quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

Para que servem as federações?

IMPASSE Jogadores cumprimentam torcedores antes do jogo que não
houve. Equipes peitaram a Federação (Cléber Yamaguchi/AGIF)
 

Que o clássico Atletiba, pelo Campeonato Paranaense, não aconteceu é sabido por toda a malta. O motivo, também já levado a público, foi a decisão dos clubes de, sem acerto quanto à cessão dos direitos de transmissão de seus jogos com qualquer emissora de TV, transmitirem pelos seus canais oficiais no Youtube e nas respectivas fanpages no Facebook, o que levou a Federação Paranaense de Futebol a proibir o início a partida já com os times em campo e após a execução dos hinos Nacional e do estado do Paraná.

Seria uma revolução na forma de não só fazer, mas de vender, no melhor sentido da palavra, o futebol brasileiro, o que, evidentemente, mexe com o chamado status quo vigente no país.

Contextualizando:

A Lei Pelé, no artigo 42, versa que “o direito de transmissão e retransmissão por qualquer meio do espetáculo desportivo pertence à entidade de prática desportiva, ou seja, os clubes, que podem negociar com quem e da forma que quiserem.” Quem diz é o Professor Dr. João Chiminazzo, especialista em Direito Desportivo. “Uma vez que os clubes, no caso Atlético e Coritiba, não cederam para ninguém, poderiam ter tocado a empreitada de eles mesmos fazerem a transmissão”, segue.
A última posição da Federação, depois de tanto diz-que-diz, é que os repórteres que trabalhariam na partida não estariam credenciados. Conversa mole, pois eles tinham crachás de identificação e estavam já no gramado, lugar onde só tem acesso quem faz parte do espetáculo e, portanto, não se entra sem autorização, o que torna a tese estranha, para dizer o mínimo. Outra hipótese é a de que o quarto árbitro, Rafael Traci, teria dito que “equipe de Youtube não é a detentora do campeonato” e que a ordem de impedir o início do jogo partiu do presidente da Federação, Hélio Cury.

Tudo isso momentos antes do jogo, como já foi dito aqui.

Qualquer que tenha sido o motivo, a Federação Paranaense de Futebol agiu de forma arbitrária. Interferiu numa seara que não era sua e desrespeitou a lei para defender interesses que não eram os dos seus filiados. Inclusive, o ocorrido levanta uma questão que já deveria ser feita há muito tempo: para que serve as federações?

Ou, se preferir, a quem servem as federações?

Os clubes são reféns do que é decidido nas salas das entidades que organizam as competições. Em 2012, o Guarani teve que abrir mão de jogar no seu Brinco de Ouro na decisão contra o fortíssimo Santos de Neymar e Ganso. Em 2015, quando o Flamengo e Fluminense resolveram peitar a Ferj, arbitragens no mínimo estranhas e decisões discutíveis nos tribunais facilitaram o acesso de Vasco e Botafogo à decisão do estadual.

Quando os clubes tiveram a chance de tirar da CBF toda a escumalha que está lá desde Ricardo Teixeira, elegeram para vice-presidente da Região Sudeste o Coronel Nunes, presidente da Federação Paraense há mais de 25 anos e aliado de Marco Polo Del Nero, então afastado da presidência da CBF. Foi, como também é sabido, uma manobra para que, caso Del Nero renunciasse, o comando do futebol nacional seguisse nas mãos do grupelho, já que o estatuto da entidade previa que o vice-presidente mais velho assumiria na tal vacância do cargo.

Uma solução seria a criação de uma liga nacional, o que deixaria para os clubes a realização das competições e, para a CBF, ficaria o que fosse referente à Seleção Brasileira, o que acontece nos principais países europeus. Mas isso é inviável a partir do momento em que os próprios clubes olham apenas para o próprio umbigo e, do co-irmão, querem apenas as vísceras.

A Primeira Liga é um bom exemplo disso. Enfraquecida logo no berço pelo desentendimento dos clubes para definirem cotas de participação e pela falta de aval da CBF, que contrariou mais uma vez a Lei Pelé, e sem o dinheiro que esperava receber da TV pelos direitos da competição – que colocaria em campo os principais clubes do Rio de Janeiro (exceto Vasco e Botafogo, fiéis à Ferj), Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina – a Primeira Liga acertou os ponteiros e divulgou tudo: clubes, tabela, forma de competição.

Eis que a semana da estreia chegou e, faltando três dias apenas para que começasse o torneio que representaria a modernidade do futebol nacional, a CBF do Coronel Nunes resolveu vetar sua realização, se baseando, entre outras justificativas, no Estatuto do Torcedor e no descumprimento do intervalo mínimo entre as partidas a serem disputadas pelos jogadores.

O mesmo Estatuto do Torcedor foi rasgado quando a Portuguesa foi rebaixada via tapetão para a Série B do Campeonato Brasileiro. Aqui, não faço juízo de valor, mas destaco que uma lei federal, o Estatuto do Torcedor, ficou subordinada a uma regulamentação específica, o Regulamento Geral de Competições da CBF. Quanto às tais 72 horas que devem haver entre uma parida e outra, não é difícil de encontrar casos (aos montes) em que os jogadores voltaram a campo antes do prazo mínimo estabelecido, e pelo qual os próprios sindicatos de jogadores, entidades igualmente questionáveis, não dão a mínima.

Mandando onde não deveriam, as federações fazem o lhes convêm e respeitam as leis somente quando estas lhes interessam. Em via de regra, falta coragem aos clubes, o que, a priori, não é o caso dos dirigentes de Atlético Paranaense e Coritiba.

A priori.

Os principais distintivos brasileiros, estes sim com poder de barganhar, precisam parar de olhar para seu próprio umbigo e se unirem pelo bem maior, que é o próprio futebol, e darem uma banana à CBF e às obsoletas e parasitárias federações estaduais, mas aí é pedir demais aos “modernos” cartolas brasileiros. Tudo normal para o “Padrão-Brasil”, o país projetado para dar errado.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

O dia em que morri



Foi no dia 15 ou 16 de dezembro de 2013 – não estou certo quanto à data exata – que começou a morrer o torcedor de futebol que nasceu em junho de 1985, num Portuguesa 2; Marília 0, pelo Paulistão daquele ano. Os sintomas, porém, começaram a aparecer pouco mais de uma semana antes.

9 de dezembro, segunda-feira. Festa do troféu Mesa Redonda, da TV Gazeta. Eu era assessor de imprensa da Lusa e estava com uma taça de vinho branco na mão quando a bomba estourou: o meia Héverton, na véspera, teria sido escalado irregularmente na última rodada do Brasileirão. É desnecessário falar dos acontecimentos que se seguiram até o primeiro “julgamento” na sede do infame stjd (espero que o editor mantenha em caixa baixa), na Rua da Ajuda, Rio de Janeiro.

Naquele maldito dezembro, dormi mal em todas as noites. Trabalhei mais na sala do departamento jurídico da Lusa do que na minha própria mesa. Presenciei todas as trapalhadas cometidas pelos homens da Lusa. Uma por uma. E não forma poucas. Falei mais com o Júlio Gomes, colega de profissão e de infortúnio luso, do que com a minha própria mãe naquele período, tentando achar uma saída para o clube.

Não achamos.

Mesmo que tivéssemos encontrado uma luz que não fosse a do trem vindo no sentido contrário, o fado já estava escrito: a execução sumária travestida de julgamento teve de tudo: torcida do tricolor carioca (não escrevo o nome daquele time nas minhas tribunas) na porta do tribunaleco, com faixas, com bandeiras, mas sem dignidade; voto do relator escrito na véspera devidamente guardado na gaveta, à espera do momento certo para atingir o coração de um clube que foi morto porque cometeu o crime de querer lutar contra o Negócio futebol, o business. Morreu porque quis ser grande.

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Comecei a morrer como torcedor quando o massacre de 9 a 0 foi consumado no patético e hediondo “julgamento” da citação do Pequeno Príncipe; quando vi hienas de verde e grená rindo sobre o cadáver ainda quente, como se fosse parte do seu instinto animal. Não, não é. Aquilo era uma mostra do pior que pode haver naquela gente. É esse tipo de pessoa que brada feito louca quando um pênalti legítimo é marcado contra si, mas regozija-se a cada lance ou armação ou tapetão a favor do seu time.

Eles, como tantos outros, sob outras camisas, são os mesmos que, com este comportamento deplorável, fiam as maracutaias existentes em todos os níveis sociais. O “levar um por fora”, o “quanto é que eu levo nisso”, é inerente a esse tipo de gente.

Tornei-me, então, um ser completamente isento de qualquer cor ou sentimento positivo relativo ao futebol brasileiro. Tal qual o Homem de Pedra do Trio Parada Dura (ouçam), decidi que ninguém mais pisaria em mim. Torço sim! Mas só quando o Benfica joga, quando A Portuguesa é tocada antes de cada partida da Seleção de Portugal. E contra o time da CBF.

Já a Lusa segue definhando num espiral infinito, uma queda em parafuso que não para. Foi num 8 de dezembro que o sistema achou o motivo torpe para nos matar. 8 também era a camisa que o Rei Enéas, o gênio esquecido, usava quando acordava para destroçar adversário por adversário dentro de campo. No dia 27 de dezembro de 2013, a morte do craque da camisa 8 completou 25 anos. No mesmo dia, os doutos donos da lei da ópera bufa e farsante da Rua da Ajuda deram o tiro de misericórdia.

E eu morri.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

Eduardo Baptista e o imediatismo tupiniquim

DOIS JOGOS são suficientes para que Eduardo Baptista
 seja questionado (Ale Cabral/Agif/Lancepress!/LANCE!)
O Palmeiras terminou a temporada de 2016 por cima da carne seca. Campeão brasileiro com sobras, elenco estrelado e aporte financeiro como poucas vezes foi visto no país. Aí o técnico Cuca cumpriu uma promessa feita à família e saiu para, como está na moda, um ano sabático.

Com um mercado de treinadores com pouquíssimas opções, Eduardo Baptista foi o escolhido pela diretoria verde para tocar o barco, ou melhor, o transatlântico palmeirense. Filho do também treinador Nelsinho Baptista, Eduardo vem referenciado por bons trabalho por Sport e Ponte Preta, mas sem passagens notáveis por alguma das grandes equipes do Brasil.

Começo de trabalho é sempre complicado, sobretudo quando a pré-temporada é espremida e a preparação é feita durante os jogos. Sob a gestão de Baptista, que já tinha sua capacidade de lidar com elencos recheados questionada pela imprensa antes mesmo de se assinar com o clube, os resultados da época de Cuca não se repetiram e o futebol, que já não era vistoso, piorou. Foi o suficiente, claro, para que as cornetas soassem nos lados da Academia, pedindo a cabeça do treineiro.  
É preciso a gente verde ter mais parcimônia na análise. Pelo menos, mais lucidez do que a usada para somar quatro e um. Diferentemente do que acontece quando um técnico chega durante a temporada para render outro, é normal que ele já comece a implementar suas ideias de jogo em vez de promover pequenos ajustes no time que herdou. 
    
E ajustes a serem feitos não são poucos. Primeiro porque o elenco Palmeirense recebeu reforços de peso. Depois, e principalmente, Baptista não conta, de saída, com quatro titulares indiscutíveis e de importância inegável no time campeão do ano passado: Yerri Mina, Moisés, Tchê Tchê e Gabriel Jesus. 

Ora, que treinador já pegaria um time com baixas como esta e, de largada, atingiria o nível do ano anterior? Deixem que eu respondo: nenhum. Por dois motivos básicos: as mudanças no plantel em si e o início da temporada. Inexplicavelmente, a exemplar gestão alviverde conseguiu a proeza de preencher as 28 vagas para a primeira fase do Paulistão e deixou o principal reforço, o colombiano Borja, de fora. 

O futebol brasileiro, dirigido por diretores amadores e apoiado por considerável parcela da mídia, é imediatista. Vive exaltando os quase 30 anos de Sir Alex Ferguson à frente do Manchester United ao lembrar que nos primeiros anos ele não ganhou nada com os Red Devils, mas na primeira sequência ruim de qualquer treinador aqui, já falamos em demissão.

Voltando ao tema.

O Palmeiras, como os outros times que disputaram o campeonato nacional, começou a se preparar em campo no início do ano. Boa parte dos times do interior paulista que disputam o estadual já estava treinando há pelo menos 20 dias, o que, em curto prazo, faz uma diferença enorme. Depois que acontece um equilíbrio na parte física, quem for melhor tecnicamente normalmente se sobressai, mas isso demanda tempo e paciência para Eduardo Baptista, ou qualquer outro treinador, trabalhar.

Coisa que parte da imprensa e da torcida não tem tido, e nem costuma ter.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Sobre embalagem, estatísticas e biquíni

COMEÇO RUIM Rogério demonstra desânimo na
lateral do campo (Marcello Zambrana/AGIF)
Após o jogo de estreia de Rogério Ceni como treinador do São Paulo, quando o Tricolor foi atropelado pelo Audax por 4 a 2, o ex-camisa 01 e agora técnico amenizou o resultado ao destacar o número de finalizações e a posse de bola da sua equipe. O São Paulo teve, segundo dados publicados pelo Footstats, 55% de posse de bola, além de finalizar 27 vezes, 10 delas no gol defendido pelo goleiro Felipe Alves.

O discurso é bonito e se encaixa perfeitamente no que tem acontecido com frequência para embasar sistemas de jogo e atuações: números, números e números. Mas dá para justificar apoiado somente nesses dados? Sim, todos fazem isso, mas Rogério representa, ou deveria representar, o novo. Tem dois auxiliares europeus, vendeu a ideia de ter realizado treinos diferentes em todos os dias na pré-temporada realizada nos Estado Unidos, passou o ano estudando na Europa absorvendo conceitos de técnicos como Carlos Ancelotti. Garantia de sucesso?

Nenhuma.   

Para começar, ele não levou em consideração se a posse de bola, que nem foi tão superior assim, foi objetiva ou vertical. Se, como gostam de falar os novos analistas, rompeu as linhas adversárias, se foi mais que uma simples e infrutífera troca de passes no campo de defesa, de lateral a lateral, passando antes pelos dois zagueiros ou então pelo volante, que retorna a bola para o centro da zaga antes de ela ser passada para o lateral. Ou quantas dessas finalizações foram realmente chances claras de gol?

Leia também:
Sobre o Sporting, a CBF e o respeito à História

Vitor Guedes, jornalista com J em caixa alta, citou na sua ótima Caneladas do Vitão, no jornal Agora, a célebre frase do economista Roberto Campos  sobre estatísticas: "o que revelam é interessante, mas o que ocultam é essencial". E o que querem dizer os números trazidos por Ceni para a coletiva?

Um grande nada. 

Rogério quis inovar, colocando Rodrigo Caio, seu beque disparadamente mais técnico, à frente dos zagueiros Douglas e Maicon, desmontando o único setor do time que não comprometeu no medonha temporada de 2016. No fim, com o placar adverso, apelou para a velha tática da absoluta falta de tática (também conhecida como desespero) do centroavante enfiado no meio dos zagueiros e fosse o que Deus quisesse.

Pouco para quem chegou com a expectativa de ser o diferente.

Certamente, um dos livros lidos pelo agora treineiro tricolor é o Guardiola Confidencial, do espanhol Marti Perarnau. Nele, o autor fala o quanto Guardiola detestava quando o time do Bayern passava a bola de pé em pé, horizontalmente, no campo de defesa. E que a posse de bola somente pela posse de bola não serve para nada. "É uma merda", diz Pep em diversas passagens.

Não adianta acharem que bastam alguns dias para que Rogério apresente algo novo. Ou que a presença de europeus, coisa que nós da imprensa já vamos gorjeando como a única maneira de modernizar o que acontece nos gramados daqui, transforme do dia para a noite o futebol brasileiro. 

Não é.

A excelência (termo que Guardiola também abomina) do trabalho depende de fatores como filosofia, método, treinamento e tempo. Sem isso, o projeto, se é que há, vira passageiro da própria sorte. Basta saber se ele será, como o genial catalão, um agente da contracultura futebolística brasileira e terá tempo para desenvolver seu trabalho. Sem contar que não quer dizer absolutamente nada o fato de ele ter sido um grande atleta, o dono do vestiário por anos, ter vestido a camisa tricolor por mais de 20 anos. Muda-se a função, as responsabilidades são outras, as decisões a serem tomadas também, e a história escrita é apenas isso: história.  

Entre tanta mediocridade e falta de projetos alicerçados nos fatores mencionados, algo que tanto atrasa o futebol tupiniquim, espera-se que Rogério Ceni seja mais do que uma embalagem diferente. Afinal, de "m1to" do gol para burro do banco de reservas, basta apenas um passo. Ou uma sucessão de resultados ruins.