segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Projetado para dar errado


Quando a ideia da Liga Rio-Sul-Minas saiu do papel, foi uma festa! Era a carta de alforria dos clubes, que, finalmente, escapariam do jugo da CBF e poderiam andar com as próprias pernas. À CBF, resignada, restou acatar e arrumar uma vaga no calendário oficial do futebol brasileiro. Afinal de contas, havia um surto de honestidade no ar, a parti de Zurique e as das ações do FBI sobre os mais altos dirigentes da FIFA. "Novos tempos no futebol!", bradavam por aí vozes das mais entusiasmadas.

Funcionou até a página dois. Se no princípio a CBF aceitou, mansamente, depois o discurso mudou. Disse, por intermédio do ex-presidente Del Nero, aquele que não pode sair do país, que iria aguardar. Algumas federações, acostumadas a mamar nas tetas dos filiados, se colocaram contra. A carioca, a gaúcha. Os clubes iam bem. Até que resolveram discutir as cotas. Aí a fraternidade acabou.

Enfraquecida e sem o dinheiro que esperava receber da TV pelos direitos da competição, que colocaria em campo os principais clubes do Rio de Janeiro (exceto Vasco e Botafogo, fiéis à Ferj e, não por acaso, finalistas do último Campeonato Carioca), Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina, a Primeira Liga (nome oficial da entidade formada) acertou os ponteiros e divulgou tudo; clubes, tabela, forma de competição.

Neste meio-tempo, Marco Polo Del Nero, chafurdando nas denúncias de corrupção (as mesmas que "derrubaram" Havelange, Teixeira e Marin), se afastava do cargo, não antes de colocar, com o apoio de alguns dos principais clubes do país, um obscuro Coronel Nunes em seu lugar. Ele era presidente da Federação Paraense há mais de duas dúzias de anos, e sabemos como estão os clubes do Pará. 

Quando podiam dizer "não" à manobra, os clubes paulistas abaixaram a cabeça e, como cordeirinhos, aceitaram a "recomendação" da FPF, de apoiar a candidatura do tal coronel à vice-presidência da região Sudeste e, consequentemente, da CBF quando Del Nero largasse o osso. E entrou o indicado do presidente afastado.

Antonio Carlos Nunes de Lima, o tal coroné, era homem da Ditadura Militar, como é possível ver na excelente reportagem do excelente jornalista Lúcio de Castro, para o apublica.org. É da mesma laia de gente como José Maria Marin, que tentou cassar a nacionalidade do atacante Diego Costa porque este resolveu jogar a Copa de 2014 pela Espanha. Para eles, a lei serve somente quando os favorece.

Eis que a semana da estreia da Primeira Liga chegou e, faltando três dias apenas para que começasse o torneio que representaria a modernidade do futebol nacional, a CBF do Coronel Nunes resolveu vetar sua realização, se baseando, entre outras justificativas, no Estatuto do Torcedor e no descumprimento do intervalo mínimo entre as partidas a serem disputadas pelos jogadores.

Até aí, tudo bem. O problema é que a entidade não tem a menor moral para alegar o descumprimento destas regras, pois ela deu de ombros ao mesmo Estatuto do Torcedor quando rebaixou a Portuguesa no Brasileirão de 2013 e, quanto às tais 72 horas que devem haver entre uma parida e outra, não é difícil de encontrar casos (aos montes) em que os jogadores voltaram a campo antes do prazo mínimo estabelecido, e pelo qual os próprios sindicatos de jogadores não dá a minima.

Mandando onde não deveria, a CBF chamou os clubes da tal Liga para conversarem, mas para a sua inclusão no calendário a partir de 2017, mas "sem nenhuma infringência às leis, regulamentos e estatutos", os mesmos que ela passa por cima quando lhe convém. Faltou coragem aos clubes. Faltou vontade aos dirigentes, que tinham a possibilidade de, enfim, dar um passo gigante na direção da modernização do futebol brasileiro.

Para tanto, bastava os principais distintivos brasileiros pararem de olhar para seu próprio umbigo, se unirem pelo bem maior - o futebol - e dar uma banana à CBF, mas aí é pedir demais aos modernos cartolas brasileiros. Tudo normal para o "Padrão-Brasil", o país projetado para dar errado.

sábado, 9 de janeiro de 2016

Já é melhor mesmo?

NO PÓDIO Neymar comemora com Suárez golaço marcado no
Camp Nou contra o Villareal. Craque brasuca aparece pela primeira vez
 entre os três postulantes à Bola de Ouro (Josep Lago/AFP)
“O Neymar é melhor que o Cristiano Ronaldo!” Esta frase já pode ser lida por aí, dita por diversas vozes, especializadas ou não. Não importa se, pela primeira vez, o português teve uma temporada pior que a do brasileiro, mesmo que os números individuais apontem o contrário. Não importa também que muito do desempenho de ambos esteja diretamente ligado ao que fizeram suas equipes no ano, como, aliás, seria em qualquer caso.  

Não precisam ter pressa, senhores! Neymar, que tem 23 anos e está em ascensão, mais cedo ou mais tarde será melhor que Cristiano, já com 30 completados e, portanto, mais perto do declínio físico, embora todas as temporadas anteriores tenham mostrado que não.


GRITEM MAIS! Três vezes Bola de Ouro, português cumpre rotina. Ninguém fez
mais golos que ele em 2015 (57), apesar da temporada ruim do Real Madrid.
São cinco anos seguidos a superar a casa dos 50 tentos (Getty Images)
É natural. Neymar será melhor que Cristiano e também, se tudo correr bem, que Messi, cinco anos mais senhor que ele. Da mesma forma que aparecerá algum jovem jogador que irá superá-lo, mais dia, menos dia, pelo simples fato de que o tempo é o melhor marcador de todos os tempos. Mas aí alguém aumentará os decibéis para falar do auge caso este seja um argumento válido.


EXTRATERRESTRE Messi é o favorito para levar a quinta
Bola de Ouro para casa (Alberto Estevez/EPA)
Com o português, porém, não é assim. Mesmo ele tendo sido escolhido o melhor do mundo em três temporadas distintas (por enquanto), como Zidane e Ronaldo, outros astros indiscutíveis. E daí que ele se mantém jogando no mais alto nível desde que despontou para o futebol, na Eurocopa de 2004?

Pode ser, e existem grandes chances disso, que Neymar jamais atinja o patamar que nos últimos anos só Messi e Cristiano Ronaldo atingiram. Para isso. terá que jogar o seu melhor e prolongar o ápice, coisa que, além dos dois extrassérie, talvez só Ronaldo e Zidane (por um período de tempo mais curto) fizeram nos últimos 20 anos. Craques como Van Basten, Romário e
 Ronaldinho Gaúcho não foram capazes de permanecer por tanto tempo no topo durante a carreira toda.

Mas e daí? Neymar já é melhor. E ponto.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Verdades inconvenientes

Por Vinicius Carrilho*



Desde o meio de dezembro as trombetas do apocalipse vêm soando no Parque São Jorge. Até o momento, assim como na bíblia, já foram quatro toques. No primeiro, levou-se Jadson. Depois, foi a vez de Renato Augusto e, nos dois seguintes, partiram do alvinegro Ralf e Vagner Love. Por todo o país, milhões de alvinegros já conseguem ouvir a águia dizer, em meio ao seu voo: “Ai dos que moram na terra, por causa das restantes vozes da trombeta dos três anjos que ainda têm de tocar!”. Eles temem, e muito, o cada vez mais próximo soar de uma nova trombeta.

O Apocalipse preto e branco vem, quase em sua totalidade, do outro lado do mundo. Em vez de saraivadas de fogo e sangue, traz consigo cifras inimagináveis e olhos cada vez mais atentos aos jogadores do atual campeão brasileiro. Vendo seu time se enfraquecer diariamente, muitos fiéis temem ser esse o ponto final para uma equipe que tinha tudo para ser feliz em 2016. Mas, seria de fato este o triste epílogo de uma grande história construída nos últimos meses? Não, não é. Aliás, sequer é o começo de um fim.

Antes de todos os argumentos seguintes, é necessário compreender completamente uma máxima: a verdade dói, mas liberta. O que será exposto nos próximos parágrafos são verdades inconvenientes, principalmente para aqueles que ainda possuem uma visão romântica deste grande negócio chamado futebol.

De princípio, é necessário afirmar que não há a menor possibilidade de um clube brasileiro concorrer com qualquer outro mercado que tenha um mínimo de estabilidade financeira. Com o real a cada dia valendo menos que o inseto que ronda o excremento do equino, as equipes do exterior, em especial as chinesas, sequer se dão ao trabalho de negociar. Elas chegam, fazem uma proposta ao jogador e, após este aceitá-la, depositam a multa rescisória na conta de seu antigo clube. É simples assim e não há o que se fazer.

ÁGUA MORRO ABAIXO Renato Augusto se despede do Corinthians:
 "Proposta irrecusável" (Marcelo D. Sants/Estadão Conteúdo)
Enquanto tivermos uma economia quebrada (mesmo com muitos insistindo que não há crise) e uma moeda valendo menos que muitos de nós, que por anos ouvimos que não valíamos nada, os clubes daqui continuarão sendo a residência da progenitora Joana, onde quem tiver dinheiro vem, leva e sai sem nem agradecer.

Em um segundo momento é primordial uma compreensão daquilo que pode ser a pior das verdades: o que para o torcedor é uma paixão, para o jogador não passa de um simples ofício. Os atletas são profissionais de uma carreira curta e incerta, onde uma simples lesão no joelho, por exemplo, pode fazer ruir todo um trabalho de anos de dedicação e privações. Agora, por um segundo inverta os papéis: imagine que você é um trabalhador, provavelmente já na última volta de sua carreira, com uma escolaridade máxima de ensino médio completo e, de repente, recebe uma proposta de trabalho que lhe renderá 2 milhões de reais ao mês. Você recusaria? Se sim, parabéns, é um dos maiores heróis de todos os tempos, pois 99,9% da população não pensariam duas vezes.

Neste mesmo tópico, alguns podem argumentar que na vida nem tudo é dinheiro.  Questionariam sobre como encarar a mudança para uma nação de cultura e idioma tão diferentes, como é a China. Isso sem levar em conta a distância de nosso país para o deles. Pois bem, com o enorme desenvolvimento econômico dos últimos anos, muitas cidades chinesas tornaram-se maiores e mais estruturadas que as grandes capitais brasileiras. Além disso, auxiliará na adaptação desses atletas a invasão de jogadores, treinadores e preparadores tupiniquins que ocorre por lá. Por fim, a tecnologia hoje em dia acabou com qualquer empecilho que a distância possa causar. Convenhamos, por mais que você queira negar: é praticamente impossível existir novamente um Viola, que voltou de Valência porque estava com saudade de comer feijão – e que só comia bolachas. Hoje, se encontra tudo em qualquer lugar e, se não encontrar, em questão de horas é possível solicitar uma entrega. Também vale lembrar que, em pleno 2016, ninguém depende de carta para nada. Em menos de cinco toques em uma tela de celular você pode se conectar, em vídeo, com qualquer pessoa do planeta.

DE VOLTA AO EXTERIOR Após sucesso no Brasileirão, Jadson (à esquerda) e
Vagner Love também definiram saída do Alvinegro. Atacante vai para o futebol
francês e meia segue para a China (Anderson Rodrigues/AE)
 
Ainda haverá aquele que, em um último suspiro de sua argumentação, lembrará que estes jogadores irão se esconder em centros menores, inclusive não participando mais das convocações da Seleção Brasileira. É verdade, mas não é. Durante boa parte do ano, de fato, eles ficarão completamente longe das luzes do estrelato. Mas, basta um estalar de dedos e uma mínima intenção de retornar para que o interesse de clubes brasileiros cresça sobre os jogadores. Deixar a Seleção Brasileira também é um grande risco que se corre, mas, convenhamos: estar no time nacional atualmente não significa absolutamente nada. Trazendo para cá a tese de Marcos Teixeira, genial dono deste espaço, a camisa amarela do Brasil deixou de ser um objetivo para tornar-se um instrumento. Estar no grupo comandado por Dunga neste momento não é nada mais que uma forma de buscar um bom contrato, coisa que todos já conseguiram.

Mas e a renúncia de suas carreiras?, perguntaria ainda o incauto leitor, num último argumento para provar e ir para a China não é lá um negócio da China. Ora, vocês acham que algum destes vão atuar algum dia em um Barcelona ou um Bayern de Munique?! Claro que não.

Levando agora o foco para o Corinthians, não há motivo para tanta agonia. Excluindo todos os que possuem alguma sondagem e também aqueles que ainda não foram contratados, Tite pode começar o ano com a seguinte formação: Walter; Fagner, Felipe, Gil e Uendel; Cristian, Bruno Henrique, Marlone e Rodriguinho (Danilo); Alexandre Pato (Malcom) e Luciano. Não é nenhum time galáctico, mas para os padrões do futebol brasileiro está bem na média. É evidente que todos os que estão partindo farão falta, mas ainda há quem possa substituí-los.

QUEM FICA Mesmo com debandada, treinador terá time de
qualidade à disposição (Daniel Augusto Jr./Agência Corinthians)

Perante tudo isso, fica claro que não estamos diante de mercenários e muito menos em meio a um processo apocalíptico. As três trombetas finais podem tocar algum dia para os grandes clubes, mas não será agora e nem motivadas pelas cifras milionárias do exterior. Neste momento, precisamos passar por um processo de conscientização. É necessário aceitar que somos um país pobre, de economia fraca, com um futebol sem apelo e sem dinheiro. Também, que os jogadores não são nada mais do que meros trabalhadores, sem qualquer vínculo passional com seus empregadores. Nessa história toda, não há ninguém sofrendo por partir e muito menos fazendo algo ilegal ou imoral. Essa é a grande verdade e, em um tempo de engano universal, dizê-la e aceitá-la é um ato revolucionário. 

* Vinicius Carrilho tem 24 anos, é jornalista, morador
de Osasco e gostaria de ganhar a vida fazendo
humor, mas escreve melhor do que conta piadas.