qualificação ao mundial - que viria somente ao fim da repescagem e pela sorte de enfrentar adversários fracos -, fiz uma comparação entre o treinador Fernando Santos e a anedota daquele gajo que vê uma casca de banana à frente e coça a cabeça a pensar "Ai, Jesus, outro tombo!".
O gajo da anedota da casca de banana (imagem: Reuters) |
Pela última rodada do Grupo B da Liga das Nações, Portugal novamente precisava de um empate em casa para avançar. Dessa vez, no entanto, o adversário era a Espanha, equipe com muito mais argumentos que os sérvios. Ainda assim, menos apetrechada que os vizinhos de sudoeste da Península Ibérica, era a "casca de banana" da vez.
E o que se viu foi o mesmo: com o relógio a favor, Fernando Santos passou a defender a vantagem sem tentar tirar proveito da necessidade espanhola de marcar. Então foi tirando os homens capazes de criar e povoando o setor onde a Espanha, já com Gavi e Pedri em campo, era mais forte e criativa.
Escolhas. Optar é, ao mesmo tempo, renunciar. Quando Luis Henrique, o treinador espanhol, tirou Koke e Soler para ter os imberbes Gavi e Pedri em campo, ganhou em criatividade, mas perdeu força de marcação. A essa altura, os campeões do mundo em 2010 não haviam criado maiores problemas ao guarda-redes Diogo Costa, apesar de ter sempre a posse de bola a roçar os 70%, no mínimo, tanto que Portugal era quem mais havia tido hipóteses para marcar e só não o fizera pela jornada infeliz de Cristiano Ronaldo.
Escolhas. Ao trocar Bernardo Silva e Diogo Jota por Vitinha e João Mário, Santos queria ter mais posse, mas perdeu em agressividade no ataque e deu espaço e tempo à Espanha, já com cabeças pensantes e pernas mais frescas. Mesmo a entrada de Rafael Leão, forte para segurar a bola contra quem fosse, não atacou o problema na sua raíz, tanto que, em 15 minutos, a Espanha chegou mais vezes do que nos 75 anteriores. Justamente porque não havia frescor onde precisava, mesmo tendo à disposição Matheus Nunes, Ricardo Horta e João Félix - este entrou após o gol de Morata, no minuto 88.
Mais que isso: o forte do jogo português é ter a bola e trocar passes no meio de campo para abrir espaços e, de estocada em estocada, chegar ao gol. Contra a Espanha, no entanto, isso não funciona porque ninguém no mundo é capaz de ter o controle da bola tendo os campeões do mundo de 2010 como oponentes porque todos os jogadores espanhóis são formados na cultura da "posse-aproximação-passe" passe o tempo que for, mesmo sem o condão genial de Xavi e Iniesta porque estes fazem parte de um passado que não volta mais.
Portugal tem talento para mais e já mostrou isso contra adversários fortes, como foi contra a França na Liga das Nações vencida por eles e contra os Países Baixos, que não viram a cor da bola na final da edição de estreia da competição, conquistada com todo mérito e bola por Portugal. Em 2016, com as peças que tinha, jogou como podia e foi campeão. Isso jamais será apagado, mas não é possível ser refém do passado, por mais glorioso que tenha sido. É preciso querer, é preciso ambicionar. É preciso entender que jogar à bola não garante um resultado porque, ó, caralho, nada garante, mas aproxima de tal e diminui a interferência, tanto do adversário, quanto do acaso.
"Às armas!", já diz A Portuguesa, o Hino Nacional Português. Então, que usêmo-las como dever ser usadas, ou não levantaremos mais o esplendor de Portugal.