domingo, 10 de julho de 2016

Respeitem os campeões

A LENDA Cristiano Ronaldo ergue a taça de
campeão (Michael Regan/Getty Images)
Hoje Portugal fechou uma das suas feridas mais profundas. Finalmente exorcizamos o fantasma de 2004, daquela final em casa com a Grécia. Como em Aljubarrota, a superação. O principal soldado caído, ferido, morto para a batalha, mas não para a guerra.

Portugal fez uma primeira fase trôpega, ruim, arrastada. Foi se reconstruindo durante a competição para chegar a Paris com força, com ganas de ser campeão e, finalmente, ser respeitado pelo mundo. O melhor cenário, na casa dos entojados franceses. Não o time Bleu, que foi gigante também e um adversário que valorizou a nossa conquista; a mídia gaulesa, que menosprezou os portugueses, como fazem desde que Napoleão Bonaparte colocou a Família Real Portuguesa para correr, no início do século XIX.
ACIDENTE DE TRABALHO Cristiano Ronaldo sofre
entrada de Payet e sai machucado (AFP)
No lado de cá do Atlântico, uma horda de críticos ferrenhos do estilo lutador português. Somos assim mesmo. Feios, rudes às vezes, mas com coração. E não há no mundo um coração mais valente que o português.

Talvez por causa da colonização exploratória desde 1500 e também pelos lacaios e parasitas que chegaram com a corte de D. João VI, exista desde os bancos escolares um sentimento antilusitano. As piadas de português, que eu também conto com propriedade, são a prova do oprimido fazendo troça com o opressor. 

Não me importo. 

Como disse, eu mesmo as conto. Só não gosto de deslealdade, de desonestidade. Se nossa crônica especializada fosse honesta no propósito de informar, veria que existe um trabalho sério em Portugal para fazer o futebol dar certo. Que desde a chamada Geração de Ouro da década de 1990, Portugal não para de revelar valores de excelência mundial. Cristiano Ronaldo, Renato Sanches, Figo, João Pinto, Sérgio Conceição, Rui Costa. Não é de graça.


Admitam que não somos um time de um jogador só. Só dessa vez. Ou melhor, a partir de agora. Para desespero dos comentaristas pré-fabricados, fomos campeões sem Cristiano em campo durante quase 100 dos 120 minutos. Se os comentadores fossem realmente isentos, veriam que Portugal cresceu durante a competição, que mudou, que admitiu suas limitações e, dentro de suas qualidades, que foram muitas, chegou com mérito sim a Paris, e para pegar um time forte, com mais camisa, em casa, e moralizado por uma vitória incontestável sobre a poderosa Alemanha, mas com chances reais de fazer história.
GIGANTES Pepe e Renato Sanches brilharam
 na Euro-2016 (AFP/Getty Images)
Teriam notado que o jogo seria outro. A França, contra a Alemanha, deu a bola e marcou. Contra Portugal, teria que propor o jogo, ainda mais depois da infeliz (e leal) entrada do ótimo Payet, que alijou Cristiano da disputa.

Seria de bom tom levarem em consideração que, desde 2000, Portugal participa de todas as Copas e Eurocopas, seguidamente. Países como Inglaterra e Holanda falharam ao menos uma dessas competições. Portugal não. Talvez fosse pedir demais, e reconheço isso, levar a sério o fato de que Portugal é a única seleção europeia a garantir passagem a todas as quartas-de-finais, pelo menos, de todas as Eurocopas que disputou. Se o escrutínio for bem feito, verão que, em sete participações, nós estivemos em cinco semifinais, coisa que ninguém fez. 

Ao falar do caminho suave que Portugal teve até a final, poderiam ter percebido que os adversários dos franceses também não foram dos mais gabaritados. A França só enfrentou um time realmente forte nas semifinais.

O herói improvável saiu do banco para nos dar a maior vitória de todos os tempos. Rui Patrício, um goleiro contestado, foi gigante durante a prova toda. O "tosco" Pepe, irrepreensível. Nani e Quaresma, que nem nós levávamos a sério, foram monstruosos. Uma vitória que nos coloca, enfim, entre os grandes. 
O MAIOR GOL DO MUNDO Ederzito faz história e marca o gol mais
importante da história do futebol português (AFP/Getty Imagens)
Que nunca mais nos olhem por cima dos ombros. Não precisa nem passar a gostar de nós. Basta que nos respeitem. 

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